São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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A elite da tropa

O diretor da Open University, instituição inglesa de ensino a distância criada nos anos 60, diz que sistema facilita a inclusão social, mas admite haver altos índices de reprovação

DA REDAÇÃO

A Open University é o modelo para as "universidades abertas" de todo o mundo: com cerca de 180 mil alunos -no Reino Unido e fora dele-, provê oportunidade de estudo remoto, com programação aberta às conveniências do aluno e reconhecimento oficial.
Implantada ao longo dos anos 1960 pelo governo do Partido Trabalhista -do atual primeiro-ministro, Tony Blair-, a Open se gaba de ter sido considerada pelo jornal "Sunday Times", em avaliação em 2004, como a quinta melhor universidade britânica no quesito "excelência docente".
O professor Alan Tait, que chefia a faculdade de Educação e Estudos de Linguagem da Open, defende o ensino a distância como instrumento de inclusão social. Autor de livros como "Convergence of Distance and Conventional Education" (Convergência entre Educação a Distância e Convencional), Tait também falou à Folha sobre erros a serem evitados e sobre a contribuição dessa crescente modalidade de ensino à escola tradicional. (ERNANE GUIMARÃES NETO)
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FOLHA - Há cursos na Open em que o comparecimento do aluno é totalmente desnecessário?
ALAN TAIT
- Na Open do Reino Unido [há projetos no mundo todo, inclusive no Brasil, com o nome de Universidade Aberta], temos um pequeno número de cursos que são "web-based only" [exclusivamente de internet]. Há conferências com os alunos, mas nenhum face-a-face. A maioria dos cursos guarda algum elemento presencial.

FOLHA - Em quais áreas são oferecidos os cursos totalmente virtuais?
TAIT
- Computação, educação e disciplinas de nível mais básico que usam somente material impresso, web e telefone.

FOLHA - E o problema da cola?
TAIT
- A trapaça é um problema difundido em educação e não é de modo nenhum restrito à educação a distância. É claro que há aspectos da web que facilitam a trapaça, como empresas que vendem trabalhos prontos -um problema que deve ser levado a sério pelos educadores como um todo.

FOLHA - Há escolas tradicionais em que são exigidos trabalhos manuscritos, não-impressos...
TAIT
- Dá para fazer o mesmo na educação a distância. Por exemplo, uma estratégia de avaliação que inclua trabalhos ao longo do curso -o que educacionalmente é muito eficaz- e uma prova presencial ao final, com verificação de identidade.

FOLHA - Não pode acontecer de estudantes trapacearem ao longo do curso, chegando despreparados ao exame e serem reprovados?
TAIT
- Sim, mas os padrões educacionais, nesse caso, estariam protegidos.

FOLHA - Há estatísticas associando ensino a distância a altos níveis de reprovação?
TAIT
- Depende. É freqüente que os sistemas de ensino a distância sejam feitos para estudantes excluídos do sistema tradicional, que, portanto, têm uma formação mais vulnerável. Alunos da elite vão para as universidades de elite; a educação a distância não costuma receber esses alunos.
Portanto, é verdade que os alunos que acorrem à educação a distância geralmente têm uma formação passada mais "difícil", o que os torna mais passíveis de fracasso e abandono. Acontece também de muitos alunos de educação a distância trabalharem e estudarem ao mesmo tempo, o que coloca muita pressão sobre eles.
É verdade que em geral o sucesso escolar no ensino a distância não tem os mesmos índices altos das universidades tradicionais, mas não acho que por isso sua participação na educação seja menos importante. Se se tem em mente a inclusão social que propicia, esse sistema é ainda mais importante.

