São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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MESTIÇO BELEZA


ELEIÇÃO DE BARACK OBAMA DEVE REPRESENTAR MUDANÇA DRÁSTICA NO IMAGINÁRIO CULTURAL SOBRE OS EUA DENTRO E FORA DO PAÍS

PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA

Na noite em que Barack Obama foi eleito, eu estava numa festa no Harlem [em Nova York]. A festa era mista sob um aspecto -os convidados eram de todas as cores-, mas uniforme sob outro: éramos todos partidários de Obama.
Quando os resultados foram anunciados, a reação de nosso anfitrião, um americano branco, de meia-idade, do Tennessee, foi: "Recebi meu país de volta!". Pela primeira vez em oito anos ele pôde sentir orgulho de ser americano. Foi libertado do peso de uma vergonha, e, nesse sentido, seu imaginário cultural, e o de pessoas como ele, foi transformado.
Por outro lado, a visão de mundo ou o imaginário cultural de americanos de pequenas cidades do interior, de cujos contingentes são recrutados muitos dos partidários de John McCain e Sarah Palin [republicanos], deve ter recebido um golpe duro com sua derrota, obrigando essas pessoas a tomar consciência do fato de que a maioria dos americanos -embora essa maioria seja relativamente pequena- não compartilha suas opiniões.
A maior mudança, evidentemente, deve se dar no imaginário cultural dos americanos negros -uma mudança de grande peso no horizonte de suas expectativas.
No Harlem, depois do anúncio dos resultados da eleição, a rua, até então quieta, onde nossa festa estava acontecendo, foi iluminada por fogos de artifício. Pessoas saíram às escadas de suas casas, gritando, felizes, e aplaudindo para os carros que passavam e que respondiam buzinando.
No dia seguinte à eleição, um repórter na TV contou a história de um garoto afro-americano ambicioso que tinha dito a seus pais que, quando crescesse, queria candidatar-se a uma vaga no Congresso. No dia 4 de novembro ele mudou de idéia e disse a seus pais que queria candidatar-se a presidente.

Nação preparada
Vinte anos atrás, quando o pastor Jesse Jackson tentou pela segunda vez obter a indicação a candidato presidencial pelo Partido Democrata, algumas pessoas comentaram que "o país ainda não estava preparado" para um candidato afro-americano.
Agora, ficou claro que está. Numa cultura em que as pessoas admiram os "vencedores" e desprezam os "perdedores", a vitória de Obama tem conseqüências culturais ainda maiores do que poderia ter em outros lugares -embora a imagem vista na TV americana de quenianos comemorando a eleição de um "deles" foi um lembrete vívido do impacto global deste acontecimento.
Mesmo assim, para um observador de fora, seja ele inglês ou brasileiro, pode muito bem parecer que a eleição de Obama não teve -ou ainda não teve- as conseqüências culturais que se poderiam prever.
Desse ponto de vista, o fato significativo é que Obama não é "negro", como os norte-americano o descrevem, mas mulato. Ele tem familiares brancos, além de negros.
Sua conhecida política de procurar reconciliar pontos de vista opostos -expressa na noite da eleição em seu apelo a McCain para unir-se a ele para fazer frente à crise da América- com certeza é reforçada por suas origens mistas e pode até ter sua origem nelas.
A posição de Obama de chefe de Estado também contesta a percepção tradicional dos EUA como sendo divididos em duas partes, uma branca e uma negra. Se sua eleição puder ajudar a dissolver essa percepção, será a maior transformação de todas no imaginário cultural dos norte-americanos.

PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Escreve na seção "Autores", do Mais! .
Tradução de Clara Allain.



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