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Ponto de Fuga
No fundo da mina
"Duas Senhoras" é um filme divertido. Seu humanismo, feminino, doméstico, traz uma centelha de otimismo diante das loucuras violentas e coletivas
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Todo mundo, ou quase, foi
ver "Avatar", de James Cameron.
Quem não foi, ainda irá. Ou,
então, não vai porque não gostou já antes de ir, crente de que
tudo o que Hollywood faz é um
lixo artístico e ideológico, muito abaixo de qualquer inteligência que se tenha a si mesma
em alta estima.
De qualquer jeito, "Avatar" é
um forte acontecimento cinematográfico. Que tenha sido
possível investir tanto dinheiro
para criar esse belo sonho em
3D e que tanta gente tenha se
disposto a ir vê-lo consola um
pouco num mundo que não
oferece tantos momentos assim de prazer pleno.
Mas ninguém, ou quase, foi
ver "Duas Senhoras", de Philippe Faucon, pela boa razão de
que ele foi lançado comercialmente nestas semanas da virada do ano, tão ingratas para o
público, e numa única sala, a do
Cinesesc, em São Paulo.
Nos antípodas das superproduções e blockbusters, "Duas
Senhoras" é um filme curto [73
min.], de baixíssimo orçamento, sem trucagem alguma e com
atores não profissionais.
Não tem ação, por assim dizer. Uma das senhoras cuida da
outra, imobilizada numa cadeira de rodas. Esse dado simples
se complica com o fato de que
uma é muçulmana e a outra é
judia, e que suas origens deveriam opor uma à outra.
Ocorre que as duas moram
na França, mas vieram da Argélia; o passado no mesmo país,
antes da fratura provocada pela
guerra, cria cumplicidades entre elas.
A senhora judia, paralítica, é
pesada. Isso impõe o contato físico, a conivência de gestualidade feminina, que transborda
para a afinidade dos sentimentos, fazendo crenças e convicções políticas passarem para o
segundo plano.
Touch
Cineasta delicado, Philippe
Faucon aproxima-se com pudor de seus personagens. Sabe,
no entanto, captar as energias,
estridentes ou apaziguadas,
que os atravessam.
"Duas Senhoras" é um filme
divertido. Seu humanismo, feminino, doméstico, traz uma
centelha de otimismo diante
das loucuras violentas e coletivas. Philippe Faucon é também
o autor de "A Traição" [2005],
notável filme sobre a guerra da
Argélia [1954-62], no qual certezas e desconfianças se entretecem em angústias crescentes.
Salvo erro, "A Traição" só foi
exibido no Brasil em festivais e
algumas mostras.
Toca
"É um desenho animado,
mas não para crianças", avisa a
bilheteira amável. Cuidado excessivo: "O Fantástico Sr. Raposo", de Wes Anderson, a partir do livro escrito por Roald
Dahl, celebra a vida como sobrevivência, graças à sua fantasia inteligente e maluca.
Matreiro e autocentrado como o Ulisses da "Odisseia", o Sr.
Raposo é ácido, elegante, sofisticado. Fala com o timbre de
George Clooney; sua mulher,
adorável, tem a voz de Meryl
Streep.
O rato, vilão asqueroso, foi
dublado por Willem Dafoe.
Quando morre, sua oração fúnebre dá o tom irônico e muito
fino dos diálogos: "Redenção?
Decerto. Mas no fim, ele é apenas outro rato morto numa lixeira ao lado de um restaurante
chinês".
Pepita
"Quanto Dura o Amor?", filme de Roberto Moreira, circula
discretamente por algumas salas. É mais desigual que o precedente "Contra Todos"
[2003], do mesmo diretor, cujo
sentido trágico impunha uma
unidade poderosa.
Desenha vidas em contraponto, e algumas são mais privilegiadas que outras.
Não importa. O filme se tinge
sempre de solidão, melancólica, verdadeira, mesmo nos momentos cômicos. Os atores, notáveis, são dirigidos por mão de
mestre. A câmera extrai de São
Paulo a poesia urbana que lhe é
própria e a cidade se torna um
meio orgânico no qual os personagens se desencontram.
jorgecoli@uol.com.br
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