São Paulo, domingo, 09 de agosto de 2009

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Ponto de Fuga

Cores do sul


Weingärtner pintou delicadas paisagens europeias e quadros de costumes; há também telas mitológicas e quadros em que a morte ronda, outros em que o bom humor atinge uma comicidade contagiosa


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Termina [hoje] em São Paulo, na Pinacoteca do Estado, a retrospectiva Pedro Weingärtner (1853-1929). Irá para o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e depois para o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, cidade natal do artista. A parceria entre essas instituições resultou excelente: a mostra é fundamentada, rigorosa e bonita de se ver.
Weingärtner pintou um tríptico estranho, cujo título é em francês: "La Faiseuse d'Anges", a fazedora de anjinhos. Obra complexa e bastante enigmática, de grande importância para a história da pintura brasileira. Foi estudada no catálogo por Vivian Paulitsch, em ramificações que vão do infanticídio ao aborto.
A mostra, organizada por Ruth Tarasantchi, revela um artista de qualidade muito alta. Weingärtner pintou delicadas paisagens europeias e quadros de costumes. Há também telas mitológicas, que se situam entre a frivolidade de Alma-Tadema [1836-1912] e a estranheza rude de Böcklin [1827-1901]; há quadros em que a morte ronda, outros em que o bom humor atinge uma comicidade contagiosa, como o inverossímil e caprichado "Jantar a Bordo do Regina Margherita", de 1896.
Em outros, a metáfora atinge um clima metafísico; assim "As Borboletas", de 1910, estupendo. Há retratos, mais irregulares, embora alguns sejam admiráveis, como o de sua mulher elegante, mas severa e desdenhosa, em 1918. Há as gravuras e os finos desenhos. Há, enfim, aqueles voltados para o Rio Grande do Sul: paisagens, matas derrubadas, cenas de imigração, episódios anedóticos: os pequenos personagens são por vezes representados com um curioso desajeitamento que não se nota no período europeu.

Lampejo
Bela surpresa, o livro de Antônio Dutra "Dias de Faulkner" [Imprensa Oficial de SP]. É bem escrito, em estilo forte, preciso e dominado, coisa rara na literatura brasileira de hoje. Abraça com convicção o seu tema, que é a passagem de Faulkner pelo Brasil, criando uma ficção mais verdadeira que qualquer relato.
É uma espécie de romance histórico, atualizado para o gosto de agora. "Dias de Faulkner" obteve o prêmio internacional Jovem Literatura Latino-Americana em 2008 e foi traduzido em francês.


Fita
"Jeune Fille" [Jovem Garota, publicado pela editora Gallimard] é um livro de Anne Wiazemsky, ou melhor, da princesa Anne Wiazemsky, descendente de uma família russa nobre e neta do grande escritor francês François Mauriac.
Atriz, ela foi descoberta por Bresson, trabalhou com Godard (de quem foi mulher) e Pasolini. Tornou-se escritora, capaz de frases transparentes e justas. Salvo erro, nenhum editor brasileiro propôs-se, até agora, a publicar algum título seu.
"Jeune Fille" data de 2007. Conta, com a força literária de um romance, um percurso de iniciação pessoal, autobiográfico: a metamorfose da jovem em adulta durante a filmagem de "A Grande Testemunha" ("Au Hasard Balthazar", 1966), de Bresson. Livro para quem ama o cinema; livro para quem ama a literatura.

Mirífico
A "Fantasia para Violoncelo e Orquestra", de Villa-Lobos, é pouco conhecida. César Franck [1822-90], hoje mal-amado, ou ignorado do público, compôs uma "Sinfonia em Ré", bem menos popular que a "Patética", de Tchaikovski, ou a "Nº 5", de Mahler. São bobas flutuações do gosto.
Talvez por causa desse programa, o público estivesse tão ralo no sábado, dia 1º, para o concerto da Sinfônica de Campinas, em Campinas mesmo. Quem não foi, perdeu uma interpretação comovente: ótima orquestra, inteligência e sensibilidades musicais. A direção foi do maestro suíço Karl Martin; o solista, Hugo Vargas Pilger.

jorgecoli@uol.com.br


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