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AINDA POTÊNCIA
PARA O FILÓSOFO ALEMÃO JÜRGEN HABERMAS,
FUTURO POLÍTICO DO PLANETA DEPENDERÁ DA POSIÇÃO QUE OS EUA ADOTAREM NOS PRÓXIMOS ANOS
O novo
presidente precisa se impor
contra as elites dependentes
de Wall Street
e se afastar
dos reflexos
de um novo
protecionismo
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THOMAS ASSHEUER
Um dos mais importantes filósofos vivos, o alemão Jürgen Habermas fala
nesta entrevista
sobre os efeitos da atual crise
financeira sobre o futuro dos
Estados nacionais.
Para ele, as mudanças que o
sistema político mundial sofrerá nos próximos anos irá depender necessariamente das
posições que os EUA -e seu
novo presidente- irão adotar.
Habermas defende que os
EUA, mesmo enfraquecidos,
ainda permanecerão como a
superpotência liberal.
PERGUNTA - O sr. deve estar decepcionado com os EUA, que, em sua
opinião, foram o cavalo de tração da
nova ordem mundial.
JÜRGEN HABERMAS - O que nos
resta a não ser apostar nesse cavalo de tração? Os Estados Unidos sairão enfraquecidos da dupla crise atual. Mas permanecerão por enquanto a superpotência liberal.
A exportação mundial da
própria forma de vida correspondeu ao universalismo falso,
centralizado, dos velhos ricos.
Em contraposição, a modernidade se alimenta do universalismo descentralizado do respeito igual por cada um.
É do próprio interesse dos
EUA não somente deixar de lado seu posicionamento contraproducente em relação à ONU,
mas também colocar-se no topo do movimento reformista.
Do ponto de vista histórico, a
combinação de quatro fatores
oferece uma constelação extraordinária: superpotência,
mais antiga democracia na terra, a posse de um presidente liberal e visionário e uma cultura
política na qual orientações
normativas encontram um notável solo de ressonância.
Os EUA sentem-se hoje profundamente inseguros devido
ao fracasso da aventura unilateral, à autodestruição do neoliberalismo e também ao mau
uso de uma consciência de excepcionalidade.
Por que essa nação não poderia, como fez com tanta freqüência, recompor-se de novo
e tentar integrar a tempo as
grandes potências concorrentes de hoje -e potências mundiais de amanhã- em uma ordem internacional que prescinda de uma superpotência?
Por que um presidente -que,
saído de uma eleição decisiva,
irá encontrar somente um espaço mínimo de ação- não desejaria, pelo menos na política
externa, agarrar essa oportunidade razoável, essa oportunidade da razão?
PERGUNTA - Falando assim, o sr.
não arrancaria mais do que um riso
cansado dos chamados "realistas"...
HABERMAS - O novo presidente
americano precisa se impor
contra as elites dependentes de
Wall Street no próprio partido;
ele também deveria ser afastado dos reflexos evidentes de
um novo protecionismo.
E os EUA precisariam, para
uma meia-volta tão radical, do
impulso amigável de um aliado
leal, mas autoconsciente. Só
pode existir um Ocidente "bipolar", no sentido criativo, se a
União Européia aprender a falar para fora com uma só voz.
Em épocas de crise, talvez seja necessária uma perspectiva
que tenha um alcance mais longo do que o conselho do
"mainstream" embonecado do
sucesso a qualquer custo.
PERGUNTA - O sistema financeiro
internacional entrou em colapso, e
há a ameaça de uma crise econômica mundial. O que mais o inquieta?
HABERMAS - O que mais me inquieta é a injustiça social, que
consiste no fato de que os custos socializados oriundos da
pane do sistema atingem da
forma mais dura os grupos sociais mais vulneráveis.
Assim, solicita-se da massa
composta por aqueles que, de
qualquer modo, não pertencem
aos que lucram com a globalização que ela de novo pague pelas
conseqüências, em termos da
economia real, de uma falha
funcional previsível do sistema
financeiro.
Também em escala mundial,
esse destino punitivo efetua-se
nos países mais fracos economicamente. Esse é o escândalo
político.
Mas apontar agora bodes expiatórios, isso, sem dúvida,
considero hipocrisia. Também
os especuladores comportaram-se de forma conseqüente,
nos limites da lei, de acordo
com a lógica, aceita socialmente, da maximização dos ganhos.
A política se torna ridícula
quando moraliza, em vez de se
apoiar no direito coativo do legislador democrático. Ela, e
não o capitalismo, é responsável pela orientação voltada ao
bem comum.
PERGUNTA - Para os neoliberais, o
Estado é somente um parceiro no
campo econômico e precisa se apequenar. Agora esse pensamento
não tem mais crédito?
HABERMAS - Isso dependerá do
desenrolar da crise, da capacidade de percepção, por parte
dos partidos políticos, dos temas públicos.
PERGUNTA - Por que o bem-estar é
hoje distribuído de forma tão desigual? O fim da ameaça comunista
desinibiu o capitalismo ocidental?
HABERMAS - O capitalismo contido no âmbito dos Estados nacionais, cercado por políticas
econômicas keynesianas, marcado por um bem-estar incomparável -do ponto de vista histórico-, já havia acabado logo
após o abandono do câmbio fixo e do choque do petróleo.
De fato, a ruína da União Soviética desencadeou um triunfalismo fatal no Ocidente. A
sensação de ter razão, em termos da história mundial, tem
um efeito sedutor. Neste caso,
inchou uma doutrina político-econômica e a tornou uma visão de mundo que penetra em
todas as esferas da vida.