FOLHA - A educação a distância pode ter a mesma qualidade da educação presencial?
TAIT
- Sim. No fundo, acredito que pode ser melhor, porque, quando se organiza o ensino a distância, é preciso se concentrar muito na relação ensino-aprendizado -ela não é dada como certa, da forma como muitas universidades convencionais fazem. A ênfase no aprendizado e no sucesso do aluno é parte importante da moderna educação a distância.
Outra coisa a dizer é que, em ensino a distância de larga escala, há alguns processos em escala industrial que são utilizados. Por exemplo: na criação de material de ensino e na organização do apoio pedagógico, há sistemas de garantia de qualidade que podem ser emprestados da indústria.

FOLHA - Pode dar um exemplo?
TAIT
- Ao criarmos material didático, usamos professores universitários, é claro, mas também profissionais do ramo editorial para dar qualidade ao que é escrito, visando melhor compreensão pelo aluno.

FOLHA - Seu livro "Rethinking Learner Support in Distance Education" (Repensando o Apoio ao Aluno na Educação a Distância) conta essa experiência?
TAIT
- Eu quis, nessa obra, entender as mudanças nas tecnologias utilizadas para apoio aos estudantes. Aparecem questões importantes: primeiramente, precisamos ser realistas sobre o acesso às novas tecnologias. Onde têm acesso: em casa, no trabalho? No Reino Unido, há um dos maiores índices de uso de tecnologias digitais na Europa. Na área de pós-graduação, começamos a pressupor que os alunos têm acesso a novas tecnologias -como banda larga em casa- e podemos organizar nossos planos de acordo com isso. Com a graduação, temos de ser mais cuidadosos, mas mesmo assim temos acelerado a introdução de novas tecnologias. Em alguns casos, é uma demanda dos alunos -especialmente os mais jovens.

FOLHA - E é caro melhorar os métodos de apoio? TAIT - Certamente criar cursos com níveis significativos de fontes de ensino é caro. É preciso dar conta disso por meio de grandes quantidades de alunos. Mas também depende de como pensamos nos gastos. Por exemplo: a evasão e a reprovação em certas universidades tradicionais é muito alto. Se pudermos criar instituições nas quais o sucesso dos alunos seja mais freqüente, então o dinheiro será bem gasto.

FOLHA - Como transpor um programa de curso tradicional para a forma de ensino a distância? TAIT - É preciso repensar as necessidades dos alunos, como criar fontes de aprendizado específicas. Já houve erros simples, como simplesmente colocar apontamentos de aula na web. Isso não é adequado; é preciso haver uma pedagogia por trás do ensino a distância, a qual já está bem desenvolvida teoricamente e na prática.

FOLHA - Critica-se o ensino a distância proposto por universidades públicas brasileiras por usar verbas que poderiam ser aplicadas em novas unidades de ensino. TAIT - Se a motivação é simplesmente poupar dinheiro, então a educação a distância não vai funcionar. No entanto é verdade que a demanda por educação em países como o Brasil é enorme e não pode ser solucionada somente com a construção de novos campi. Para um país como o Brasil, implantar uma eficiente educação a distância seria essencial para prover duas coisas: oportunidades para pessoas que possam se beneficiar da educação, que é necessária para qualquer sociedade moderna; e capacidade humana para o desenvolvimento socioeconômico. Construir novos campi deve ser parte do programa, mas uma parte significativa tem de ser a construção de sistemas de educação a distância. Isso vale para outros países em industrialização e em desenvolvimento, como África do Sul, China, Índia -todos estes têm iniciativas importantes de ensino a distância acontecendo.

FOLHA - Quais seriam as principais contribuições do ensino a distância para a educação em geral? TAIT - Houve grandes contribuições, se se pensar no Reino Unido nos últimos 35 anos. Em primeiro lugar, percebeu-se que alunos com formação educacional fraca podem ser muito bem-sucedidos; em segundo, que alunos adultos valem a pena e são importantes; em terceiro, que o uso de tecnologias de apoio para o aprendizado pode melhorar a qualidade.
Uma das coisas que o ensino a distância fez nas universidades foi modernizar o sistema de ensino superior como um todo.



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