|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RISCO DEMOCRÁTICO
10 de abril de 2009
Caro Steven,
Concordo que um novo modelo de noticiário e controvérsia
pública está emergindo on-line e que
sob alguns aspectos, especialmente a gama de opiniões que
abrange, o ambiente on-line
apresenta vantagens em relação ao mundo tradicional do
jornalismo impresso.
Mas a realidade é que os recursos para fazer jornalismo
nos EUA, especialmente nos
níveis metropolitano e regional, estão desaparecendo mais
rapidamente do que as novas
mídias conseguem gerá-los.
Você emprega a metáfora de
um "ecossistema", e é um conceito reconfortante: à medida
que morrem as formas de vida
velhas, nascem outras novas.
Mas você está tomando algumas árvores por uma floresta.
Além disso, a própria metáfora orgânica induz ao engano.
As mídias não se desenvolvem
naturalmente. Elas se desenvolvem historicamente, e as
forças que regem seu desenvolvimento são sobretudo políticas e econômicas.
A maioria das sociedades,
mesmo aquelas que têm uma
imprensa nacional livre, não
possui a abundância de mídia
metropolitana que historicamente caracteriza os EUA.
A imprensa no Reino Unido
e na França, por exemplo, é
muito mais concentrada no nível nacional.
Mas nos EUA, da fundação
da República ao século 19, a política governamental subsidiou
a ascensão de jornais locais.
Esses jornais, por sua vez,
exerceram papel econômico
importante como intermediários entre vendedores (anunciantes) e compradores. A partir desses lucros, os jornais puderam subsidiar a produção de
notícias como bem público.
As pesquisas em ciências sociais mostram que, onde a mídia noticiosa é fraca, a corrupção está muito mais presente.
Sem uma imprensa independente capaz de cobrar responsabilidade dos governos locais
e estaduais, o projeto básico de
uma democracia federal fica
comprometido.
A internet está enfraquecendo a capacidade da imprensa de
subsidiar a produção de jornalismo de serviço público, e isso
por uma razão, sobretudo.
Os jornais diários metropolitanos já não ocupam a posição
estratégica de intermediários
entre compradores e vendedores que ocupavam no passado.
Pois há maneiras alternativas, on-line, para os vendedores chegarem a seus mercados
e para os consumidores encontrarem informações sobre produtos e vendas.
Nichos
A competição crescente para
chamar a atenção dos leitores
no ciberespaço também enfraquece a capacidade de a mídia
noticiosa cobrar por seus conteúdos. A recessão atual e a administração insensata vêm
agravando esses problemas.
Jornais na Europa e em outras regiões enfrentam as mesmas transformações estruturais graves.
Nos EUA, a cobertura jornalística dos governos estaduais
vem caindo de maneira nítida.
Em meu próprio Estado, Nova Jersey, antigamente havia
50 repórteres que cobriam a
política em tempo integral. Hoje. esse número caiu para 15.
Muitas notícias nem sequer
chegam a ser cobertas.
Contrariamente ao seu relato, o recuo dos jornais não vem
sendo compensado por uma
tendência de veículos on-line
preencherem a brecha criada.
Existem na realidade três
problemas separados aqui: 1) a
produção de notícias feita com
profissionalismo; 2) a produção de um público engajado; e
3) a produção de responsabilidade política efetiva.
Embora seja inquestionável
que a internet oferece uma diversidade de opinião e acesso a
novas fontes, ela não vem conservando o jornalismo profissional generalista em seus níveis anteriores.
Estão sendo servidos alguns
públicos de nicho. No nível nacional, ao mesmo tempo em
que o número de jornalistas da
mídia generalista profissional
vem diminuindo, muitos jornalistas têm encontrado trabalho
em publicações de preço elevado que atendem a setores econômicos específicos.
Esportes e cruzadas
A filantropia poderá subsidiar a reportagem investigativa
e remediar esse problema em
parte. Mas o segundo problema
-a criação de um público engajado- é ainda mais difícil.
Os jornais -antes lidos por
metade das pessoas de uma cidade- ajudavam a criar um público urbano consciente.
Aqueles que compram um
jornal podem interessar-se só
por esportes ou palavras cruzadas, mas, mesmo assim, olharão a primeira página pelo menos de relance, com isso tomando conhecimento de algo
sobre sua cidade e o mundo.
On-line, quem se interessa
por esportes ou palavras cruzadas vai diretamente aos sites
que os oferecem, evitando ser
exposto a notícias e polêmicas
sobre sua comunidade.
O que está em jogo aqui é o
desenvolvimento maior de
uma sociedade de informação
estratificada. Isso guarda relação com o terceiro problema: a
criação da responsabilidade
política efetiva.
A capacidade da mídia noticiosa de servir como freio ao
governo não depende só das
leis que protegem a liberdade
de expressão, mas também do
poder econômico da imprensa.
Interesses poderosos podem
intimidar organizações que sejam financeiramente fracas.
Seria insensato prever se a
web será ou não capaz de sustentar o tipo de jornalismo para
o público geral que os jornais
têm produzido, historicamente. Mas seria ainda mais insensato ignorar as evidências do
que está acontecendo hoje e
confiar numa visão feliz de progresso inexorável proporcionada pela internet.
O perigo dessa indiferença
alegre às realidades desagradáveis é que ela pode nos induzir à
inação. Tanto a política governamental quanto a filantropia
precisam ser incentivadas a
apoiar o jornalismo independente de maneiras novas.
Paul Starr
Texto Anterior: Quem é Steven Johnson Próximo Texto: Cadeia de informação Índice
|