PERGUNTA - De que o mundo sentiu falta depois de 1989? O capital
simplesmente se tornou poderoso
demais diante da política?
HABERMAS - Ficou claro para
mim, ao longo dos anos 1990,
que as capacidades políticas de
ação precisavam crescer atrás
dos mercados, no plano supranacional. À globalização econômica deveria ter seguido uma
coordenação política mundial e
a legitimação adicional das relações internacionais.
Mas as primeiras peças adicionais já ficaram atoladas no
governo de Bill Clinton.
Desde o início da modernidade, o mercado e a política sempre precisaram se contrabalançar de forma que a rede de relações solidárias entre os membros de uma comunidade política não se rompesse. Uma tensão entre capitalismo e democracia sempre existe porque
mercado e política repousam
sobre princípios opostos.
PERGUNTA - Mas o sr. insiste no
cosmopolitismo de Kant e acolhe a
idéia de uma política interna mundial, introduzida por Carl Friedrich
von Weizsäcker. Isso soa bastante
ilusório -basta que se observe o estado atual das Nações Unidas.
HABERMAS - Mesmo uma reforma basilar das instituições centrais das Nações Unidas não seria suficiente. De fato, o Conselho de Segurança, o Secretariado, as cortes de Justiça precisariam urgentemente entrar em
forma para uma imposição global dos direitos humanos e da
proibição da violência -em si
já uma tarefa imensa.
Nesse plano transnacional,
há problemas de distribuição
que não podem ser decididos
do mesmo modo que infrações
contra os direitos humanos ou
violações de segurança internacional, mas precisam ser negociados de forma política.
PERGUNTA - Mas para isso já existe
uma organização experimentada,
que é o G-8.
HABERMAS - Isso é um clube exclusivo, no qual algumas dessas
questões são discutidas de forma descomprometida.
Entre as expectativas exageradas que se ligam a essas encenações e o resultado medíocre
do espetáculo midiático sem
conseqüências, existe uma desproporção traiçoeira.
PERGUNTA - O discurso sobre a "política interna mundial" soa antes como os sonhos de um vidente.
HABERMAS - Ainda ontem a
maioria consideraria não realista aquilo que ocorre hoje: os
governos europeus e asiáticos
superam-se mutuamente em
sugestões de regulamentações
em vista da institucionalização
insuficiente dos mercados financeiros.
PERGUNTA - Mesmo que novas
competências fossem atribuídas ao
Fundo Monetário Internacional, isso
ainda não seria uma política interna
mundial.
HABERMAS - Não quero fazer
previsões; em vista dos problemas atuais, o que podemos fazer, na melhor das hipóteses,
são considerações construtivas. Os Estados nacionais deveriam, de forma crescente e, com
efeito, em seu próprio interesse, se perceber membros da comunidade internacional.
Quando hoje falamos de "política", estamos amiúde falando
da ação de governos que herdaram uma autoconcepção como
atores coletivos, que decidem
de forma soberana.
Mas essa autoconcepção de
um Leviatã, que, desde o século
17, se desenvolveu junto com o
sistema de Estados europeu,
hoje já não é mais vigorosa. O
que chamávamos ontem de
"política" muda diariamente
seu estado.
PERGUNTA - Mas como isso se coaduna com o darwinismo social, que,
como o sr. diz, se expande novamente na política internacional desde o 11 de Setembro?
HABERMAS - Talvez se devesse
dar um passo atrás e observar
uma conjuntura maior. Desde o
final do século 18, o direito e a
lei permearam o poder do governo, constituído politicamente, e lhe negaram, na circulação interior, o caráter substancial de um simples "poder".
Mas ele guardou para si uma
quantidade suficiente dessa
substância, apesar da rede de
organizações internacionais e
da força de coesão crescente do
direito internacional. Ainda assim, o conceito de "político",
cunhado no âmbito do Estado
nacional, está se liquefazendo.
Na União Européia, por
exemplo, os Estados-membros,
no passado e no presente, guardam o monopólio da força e
também transpõem, mais ou
menos sem reclamações, o direito que é determinado na esfera supranacional.
Essa mudança de forma do
direito e da política também se
relaciona a uma dinâmica capitalista que pode ser descrita como interação entre abertura
forçada funcionalmente e fechamento sociointegrativo em
níveis cada vez mais elevados.
PERGUNTA - O mercado arromba a
sociedade, e o Estado social a fecha
novamente?
HABERMAS - O Estado social é
uma proeza tardia e frágil. Os
mercados e as redes de comunicação sempre em expansão já
tiveram uma força de arrombamento, que, para o cidadão individual, é, ao mesmo tempo,
individualizante e libertadora.
A isso, porém, sempre seguiu
uma reorganização das velhas
relações de solidariedade numa
moldura institucional expandida. Esse processo iniciou-se no
início da modernidade, quando
os estamentos dirigentes da Alta Idade Média se tornaram,
passo a passo, parlamentares
-como na Inglaterra- ou foram subjugados por reis absolutistas -como na França.
Essa domesticação jurídica
do Leviatã e do antagonismo
entre as classes não foi simples.
Mas, pelas mesmas razões, a
bem-sucedida constitucionalização do Estado e da sociedade
aponta hoje, após um surto de
globalização econômica, para
uma constitucionalização do
direito internacional e da esfacelada sociedade mundial.
A íntegra desta entrevista saiu no "Die Zeit".
Tradução de Erika Werner.
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