São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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"Um dia a vida será mais justa"

Em entrevista à Folha, Niemeyer critica o exibicionismo das construções atuais, diz admirar as obras de Frank O. Gehry e Santiago Calatrava e defende o terceiro mandato para o presidente Lula

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

U ma permanência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no poder em um terceiro mandato foi defendida pelo arquiteto Oscar Niemeyer em entrevista concedida à Folha por e-mail. Para ele, Lula deve continuar porque governa "a favor do povo" e "contra o intervencionismo norte-americano".
Com brevidade, o arquiteto faz o que chama de "balanço realista" de seus cem anos. Diz preferir não "falar da vida com o desprezo que ela merece", mas, por outro lado, cita o "futuro sem solução que o destino nos impõe". Mas demonstra otimismo com a possibilidade de uma vida "mais justa", quando, "com especial prazer", um cidadão "procurará ajudar o outro".
Para o arquiteto, as populações de Venezuela e Bolívia têm sentido nos governantes Hugo Chávez e Evo Morales, respectivamente, disposição para combater as "injustificáveis" pobreza e discriminação. Assim, não crê na hipótese de virem a ser derrotados.
Sobre a arquitetura de hoje, Niemeyer revelou-se espantado, negativamente, com "um certo gosto de exibição de materiais construtivos mais caros". Evitou comentar o trabalho de contemporâneos de renome como o norte-americano Frank O. Gehry e o espanhol Santiago Calatrava, a quem disse admirar.

 

FOLHA - O sr. imaginava que chegaria aos cem anos? Quais as vantagens e desvantagens de viver tanto tempo?
OSCAR NIEMEYER -
Não. Meu balanço dessa trajetória é realista. Não sou pessimista, mas sim realista. Não quero me fazer incômodo e falar da vida com o desprezo que ela merece.
Lembrar a miséria, a violência, que crescem por toda parte, e esse futuro sem solução que o destino nos impõe. Prefiro pensar que um dia a vida será mais justa, que os homens não se olharão a procurar defeitos uns nos outros, como tantas vezes acontece. Que, ao contrário, haverá sempre a idéia de que em todos há um lado bom, uma dada qualidade a destacar (Lênin dizia que 10% de qualidades já seriam suficientes).
Nesse dia, será com prazer que um procurará ajudar o outro. É a solidariedade -que ainda não existe, de um modo geral- a prevalecer.

FOLHA - Em que o Brasil de hoje difere daquele que o sr. imaginava quando tinha, digamos, 30 anos?
NIEMEYER -
Trata-se de um Brasil que talvez esteja mais consciente da urgência de se combaterem, com maior vigor, as mais graves disparidades sociais.

FOLHA - Que opinião o sr. tem a respeito da arquitetura moderna de profissionais como Frank O. Gehry e Santiago Calatrava?
NIEMEYER -
É claro que admiro o talento desses colegas. Evito julgar os trabalhos de outros arquitetos. Cada um tem a sua arquitetura -deve fazer sempre o que gosta, e não aquilo que os outros gostariam que fizesse.

FOLHA - O que o surpreende na arquitetura hoje?
NIEMEYER -
O que me espanta, isso em termos negativos, é um certo gosto de exibição de materiais construtivos mais caros.

FOLHA - Qual projeto o sr. considera que seja o melhor de sua autoria?
NIEMEYER -
Não sei... Todos os meus projetos foram feitos com o maior interesse. Mas o projeto que estou desenhando para Avilés [Centro Cultural Oscar Niemeyer, na Espanha], talvez seja um dos que mais me agradam.

FOLHA - Que avaliação faz da possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? O sr. é favorável à tese?
NIEMEYER -
Eu sou, porque o governo dele tem se mostrado a favor do povo, contra a miséria, a violência e, principalmente, contra o intervencionismo norte-americano neste país.

FOLHA - Os governos de Chávez e Morales têm sido questionados internamente. O primeiro acaba de sofrer sua primeira grande derrota em nove anos, e Morales enfrentou grandes protestos nas ruas. São chamados de populistas e combatidos pelas camadas sociais mais abastadas. O sr. acredita na possibilidade de derrocada desse tipo de administração no continente, mesmo respaldada pela maioria da população?
NIEMEYER -
Acho difícil que isso ocorra, porque nesses países o povo vem sentindo que pode ser mais apoiado contra essa pobreza e essa discriminação injustificáveis que o capitalismo espalhou por toda parte.

FOLHA - Já temos presidentes do sexo feminino no Chile e na Argentina. Nos EUA, Hillary Clinton está cotada para a Presidência. No Brasil, Dilma Rousseff é citada como possível candidata à sucessão de Lula. O que o sr. acha da presença cada vez maior da mulher em cargos do Executivo?
NIEMEYER -
Julgo perfeitamente natural e justo que a mulher esteja à frente de qualquer governo. Não deve haver nenhum tipo de discriminação.

FOLHA - Além de arquiteto, o sr. é escritor e escultor. De que mais gosta na literatura e nas artes plásticas da atualidade?
NIEMEYER -
Na literatura, é o predomínio de uma linguagem simples, quase oral.
Já nas artes plásticas... O que deve caracterizar uma obra de arte é o espanto, a emoção que ela provoca, e isso eu encontro em muitos artistas contemporâneos.


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