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"Um dia a vida será mais justa"
Em entrevista à Folha, Niemeyer critica o exibicionismo das construções atuais, diz admirar as obras de Frank O. Gehry e Santiago Calatrava e defende o terceiro mandato para o presidente Lula
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
U
ma permanência
do presidente
Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) no
poder em um
terceiro mandato foi defendida pelo arquiteto Oscar
Niemeyer em entrevista concedida à Folha por e-mail.
Para ele, Lula deve continuar
porque governa "a favor do
povo" e "contra o intervencionismo norte-americano".
Com brevidade, o arquiteto faz o que chama de "balanço realista" de seus cem anos.
Diz preferir não "falar da vida
com o desprezo que ela merece", mas, por outro lado, cita o "futuro sem solução que
o destino nos impõe".
Mas demonstra otimismo
com a possibilidade de uma
vida "mais justa", quando,
"com especial prazer", um cidadão "procurará ajudar o
outro".
Para o arquiteto, as populações de Venezuela e Bolívia
têm sentido nos governantes
Hugo Chávez e Evo Morales,
respectivamente, disposição
para combater as "injustificáveis" pobreza e discriminação.
Assim, não crê na hipótese
de virem a ser derrotados.
Sobre a arquitetura de hoje, Niemeyer revelou-se espantado, negativamente,
com "um certo gosto de exibição de materiais construtivos mais caros".
Evitou comentar o trabalho de contemporâneos de
renome como o norte-americano Frank O. Gehry e o espanhol Santiago Calatrava, a
quem disse admirar.
FOLHA - O sr. imaginava que
chegaria aos cem anos? Quais as
vantagens e desvantagens de viver tanto tempo?
OSCAR NIEMEYER - Não. Meu
balanço dessa trajetória é
realista. Não sou pessimista,
mas sim realista. Não quero
me fazer incômodo e falar da
vida com o desprezo que ela
merece.
Lembrar a miséria, a violência, que crescem por toda
parte, e esse futuro sem solução que o destino nos impõe.
Prefiro pensar que um dia a
vida será mais justa, que os
homens não se olharão a procurar defeitos uns nos outros,
como tantas vezes acontece.
Que, ao contrário, haverá
sempre a idéia de que em todos há um lado bom, uma dada qualidade a destacar (Lênin dizia que 10% de qualidades já seriam suficientes).
Nesse dia, será com prazer
que um procurará ajudar o
outro. É a solidariedade
-que ainda não existe, de um
modo geral- a prevalecer.
FOLHA - Em que o Brasil de hoje
difere daquele que o sr. imaginava quando tinha, digamos, 30
anos?
NIEMEYER - Trata-se de um
Brasil que talvez esteja mais
consciente da urgência de se
combaterem, com maior vigor, as mais graves disparidades sociais.
FOLHA - Que opinião o sr. tem a
respeito da arquitetura moderna
de profissionais como Frank O.
Gehry e Santiago Calatrava?
NIEMEYER - É claro que admiro o talento desses colegas.
Evito julgar os trabalhos de
outros arquitetos.
Cada um tem a sua arquitetura -deve fazer sempre o
que gosta, e não aquilo que os
outros gostariam que fizesse.
FOLHA - O que o surpreende na
arquitetura hoje?
NIEMEYER - O que me espanta,
isso em termos negativos, é
um certo gosto de exibição de
materiais construtivos mais
caros.
FOLHA - Qual projeto o sr. considera que seja o melhor de sua autoria?
NIEMEYER - Não sei... Todos os
meus projetos foram feitos
com o maior interesse. Mas o
projeto que estou desenhando para Avilés [Centro Cultural Oscar Niemeyer, na Espanha], talvez seja um dos que
mais me agradam.
FOLHA - Que avaliação faz da
possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva? O sr. é favorável à
tese?
NIEMEYER - Eu sou, porque o
governo dele tem se mostrado a favor do povo, contra a
miséria, a violência e, principalmente, contra o intervencionismo norte-americano
neste país.
FOLHA - Os governos de Chávez
e Morales têm sido questionados
internamente. O primeiro acaba
de sofrer sua primeira grande derrota em nove anos, e Morales enfrentou grandes protestos nas
ruas. São chamados de populistas
e combatidos pelas camadas sociais mais abastadas. O sr. acredita na possibilidade de derrocada
desse tipo de administração no
continente, mesmo respaldada
pela maioria da população?
NIEMEYER - Acho difícil que
isso ocorra, porque nesses
países o povo vem sentindo
que pode ser mais apoiado
contra essa pobreza e essa
discriminação injustificáveis
que o capitalismo espalhou
por toda parte.
FOLHA - Já temos presidentes do
sexo feminino no Chile e na Argentina. Nos EUA, Hillary Clinton
está cotada para a Presidência. No
Brasil, Dilma Rousseff é citada como possível candidata à sucessão
de Lula. O que o sr. acha da presença cada vez maior da mulher
em cargos do Executivo?
NIEMEYER - Julgo perfeitamente natural e justo que a
mulher esteja à frente de
qualquer governo. Não deve
haver nenhum tipo de discriminação.
FOLHA - Além de arquiteto, o sr.
é escritor e escultor. De que mais
gosta na literatura e nas artes
plásticas da atualidade?
NIEMEYER - Na literatura, é o
predomínio de uma linguagem simples, quase oral.
Já nas artes plásticas... O
que deve caracterizar uma
obra de arte é o espanto, a
emoção que ela provoca, e isso eu encontro em muitos artistas contemporâneos.
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