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Ponto de Fuga
Novo olhar e velhas obras
Setores inteiros da produção artística outrora na sombra surgem
ao olhar atual do historiador
e de um público mais vasto; tudo é bom, tudo se tornou bom
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Ao desdém com que, havia alguns anos, as criações ditas acadêmicas
eram ignoradas se seguiram
atenção carinhosa e estudos
aprofundados. A mudança se
consumou. O museu D'Orsay,
instalado numa magnífica estação de trem de Paris, há 21
anos, tornou-se o núcleo internacional mais espetacular dessa reviravolta. Seu acervo recobre o período de 1848 a 1914.
A novidade maior do museu
D'Orsay foi misturar, com a
mesma evidência, vanguarda e
passadismo em arte. Revelou
assim redes intrincadas de relações que os recortes grosseiros feitos pela hegemonia moderna impediam de ver. Soube
desenvolver uma série de mostras que trouxeram à tona artistas franceses e internacionais de primeira grandeza:
Maurice Denis ou Eakins, Böcklin, Mehoffer ao lado de Manet, ou Munch e Mondrian.
A última dessas exposições
ocorreu no semestre passado.
Foi consagrada a um grande artista esquecido: Jules Bastien-Lepage (1848-84). Célebre no
seu tempo, Bastien-Lepage,
entre tantos outros, com o
tempo sofreu desprezo. Foi
percebido como um falso mestre que diluía seu realismo em
clichês de camponeses felizes.
Na verdade, é um notável
pintor de expressões inquietas,
de almas alucinadas. Em suas
paisagens, ricas de verdes admiráveis, inscrevem-se seres
humanos num estranho descompasso de atitudes.
Modas
A evolução da história da arte
lembra um vasto império que
alarga cada vez mais os seus domínios. Desde a recuperação do
barroco no fim do século 19 até,
mais recente, a da arquitetura
historicista e da pintura dita
acadêmica, passando pela reconsideração do maneirismo,
do art nouveau, do neoclassicismo, da pintura romântica,
setores inteiros da produção
artística outrora na sombra
surgem ao olhar atual do historiador e de um público mais
vasto. Tudo é bom, tudo se tornou bom. Os julgamentos exclusivos e gerais, selecionando
no passado as correntes capazes de nutrir o gosto moderno,
tornam-se cada vez menos eficazes e úteis.
As antigas posições críticas e
históricas, de Wölfflin a Francastel, foram marcadas por fortes inflexões formalistas, confessas ou disfarçadas. A elas se
enxertou um evolucionismo
que selecionava obras em nome do progresso artístico, caminhando na direção dos critérios modernos.
Açougue
Os critérios modernos eram
formais e teleológicos, acerados e exclusivos. Fora deles, nenhuma salvação. O progresso
para as convicções modernas se
satisfazia a si próprio. Proporcionava uma acentuada autonomia à história das formas em
relação à história da cultura e
punha de lado, no esquecimento (enquanto não-arte ou má
arte), tudo aquilo que não lhe
servia. No interior da produção
artística de uma época, constituía um organismo vivo a partir
de alguns artistas apenas.
O resto era carne morta.
Cruzamentos
A curiosidade, o interesse, os
estudos particulares, as mudanças de sensibilidade alargaram o campo de investigações e
destruíram a rigidez dessas atitudes. A complexidade das
obras esquecidas e reconsideradas trouxe a exigência de novos modos de abordagem, específicos, apropriados.
Busca-se agora, na arte, o que
a pode ligar -por interação, como agente, como resultado, como função- a outros setores,
da cultura, da sensibilidade, da
história, do tempo de hoje e do
tempo que a engendrou.
Não mais apenas pela distância que as obras tomam com
seu passado ou pela virtude que
teriam em anunciar um qualquer futuro.
jorgecoli@uol.com.br
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