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MESTIÇO BELEZA
ELEIÇÃO DE BARACK OBAMA DEVE REPRESENTAR MUDANÇA DRÁSTICA
NO IMAGINÁRIO CULTURAL SOBRE OS EUA DENTRO E FORA DO PAÍS
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PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA
Na noite em que
Barack Obama foi
eleito, eu estava
numa festa no
Harlem [em Nova
York]. A festa era mista sob
um aspecto -os convidados
eram de todas as cores-, mas
uniforme sob outro: éramos
todos partidários de Obama.
Quando os resultados foram
anunciados, a reação de nosso
anfitrião, um americano branco, de meia-idade, do Tennessee, foi: "Recebi meu país de
volta!". Pela primeira vez em
oito anos ele pôde sentir orgulho de ser americano. Foi libertado do peso de uma vergonha, e, nesse sentido, seu imaginário cultural, e o de pessoas
como ele, foi transformado.
Por outro lado, a visão de
mundo ou o imaginário cultural de americanos de pequenas
cidades do interior, de cujos
contingentes são recrutados
muitos dos partidários de
John McCain e Sarah Palin
[republicanos], deve ter recebido um golpe duro com sua
derrota, obrigando essas pessoas a tomar consciência do
fato de que a maioria dos americanos -embora essa maioria
seja relativamente pequena-
não compartilha suas opiniões.
A maior mudança, evidentemente, deve se dar no imaginário cultural dos americanos
negros -uma mudança de
grande peso no horizonte de
suas expectativas.
No Harlem, depois do anúncio dos resultados da eleição, a
rua, até então quieta, onde
nossa festa estava acontecendo, foi iluminada por fogos de
artifício. Pessoas saíram às escadas de suas casas, gritando,
felizes, e aplaudindo para os
carros que passavam e que
respondiam buzinando.
No dia seguinte à eleição,
um repórter na TV contou a
história de um garoto afro-americano ambicioso que tinha dito a seus pais que, quando crescesse, queria candidatar-se a uma vaga no Congresso.
No dia 4 de novembro ele
mudou de idéia e disse a seus
pais que queria candidatar-se
a presidente.
Nação preparada
Vinte anos atrás, quando o
pastor Jesse Jackson tentou
pela segunda vez obter a indicação a candidato presidencial
pelo Partido Democrata, algumas pessoas comentaram que
"o país ainda não estava preparado" para um candidato afro-americano.
Agora, ficou claro que está.
Numa cultura em que as pessoas admiram os "vencedores"
e desprezam os "perdedores",
a vitória de Obama tem conseqüências culturais ainda maiores do que poderia ter em outros lugares -embora a imagem vista na TV americana de
quenianos comemorando a
eleição de um "deles" foi um
lembrete vívido do impacto
global deste acontecimento.
Mesmo assim, para um observador de fora, seja ele inglês
ou brasileiro, pode muito bem
parecer que a eleição de Obama não teve -ou ainda não teve- as conseqüências culturais que se poderiam prever.
Desse ponto de vista, o fato
significativo é que Obama não
é "negro", como os norte-americano o descrevem, mas mulato. Ele tem familiares brancos, além de negros.
Sua conhecida política de
procurar reconciliar pontos de
vista opostos -expressa na
noite da eleição em seu apelo a
McCain para unir-se a ele para
fazer frente à crise da América- com certeza é reforçada
por suas origens mistas e pode
até ter sua origem nelas.
A posição de Obama de chefe
de Estado também contesta a
percepção tradicional dos
EUA como sendo divididos em
duas partes, uma branca e uma
negra. Se sua eleição puder
ajudar a dissolver essa percepção, será a maior transformação de todas no imaginário cultural dos norte-americanos.
PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O
Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Escreve
na seção "Autores", do Mais! .
Tradução de Clara Allain.
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