São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Ponto de fuga

Deuses do presságio


A Villa Medici, em Roma, impõe à rua uma fachada austera; para o jardim, ao contrário, é harmoniosa; mas o edifício e a instituição sempre foram bastante fechados sobre si

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Estão lá, no forro. Isolam-se ou agrupam-se em painéis magníficos. As molduras são quadradas, octogonais, retangulares. No centro, um grande oval. Os personagens avançam ou recuam. Que significação teriam esses seres divinos, essa mescla de deuses, musas e signos do zodíaco? Foi o cardeal Ferdinando de Medici quem, em 1585, os mandou pintar. Seu artista, Jacopo Zucchi, herdara os mais belos exemplos de Bronzino.
São figuras que exprimem uma profecia. O horóscopo de Ferdinando anunciara: embora filho caçula, ele herdaria o ducado da Toscana. Em 1587, depois da morte do último de seus quatro irmãos, Ferdinando ajudou o destino, envenenando a cunhada. Assim, pôde afastar seu sobrinho do trono.
Abandonou a púrpura cardinalícia, foi-se embora de Roma, onde vivia. Assumiu o trono ducal em Florença, deixando sua suntuosa "villa" no topo do Pincio, uma das colinas romanas.
Aqueles seres mágicos permaneceram povoando o alto de seus apartamentos. Formam um grande talismã, reforçando o destino inscrito nas estrelas e atraindo energias astrais favoráveis ao cardeal.
Quando se fecham os olhos para dormir, as figuras de beleza excelsa se infiltram nos sonhos. Ao acordar, a luz da manhã entra pelo quarto com tons suaves e prateados, revelando-as delicadamente.
Presentes, poderosas, protetoras, elas demonstram o quanto as obras, nos museus, perdem de sua força original, se foram destinadas a um lugar preciso e carregadas por poderes que vão além da arte.

Eleitos
Em 1804, o governo de Napoleão negocia e se apossa do antigo palácio que pertencera ao cardeal Ferdinando. Transfere para ali uma velha instituição criada no século 17: a Academia de França em Roma, destinada a acolher jovens artistas franceses que se aprimoravam em contato com as grandes obras da Antiguidade e do Renascimento.
Durante o século 19, um concurso dava aos vencedores o Prêmio de Roma, uma bolsa para que passassem quatro anos na Villa Medici. Ingres, pintor, Carpeaux, escultor, Labrouste, Baltard, arquitetos, Berlioz, Gounod, Bizet, Debussy, músicos, foram alguns dos "pensionários", como são chamados. Hoje os setores se ampliaram, incluindo fotografia, cinema, literatura, história das artes, design e, mesmo, culinária.

Continuidade
A Villa Medici impõe à rua uma fachada austera, com aspecto de fortaleza. Para o jardim, ao contrário, é harmoniosa. As paredes são ali recobertas com relevos da Antiguidade romana, restos da formidável coleção que Ferdinando reuniu e cujo núcleo principal se encontra agora no museu dos Ofícios, em Florença. Os jardins são encantadores; Velázquez figurou um de seus recantos num quadro célebre.
Mas o edifício e a instituição sempre foram bastante fechados sobre si. Seu novo diretor (um posto de altíssimo prestígio cultural) é Frédéric Mitterand, sobrinho do presidente francês [François, 1916-96], homem de cultura e da mídia. Diz ele: "A "Villa" é uma casa muito delicada. É preciso preservar sua dignidade e seu caráter aristocrático. Torná-la amável sem lhe retirar a poesia".

Portas
Mitterand quer que a Villa Medici seja mais conhecida e frequentada. Prevê uma operação "Villa Aberta", em que o público percorra livremente edifícios e jardins. Não se opôs sequer a que os aposentos do cardeal, reservados habitualmente a hóspedes ilustres, abrigassem gente tão pouco significante quanto o redator destas linhas.

jorgecoli@uol.com.br


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