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1, 7, 8, 9... Hitler
"O Livro Negro da Revolução Francesa" faz revisão da história e sugere que movimento antecipou
o nazismo e o anti-semitismo
MONA OZOUF
Esse livro grosso ["Le
Livre Noir de la Révolution Française", O
Livro Negro da Revolução Francesa], vestido de luto, é recebido do mesmo modo que se descobre na
caixa de cartas um ataúde
ameaçador.
O ar do tempo soprou sobre
esse objeto lúgubre, novo avatar da história justiceira: depois de nos ter obrigado a nos
arrepender do tráfico negreiro,
do genocídio armênio, da colonização, somos convidados a
fazer penitência pela Revolução Francesa [1789].
Assim, aqui desfilam as cabeças na ponta de lanças, os padres massacrados, o calvário do
pequeno Luís 17. E, do outro lado -pois toda história negra
pede sua biblioteca cor-de-rosa-, Luís 16 -"o único grande
homem da Revolução"- e Maria Antonieta -"alma mozartiana, piedosa e heróica".
Ocultar verdades
Portanto, é um livro de época, que sonha com uma sociedade em que a Igreja Católica
informaria novamente os quadros da existência coletiva: por
trás dele vemos perfilar outro
livro negro, desta vez o da laicidade, que deveria agradar ao
cônego de Latrão.
Livro de época, ainda, que
aponta à punição pública os
"historiadores", espécie nebulosa ocupada em esconder, travestir, "ocultar" as verdades desagradáveis, como o sacrifício do rei, "apagado pela normalização histórica".
A Revolução, dizem-nos, gozou até hoje do "singular privilégio de ficar fora do inventário,
para sempre intocável". Intocável? Quem pode crer nisso, depois de dois séculos de análises,
de processos, de provas esmagadoras exibidas em tribunal e
da armada de procuradores, de
Joseph de Maistre a Léon Bloy?
Livro de época, ainda, para
entoar a canção da moda: do
Iluminismo saiu o Gulag, Lênin
procede de Rousseau e o totalitarismo nazista tem raízes na
Revolução Francesa. Ele inverte radicalmente os princípios,
mas aqui ninguém se preocupa
com esse detalhe, e a simplificação inspira os trechos mais
extravagantes da obra.
Ficamos sabendo que a Revolução Francesa inventou o
anti-semitismo, que "o que os
revolucionários quiseram -fazer desaparecer os judeus-,
Hitler conseguiu na Europa".
Um silogismo implacável preside algumas dessas loucas demonstrações.
Como se sabe, reconhecemos
os fascistas por alguns traços
genéricos: fulgurância, audácia,
insolência, laconismo, sobriedade. Ora, Saint-Just possuía
essas características; logo,
Saint-Just é um precursor do
fascismo. Uma casualidade, você disse? Não se engane, "não
há casualidade".
Triunfo autoritário
Poderíamos esperar que uma
exploração da vertente negra
da revolução fizesse surgir
grandes questões, ainda abertas: por que os franceses fizeram da rejeição radical de seu
passado o princípio da revolução? Por que a concepção autoritária do poder triunfou tão rapidamente sobre a inspiração
liberal? E "como fazer a comparação entre a França e os países
que se pouparam de uma revolução?", pergunta herdada de
Pierre Chaunu (do qual tomamos emprestado um texto do
bicentenário que resume a Revolução Francesa em quatro
vocábulos: "Rancor, ignorância, vaidade, estupidez").
Mas não esperem ver tratados aqui esses grandes temas.
O grupo de "ensaístas", de
"dramaturgos", de "historiadores" e de "filósofos" que esse livro reúne não se dedica a compreender, mas a julgar o passado nacional e, para o futuro, a
formular votos: primeiro, que
"o século 21, ao terminar, veja
um retorno da fé cristã"; depois, que surja enfim o princípio salvador capaz de garantir a
unidade do país. E "por que não
seria um rei?". A obra termina
com essa esperança ardente.
Obra cinzenta
O coordenador negligente
desse livro obscuro -não se hesita em definir a Revolução como "um prisma que se auto-refrata"-, sentiu a necessidade
de algumas grandes assinaturas. Jean Tulard e Emmanuel le
Roy Ladurie se prontificaram,
sem grande empenho.
O primeiro sobre Napoleão e
a Revolução, o segundo sobre o
clima: textos honrosos, mas fora do tema, pedras incertas trazidas para o edifício.
Sim, Le Roy Ladurie nos informa que fez um tempo horrível em 1788: ondas de calor numa primavera tórrida, granizo
e chuvas num verão podre.
A revolução, no entanto, ele
reconhece de bom grado, eclodiu por razões complexas, "que
não têm nada a ver com nosso
atual relato". Uma conclusão
que poderia ser adotada por
quase todos os contribuintes
fatigados de um livro cinzento.
A íntegra deste texto foi publicada na revista
"Nouvel Observateur".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
LE LIVRE NOIR
DE LA RÉVOLUTION FRANÇAISE
Org.: Renaud Escande
Editora: Editions du Cerf
Quanto: 44, R$ 112 (882 págs.)
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