São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Livros

Juntos venceremos

Os cismas do socialismo são analisados pelo russo Mikhail Bakunin e o brasileiro Maurício Tragtenberg

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Maurício Tragtenberg e Mikhail Bakunin [1814-76] foram dois adversários do capitalismo e dos socialismos autoritários. "Reflexões sobre o Socialismo" e "O Princípio do Estado e Outros Ensaios" permitem identificar os principais pontos desses embates.
Tragtenberg foi um intelectual crítico, questionador da modorra acadêmica. Foi um autodidata em um país de viés bacharelesco; erudito diante de uma intelectualidade de poucas letras e crítico da hipocrisia e inépcia universitárias.
Passou por várias universidades e nem sempre se deu bem com a estrutura de poder marcada pelo conservadorismo e ódio à cultura.
Em São José do Rio Preto (SP), acabou defenestrado da Faculdade de Filosofia após o golpe de 1964, para satisfação dos conservadores locais, especialmente dos seus "colegas" professores (muitos que, anos depois, fizeram carreira na burocracia universitária).
Mas nada o abatia. Afinal sabia que a universidade era simplesmente seu ganha-pão, e não um espaço intelectual de debate e produção de idéias.

Crítico dos partidos
Freqüentador de bibliotecas -algo que estranhamente não é hábito entre os intelectuais brasileiros-, acabou lendo os principais clássicos sobre as revoluções dos séculos 19 e 20.
Mas não foi um mero repetidor de interpretações. Pelo contrário, construiu a sua visão das revoluções. O livro "Reflexões sobre o Socialismo" é produto dessas releituras. A primeira edição é de 1986, quando o "mundo socialista" ainda existia. O Muro de Berlim parecia eterno, indestrutível.
Analisa sinteticamente as três Internacionais, a Revolução de 1917, os movimentos de esquerda na Rússia de resistência ao poder bolchevique, as formas alternativas de autogestão no Leste Europeu diante do que chama de capitalismo de Estado na União Soviética.
Na época do lançamento do livro, ainda estavam presentes os acontecimentos da Polônia e a formação do sindicato Solidariedade; o eurocomunismo era uma opção diante do socialismo realmente existente.
Tudo isso foi varrido nos últimos 20 anos, e o modo de produção capitalista, com variantes, se transformou em forma quase única de organização econômica.
Tragtenberg é um crítico do partido político, de sua atuação ambígua de estímulo/controle dos movimentos sociais e do político profissional, intermediário entre a classe e o Estado.
Critica o sindicato: "O capitalista cuida das máquinas, o sindicato cuida da disciplina da mão-de-obra. Noventa por cento das entidades, grupos ou partidos que trazem o nome "operário" têm a finalidade de controlar o operariado".
Se algumas interpretações estão datadas -o que é absolutamente natural-, quando critica os sindicatos, acerta no alvo. Mas não imaginava que no Brasil, além de controlar os trabalhadores, os sindicatos iriam se transformar em máquinas políticas e econômicas, elegendo sindicalistas e -por meio dos fundos de pensões- detendo enorme poder financeiro.

Fim do Estado
Mikhail Bakunin é um velho conhecido de todos aqueles que militaram ou estudaram o movimento operário brasileiro. A publicação de "O Princípio do Estado e Outros Ensaios" é bem-vinda.
Apresenta três textos tratando da concepção anarquista do Estado e do embate travado contra as outras correntes do movimento socialista.
Os textos são de 1871, ano da Comuna de Paris, e apresentam as profundas divergências entre os anarquistas e os marxistas, estes uma tendência minoritária no movimento operário europeu, especialmente na França, o palco privilegiado da luta de classes no século 19.
Para Bakunin, "os comunistas crêem dever organizar as forças operárias para apoderar-se da potência política dos Estados. Os socialistas revolucionários organizam-se com vistas à destruição ou, se quiser uma palavra mais polida, com vistas à liqüidação dos Estados."
"Os comunistas são os partidários do princípio e da prática da autoridade, os socialistas revolucionários só têm confiança na liberdade".

Peça de museu
Os dois livros tratam do socialismo, ideologia negadora do capitalismo que teve na revolução de 1848 sua data efetiva de fundação. A reflexão de Bakunin foi realizada no calor da hora, em 1871; já Tragtenberg teve mais de um século para analisar o desenvolvimento das lutas sociais, o que permitiu buscar um diálogo do anarquismo com o marxismo.
Por meio destes livros, é possível acompanhar como o socialismo foi construído e como hoje se transformou em peça do museu da história.
Evidentemente, merecem ser lidos, especialmente porque os dois autores foram defensores da liberdade e severos críticos da repressão estatal.


MARCO ANTONIO VILLA é professor de história no departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

REFLEXÕES SOBRE O SOCIALISMO
Autor: Maurício Tragtenberg
Editora: Unesp (tel. 0/xx/11/ 3242-7171)
Quanto: R$ 25 (134 págs.)

O PRINCÍPIO DO ESTADO E OUTROS ENSAIOS
Autor: Mikhail Bakunin
Tradução: Plínio Augusto Coêlho
Editora: Hedra (tel. 0/xx/11/ 3097-8304)
Quanto: R$ 20 (144 págs.)


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