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Buraco Negro
Ocidente ignora esforços da África para superar a pobreza e usa ajuda humanitária para ratificar estereótipos
Cris Bouroncle - 14.set.2004/France Presse
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Sudaneses fazem fila para receber água no campo de Krinding, que abriga refugiados da guerra civil no país |
UZODINMA IWEALA
No outono de 2006,
pouco após meu
retorno da Nigéria,
fui interpelado por
uma estudante loira e graciosa cujos olhos azuis
pareciam combinar com as
contas da pulseira "africana"
que usava. "Salve Darfur!", ela
gritava atrás de uma mesa recoberta de folhetos exortando
os estudantes a "agir já!", a
"acabar com o genocídio em
Darfur!" [área do Sudão onde a
guerra civil matou pelo menos
180 mil pessoas desde 2003].
Minha aversão a esses estudantes que se engajam incondicionalmente nas causas que estão na moda quase me levou a
dar meia-volta, mas o grito que
ela lançou em seguida me imobilizou. "Quer dizer que você
não quer nos ajudar a salvar a
África?", vociferou a garota.
Parece que, de algum tempo
para cá, oprimido pelo sentimento de culpa pela crise humanitária que provocou no
Oriente Médio, o Ocidente vem
se voltando para África para ali
buscar sua redenção.
Estudantes idealistas, celebridades como Bob Geldof
[músico e ativista] e políticos
como Tony Blair [ex-primeiro-ministro britânico] se atribuíram como missão levar a luz ao
continente negro.
Chegam de avião para passar
um período na África ou participar de uma missão de investigação ou, ainda, para adotar
uma criança -um pouco como
meus amigos e eu, em Nova
York, tomamos o metrô para ir
adotar um cachorro abandonado no canil municipal.
Geração sexy
É a nova imagem que o Ocidente quer adotar: uma geração
sexy e politicamente ativa cujo
método preferido para divulgar
sua mensagem é publicar
anúncios de página inteira em
jornais, com celebridades no
primeiro plano e pobres deserdados da África ao fundo.
Mas o que talvez ainda seja
mais interessante é a linguagem empregada para descrever
a África que se pretende salvar.
Por exemplo, a campanha
lançada pela organização Save
the Children (Salve as Crianças), intitulada "I Am African"
(sou africano), apresenta retratos de celebridades ocidentais,
em sua maioria brancas, com
"marcas tribais" pintadas no
rosto, sobre o slogan "sou africano" escrito em letras garrafais. Abaixo, em letras menores,
vê-se a frase: "Ajude-nos a frear
a hecatombe".
Por mais que sejam bem-intencionadas, essas campanhas
propagam o estereótipo de uma
África que seria um buraco negro de doença e morte.
Artigos e reportagens não param de falar de dirigentes africanos corruptos, senhores de
guerra, conflitos "tribais",
crianças exploradas, mulheres
maltratadas e vítimas de mutilação genital.
Tempos coloniais
A relação entre a África e o
Ocidente não é mais fundamentada em preconceitos
abertamente racistas, mas esses artigos lembram os tempos
do colonialismo europeu,
quando se enviavam missionários à África para nos levar educação, Jesus e a "civilização".
Todo africano, incluindo eu
mesmo, não pode deixar de se
alegrar com a ajuda que o mundo nos dá, mas isso não nos impede de perguntar a nós mesmos se essa ajuda é realmente
sincera ou se ela é dada com a
idéia de afirmar sua superioridade cultural.
Cada vez que uma estudante
-embora sincera- fala dos
moradores de aldeias que dançaram para ela para agradecer
sua ajuda, faço uma careta.
Cada vez que um diretor de
Hollywood produz um filme
sobre a África cujo herói é ocidental, eu faço "não" com a cabeça -porque os africanos,
apesar de sermos pessoas muito reais, não fazemos mais que
servir de validação da imagem
imaginária que o Ocidente tem
de si próprio.
E não apenas essas descrições tendem a ignorar o papel
às vezes essencial que o Ocidente desempenhou na gênese
de muitas situações deploráveis que afligem o continente
como elas também ignoram o
trabalho incrível que os próprios africanos fizeram e continuam a fazer para resolver esses problemas.
Dois anos atrás eu trabalhei
num campo de pessoas deslocadas na Nigéria, sobreviventes
de um levante que provocou a
morte de mil pessoas e o deslocamento de outras 200 mil.
Fiéis a seu hábito, os órgãos
de imprensa ocidentais falaram
longamente das violências, mas
não do trabalho humanitário
realizado pelas autoridades locais e nacionais em favor dos
sobreviventes -com muito
pouca ajuda internacional.
Funcionários sociais dedicaram seu tempo e, em muitos casos, doaram seus próprios salários para socorrer seus compatriotas. São eles que salvam a
África, e, como acontece com
muitos outros em todo o continente, seu trabalho não encontra reconhecimento nenhum
no exterior.
Em junho o grupo dos oito
países mais industrializados
reuniu-se na Alemanha com
várias celebridades para discutir, entre outros temas, como
salvar a África. Espero que antes da próxima cúpula do G8 o
mundo tenha finalmente compreendido que a África não
quer ser salva.
A África quer que o mundo
reconheça que, por meio de
parcerias eqüitativas com outros membros da comunidade
internacional, ela será capaz de
alcançar um crescimento inusitado, por conta própria.
UZODINMA IWEALA é escritor nigeriano, autor
de "Feras de Lugar Nenhum" (Nova Fronteira).
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain .
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