São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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"É um caso de justiça social, para redimir erros históricos", diz Leopoldo Bernucci

DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO

Baseado na experiência norte-americana com ações afirmativas, o professor do departamento de português e espanhol da Universidade do Texas, em Austin (EUA), Leopoldo Bernucci diz que está na hora de fazer justiça dando mais oportunidades aos negros, mesmo que todo projeto sobre cotas seja paradoxal e tenha sérios motivos para ser criticado.
Para ele, o Brasil ainda está longe de ter instituições que representem a opinião dos intelectuais, que continuam atuando de forma individual e esporádica, mas já importante para incrementar o debate.

 

FOLHA - A partir de sua vivência nos EUA -desde 1978-, qual é sua opinião sobre os projetos de lei sobre sistema de cotas no Brasil?
LEOPOLDO BERNUCCI -
É muito difícil definir-se a favor ou contra, visto que são questões complexas e paradoxais. Acho que é importante ver o caso do Brasil em particular, que pode ser diferente da questão americana. Parece-me que as "ações afirmativas" aqui nos Estados Unidos não foram criticadas e foram bem aceitas pela sociedade. Claro que pode haver injustiça de mérito em um caso ou outro, mas me parecem casos isolados e esporádicos. Acho que no geral a sociedade sai ganhando com as cotas.
No caso do Brasil, as cotas são muito elevadas, e nos levam a um paradoxo de discriminação por exigir a catalogação das pessoas por raça, num país onde o catálogo não funciona muito bem. As críticas procedem quando acusam os projetos de colocarem uma camisa-de-força na política, exigindo que a pessoa se rotule para poder ter um benefício.
Pode ser um momento de consciência de identidade e etnia, o que é importante para a criação de uma auto-estima do indivíduo e do grupo, mas há o perigo de isso criar o preconceito contra pessoas que nunca nem sequer pensaram sobre a questão da raça. No final, ter cotas reservadas a pessoas menos favorecidas, mesmo havendo pontos que não funcionem muito bem, é um caso de justiça social, que tem que ser feito para redimir erros históricos. Isso não vai ficar gravado em pedra; depois de aplicada, a política pode ser revista, como ocorreu nos EUA.
Aqui as ações afirmativas criaram uma grande discussão acadêmica, mas acabaram politizadas, utilizadas por universidades que pleitearam mais verbas federais por conta das cotas, e o mesmo deve acontecer no Brasil.

FOLHA - Que mudanças deveriam ser feitas para tornar os projetos de lei menos paradoxais?
BERNUCCI -
É impossível que esse tema não seja paradoxal. Quando lidamos com raça, qualquer tipo de ação afirmativa é criticada com fundamento. A questão é minimizar as críticas e usar modelos que já existem e deram certo -não necessariamente apenas o dos EUA- para debater e montar uma proposta brasileira. Não há projeto perfeito.

FOLHA - Qual a importância da mobilização dos intelectuais, por meio dos manifestos?
BERNUCCI -
Esse tipo de participação ativa dos intelectuais no Brasil me parece uma coisa nova. Nos EUA, isso é bastante comum. Aqui os argumentos intelectuais são conduzidos por associações, que são muito fortes. A associação das universidades, por exemplo, ou a associação de línguas modernas, que conduzem as decisões para os políticos, dando aval e avaliando os projetos.

FOLHA - Essa mobilização dos intelectuais pode ser indício de um maior envolvimento com a coisa pública no Brasil?
BERNUCCI -
Espero que sim. Não vejo nenhum sinal de consolidação das instituições, mas seria muito importante que isso acontecesse. É uma responsabilidade social dos intelectuais, e eles não podem ficar à margem do debate político nem se colocar apenas como indivíduos; é preciso que se agrupem e opinem de forma mais forte e consensual.


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