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Palavras cruzadas
Guerra de informações durante o conflito em Gaza inclui aparato oficial na internet, agressões
em sites e bloqueio de Israel ao acesso de jornalistas
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Jack Guez - 1º.jan.09/France Presse
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Jornalistas abrigam-se de ataques com foguetes a Ashkelon, em Israel
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
O grito contínuo de
uma criança órfã
sobressai do burburinho do socorro às vítimas da
operação Cast Lead (chumbo
fundido), a ofensiva militar na
faixa de Gaza iniciada por Israel em 27 de dezembro. Abaixo das imagens, apelos à paz
mesclam-se a chulas mensagens de ódio: trata-se de mais
um dos milhares de vídeos sobre o tema disponíveis no website YouTube. O conflito exacerbou um típico problema
contemporâneo: o excesso de
dados pode trazer mais confusão do que esclarecimento.
Digitem-se "Gaza" e "2009"
e pelo menos 3.800 vídeos
-acompanhados de comentários dos espectadores- tentarão influenciar a opinião
alheia. "Cast Lead" leva a filmes das Forças de Defesa de Israel, que incluem comunicados
do porta-voz militar e detalhes
dos bombardeios de precisão.
Yizhar Be'er, 52, é diretor
executivo da Keshev, associação que monitora os meios de
comunicação israelenses. Em
entrevista à Folha, resume: "A
última guerra verdadeira [com
a participação de Israel, a
Guerra do Iom Kipur] foi em
1973; desde então, imagem e
propaganda passaram a ser tão
importantes quanto a força.
Não se vence mais pela força, e
sim pela opinião pública".
Em linguagem fluente de internet -incluindo abreviaturas
do tipo "pfvr" em lugar de "por
favor"-, o Consulado de Israel
em Nova York realizou, em 30
de dezembro, uma conferência
virtual sobre a ação militar.
A plataforma do diálogo foi o
Twitter, que, além de autoridades, abriga em seus diários virtuais uma rede de comunicadores independentes, blogueiros
como "Tweets from Gaza", que
repassa notícias dos palestinos
indiretamente, da Jordânia:
"Médicos aguardam para entrar em Rafah. Não basta bombardear: Israel deixa o povo de
Gaza sangrar até a morte".
Mas, entre os sites pessoais,
há fontes mais elegantes de notícias da guerra. Laila El-Haddad, colaboradora da Al Jazeera e do site do jornal britânico
"The Guardian", mantém o
diário "Uma mãe vinda de Gaza" (www.a-mother-from-gaza.blogspot.com), juntando
noticiário e família.
El-Haddad traduz a mensagem telefônica recebida por seu
pai, que vive em Gaza: "Mensagem urgente: alerta aos cidadãos de Gaza. O Hamas os está
usando como escudos humanos. Não deem ouvidos a eles".
"Há uma grande diferença
entre propaganda e blogs (é claro que há intersecções às vezes). Escrevo relatos do coração, que abrigam alguma perspectiva da face humana do conflito, em todos os seus aspectos", declara à Folha.
Do outro lado das cercas, outra mãe -agora de um soldado
israelense (http://israelisoldiersmother.blogspot.com)-
humaniza a guerra, por exemplo ao relatar como se comunica por mensagens de celular
com o filho, entremeando o
texto com manchetes sobre os
foguetes lançados de Gaza.
Uníssono
Ao comentar o bloqueio israelense ao acesso de jornalistas a Gaza, Gideon Levy, 53, repórter do "Haaretz", diz à reportagem que se beneficia dos
blogs escritos na região. "Israel
tentou nos impedir de ver o que
acontecia em Gaza, mas felizmente há repórteres palestinos
fazendo um ótimo trabalho."
Desse modo, há acesso a informações e pontos de vista suficientes para a compreensão do
conflito, "mas só para quem
procura".
"Em Israel há uma autocensura em quase todos os jornais
e TVs", acrescenta Levy. Yizhar
Be'er, a partir da análise dos
principais veículos de comunicação israelenses, também define como autocensura o que
acontece no país: "Há um acordo informal: o repórter apresenta informações complexas e
o editor as simplifica."
Em um relatório da Keshev
sobre os primeiros dois dias de
cobertura jornalística da operação, ressaltam-se títulos como "Resposta aos ataques - inteligência precisa", do jornal
"Ma'ariv", ignorando as vítimas
civis. "Há uma defasagem muito grande entre o conteúdo da
reportagem e a manchete", diz
Be'er. "E a maioria das pessoas
lê o título, não toda a matéria."
A Keshev tem publicações
em conjunto com a Miftah, instituição que monitora a mídia
palestina e aponta um viés de
incitação ao conflito na edição
do noticiário.
Ex-jornalista, Be'er aponta
as diferenças entre os jornais
israelenses e palestinos, especialmente sob o governo do Hamas: "Israel é uma democracia,
com liberdade de opinião. Nos
territórios palestinos há uma
ditadura. Membros do Hamas
não podem sequer elogiar a Autoridade Nacional Palestina e
vice-versa".
Sobre o impacto da internet
no esclarecimento da população, Be'er vê um paradoxo: "A
internet criou possibilidades,
mas também uma arena para
mensagens racistas e informação enviesada".
Levy é mais otimista: "Quanto mais informação, melhor."
"O problema, sim, é a falta de
informação sobre as batalhas.
As Forças de Defesa de Israel
dizem que houve combates
acirrados, mas não sabemos se
é verdade". Levy ressalta que,
mesmo no combate contra o
grupo Hizbollah, no Líbano, em
2006, era possível acompanhar
os combates. Be'er, que cobriu
a Intifada no final dos anos
1980, também protesta contra
o veto israelense a jornalistas
em Gaza. "Antes, os repórteres
iam junto com o Exército."
Quanto aos panfletos lançados por Israel, sugerindo a rendição, e os telefonemas que
aconselham civis a abandonar
áreas próximas a alvos dos
bombardeios, Levy se divide:
"Os panfletos são propaganda
barata. Os telefonemas, se é que
ajudam a salvar vidas, podem
ser uma grande coisa".
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