São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001 |
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+ autores Peter Burke Uma história social do lixo
Tudo tem uma história. O clima, os
sonhos, ideais de limpeza e formas de sociabilidade, por exemplo, tudo muda ao longo dos séculos, e essas mudanças podem ser mais
bem compreendidas quando as relacionamos com o que acontecia na mesma
época. Dois importantes historiadores
do século 20, Gilberto Freyre e Fernand
Braudel, dedicaram grande energia ao
estudo da história social dos alimentos,
das roupas e dos móveis, procurando o
que Freyre chamou de "pormenores significativos".
Levando sua discussão um pouco mais
adiante, eu gostaria de afirmar que até o
lixo tem uma história. Em primeiro lugar, o que é considerado lixo varia entre
uma cultura e outra. O lixo, assim como
a sujeira, é simplesmente material no lugar errado. O que se considera lixo é uma
espécie de indicador que revela os valores de determinada cultura. Na China
tradicional, por exemplo, todo pedaço
de papel com algo escrito era considerado valioso. Não deveria ser jogado fora,
mas podia ser queimado com ritual e
respeito.
Ameaça à segurança Na cidade relativamente pequena de Angers, por exemplo, pouco antes de o rei Luís 11 da França fazer uma visita oficial foram retiradas nada menos que 109 carroças de dejetos, o que nos permite imaginar a aparência do lugar antes disso. Em Bordeaux, as pilhas de refugos fora dos portões da cidade eram tão altas que foram consideradas um perigo para a saúde e a segurança, já que ofereciam uma maneira de escalar as muralhas. Segundo Lewis Mumford, que passou a vida estudando as cidades, os padrões de higiene urbana, incluindo a coleta de lixo, eram relativamente altos na Idade Média, declinando depois do ano de 1500 e ainda mais rapidamente após 1800, com a ascensão das primeiras cidades industriais. Em Manchester, no início do século 19, por exemplo, uma aldeia que havia rapidamente se expandido numa cidade fabril, não havia nenhuma orientação para dispor dos dejetos humanos ou industriais. A Manchester do século 19 é um símbolo adequado do capitalismo desregulamentado, da necessidade de lucrar sem se importar com as consequências. No entanto algumas pessoas perceberam que até o lixo poderia gerar lucros. Na Roma do século 18 os proprietários de lojas pagavam pelo serviço de limpeza das ruas, e o empresário recebia dos camponeses para os quais vendia dejetos humanos e animais como adubo. Na Paris no século 19, uma companhia limitada, a Compagnie Parisienne des Vidanges, executava um serviço semelhante. Nas fábricas de carros de Detroit, em meados do século 20, a empresa coletava o papel em que os trabalhadores embrulhavam seus sanduíches, já que tanto lixo desse tipo se acumulava diariamente na fábrica que se tornava rentável vendê-lo para reciclagem. Algumas idéias que consideramos claramente modernas e inspiradas pela preocupação com o ambiente têm uma história mais longa e um motivo diferente. A idéia de colocar três recipientes na rua para conter diferentes tipos de lixo foi apresentada em Paris em 1767 e novamente em Nova York em 1895. A idéia não foi adotada, mas comercialmente tinha sentido. Afinal, lixo é simplesmente material no lugar errado. Peter Burke é historiador inglês, autor de "Variedades de História Cultural" (ed. Civilização Brasileira) e "O Renascimento Italiano" (ed. Nova Alexandria), entre outros. Ele escreve regularmente na seção "Autores", do Mais!. Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: + brasil 502 d.C. - José Arthur Giannotti: Os intermediários da arte Índice |
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