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Nietzsche em potência
Em "Introdução à Tragédia de Sófocles", o pensador busca a superação da filologia e da filosofia
OSWALDO GIACOIA JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com a publicação dessas preleções, a coleção Estéticas (ed.
Jorge Zahar) brinda
o leitor interessado
em arte e filosofia com uma
preciosidade de valor extraordinário, tanto como curiosidade histórico-filológica como
por sua relevância teórica.
"Contribuição à História da
Tragédia Grega" e "Introdução
à Tragédia de Sófocles" são
preleções proferidas por Friedrich Nietzsche no semestre de
verão de 1870, na universidade
suíça da Basiléia.
Com outros textos contemporâneos, como "O Drama Musical Grego", "Sócrates e a Tragédia" e "A Visão Dionisíaca do
Mundo" (Martins Fontes),
marca uma etapa importante
na preparação do primeiro
grande livro publicado por
Nietzsche, em 1872: "O Nascimento da Tragédia", que expõe
a metafísica de artista do jovem
Nietzsche (1844-1900) e constitui uma das principais referências da estética e da filosofia
contemporâneas.
Frustração
Em tradução extremamente
refinada e cuidadosa -acompanhada por notas histórico-críticas que auxiliam a compreensão do texto, o entendimento de conjunto da filosofia
de Nietzsche assim como sua
inserção no movimento cultural que vai do romantismo ao final do idealismo alemão-, o
texto situa Nietzsche na cena
cultural de sua época, mostrando a recepção sempre lúcida e
crítica das fontes de que se vale
o filósofo.
Nesse sentido, as preleções
esclarecem as razões da polêmica que envolveu a publicação
de "O Nascimento da Tragédia", que talvez tenha contribuído para a frustração de
Nietzsche com a filosofia universitária alemã (cujo modelo
era seguido na parte suíça de
língua alemã), levando-o a
abandoná-la, dez anos depois
de sua precoce consagração, em
1869, como catedrático de filologia clássica na Basiléia.
"Introdução à Tragédia de
Sófocles" traz à luz o entendimento heterodoxo por Nietzsche da ciência filológica, que
não deveria limitar-se à verdade histórica nem apenas à crítica rigorosa das fontes documentais -ainda que não pudesse descurar delas.
A preleção já evidencia, bem
antes de "O Nascimento da
Tragédia", que a erudição filológica somente adquire sentido
como meio para a realização do
ideal humanista de frutificação
do presente pelo conhecimento do passado, para o vínculo
entre os interesses científicos,
as urgências da vida e as necessidades da cultura.
Como indica o tradutor brasileiro, filologia e filosofia não
se perfilam, para Nietzsche, como domínios separados; respeitadas as especificidades, trata-se também de "pouco a pouco construir uma espécie de
terceiro registro, de terceira
possibilidade, qual seja, a de
uma reflexão filosófica que tomasse a seu serviço a filologia,
naquilo que esta, segundo
Nietzsche, teria de melhor: a
implosão de todo e qualquer
significado transcendente, que
pudesse enfim servir como um
referente último, uma verdade
absoluta".
Essa "terceira margem" entre filologia e filosofia, a estrita
confissão da especialidade acadêmica jamais perdoaria
Nietzsche. No entanto será ela,
desde o início buscada e alcançada, que marcará o estilo de
toda sua filosofia, sendo um dos
principais recursos de suas
mais geniais criações.
Jovem filósofo
A presente edição das preleções se pauta pelos critérios de
rigor histórico-filológico característicos da edição crítica de
Nietzsche por G. Colli, M. Montinari e sucessores. Trata-se de
uma contribuição maiúscula
para os estudos brasileiros sobre a filosofia de Nietzsche mas
também sobre história da arte,
estética e história das idéias.
Ela permite compreender
melhor aspectos essenciais do
pensamento do jovem Nietzsche, sobretudo o movimento
genético de constituição e desenvolvimento de seus principais temas e problemas.
Assim, por exemplo, o papel
ambíguo de Eurípides; consumador da morte da tragédia, é
ele, no entanto, quem fornece,
com "As Bacantes", o modelo
básico do dionisíaco. O mesmo
vale para a influência das fontes recepcionadas criticamente
por Nietzsche -particularmente Lessing, Schiller, Wagner e August Schlegel.
Além disso, o livro permite
um olhar no gabinete de trabalho do professor Nietzsche, revelando o cuidado e o esmero
na preparação das aulas, em fecundo diálogo com a ciência de
seu tempo.
Culminância do trágico
Isso se evidencia a propósito
da posição de Sófocles em relação a Ésquilo e Eurípides, que
se altera radicalmente no intervalo entre a "Introdução à Tragédia de Sófocles" e "O Nascimento da Tragédia". Isso ilustra um momento importante
na formação do pensamento de
Nietzsche, sua posição no clássico debate iniciado por Aristóteles sobre "Édipo Rei" como
culminância do gênero trágico.
Tendo em vista a riqueza dos
elementos dessas preleções
-seja em perspectiva histórico-filosófica, seja em relação às
concepções originais de Nietzsche sobre o sentido dos mistérios dionisíacos, a importância
do coro ditirâmbico na tragédia, as relações entre o drama
musical, a cultura, a religião e a
política-, elas ajudam a entender a ressignificação do trágico-dionisíaco na filosofia madura
de Nietzsche.
OSWALDO GIACOIA JR. é doutor em filosofia
pela Universidade Livre de Berlim e professor
da Universidade Estadual de Campinas.
INTRODUÇÃO À TRAGÉDIA DE SÓFOCLES
Autor: Friedrich Nietzsche
Tradução: Ernani Chaves
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 19 (96 págs.)
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