São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

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Palavras cruzadas


Guerra de informações durante o conflito em Gaza inclui aparato oficial na internet, agressões em sites e bloqueio de Israel ao acesso de jornalistas

Jack Guez - 1º.jan.09/France Presse
Jornalistas abrigam-se de ataques com foguetes a Ashkelon, em Israel

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

O grito contínuo de uma criança órfã sobressai do burburinho do socorro às vítimas da operação Cast Lead (chumbo fundido), a ofensiva militar na faixa de Gaza iniciada por Israel em 27 de dezembro. Abaixo das imagens, apelos à paz mesclam-se a chulas mensagens de ódio: trata-se de mais um dos milhares de vídeos sobre o tema disponíveis no website YouTube. O conflito exacerbou um típico problema contemporâneo: o excesso de dados pode trazer mais confusão do que esclarecimento.
Digitem-se "Gaza" e "2009" e pelo menos 3.800 vídeos -acompanhados de comentários dos espectadores- tentarão influenciar a opinião alheia. "Cast Lead" leva a filmes das Forças de Defesa de Israel, que incluem comunicados do porta-voz militar e detalhes dos bombardeios de precisão.
Yizhar Be'er, 52, é diretor executivo da Keshev, associação que monitora os meios de comunicação israelenses. Em entrevista à Folha, resume: "A última guerra verdadeira [com a participação de Israel, a Guerra do Iom Kipur] foi em 1973; desde então, imagem e propaganda passaram a ser tão importantes quanto a força. Não se vence mais pela força, e sim pela opinião pública".
Em linguagem fluente de internet -incluindo abreviaturas do tipo "pfvr" em lugar de "por favor"-, o Consulado de Israel em Nova York realizou, em 30 de dezembro, uma conferência virtual sobre a ação militar.
A plataforma do diálogo foi o Twitter, que, além de autoridades, abriga em seus diários virtuais uma rede de comunicadores independentes, blogueiros como "Tweets from Gaza", que repassa notícias dos palestinos indiretamente, da Jordânia: "Médicos aguardam para entrar em Rafah. Não basta bombardear: Israel deixa o povo de Gaza sangrar até a morte".
Mas, entre os sites pessoais, há fontes mais elegantes de notícias da guerra. Laila El-Haddad, colaboradora da Al Jazeera e do site do jornal britânico "The Guardian", mantém o diário "Uma mãe vinda de Gaza" (www.a-mother-from-gaza.blogspot.com), juntando noticiário e família.
El-Haddad traduz a mensagem telefônica recebida por seu pai, que vive em Gaza: "Mensagem urgente: alerta aos cidadãos de Gaza. O Hamas os está usando como escudos humanos. Não deem ouvidos a eles".
"Há uma grande diferença entre propaganda e blogs (é claro que há intersecções às vezes). Escrevo relatos do coração, que abrigam alguma perspectiva da face humana do conflito, em todos os seus aspectos", declara à Folha.
Do outro lado das cercas, outra mãe -agora de um soldado israelense (http://israelisoldiersmother.blogspot.com)- humaniza a guerra, por exemplo ao relatar como se comunica por mensagens de celular com o filho, entremeando o texto com manchetes sobre os foguetes lançados de Gaza.


Uníssono
Ao comentar o bloqueio israelense ao acesso de jornalistas a Gaza, Gideon Levy, 53, repórter do "Haaretz", diz à reportagem que se beneficia dos blogs escritos na região. "Israel tentou nos impedir de ver o que acontecia em Gaza, mas felizmente há repórteres palestinos fazendo um ótimo trabalho." Desse modo, há acesso a informações e pontos de vista suficientes para a compreensão do conflito, "mas só para quem procura".
"Em Israel há uma autocensura em quase todos os jornais e TVs", acrescenta Levy. Yizhar Be'er, a partir da análise dos principais veículos de comunicação israelenses, também define como autocensura o que acontece no país: "Há um acordo informal: o repórter apresenta informações complexas e o editor as simplifica."
Em um relatório da Keshev sobre os primeiros dois dias de cobertura jornalística da operação, ressaltam-se títulos como "Resposta aos ataques - inteligência precisa", do jornal "Ma'ariv", ignorando as vítimas civis. "Há uma defasagem muito grande entre o conteúdo da reportagem e a manchete", diz Be'er. "E a maioria das pessoas lê o título, não toda a matéria."
A Keshev tem publicações em conjunto com a Miftah, instituição que monitora a mídia palestina e aponta um viés de incitação ao conflito na edição do noticiário.
Ex-jornalista, Be'er aponta as diferenças entre os jornais israelenses e palestinos, especialmente sob o governo do Hamas: "Israel é uma democracia, com liberdade de opinião. Nos territórios palestinos há uma ditadura. Membros do Hamas não podem sequer elogiar a Autoridade Nacional Palestina e vice-versa".
Sobre o impacto da internet no esclarecimento da população, Be'er vê um paradoxo: "A internet criou possibilidades, mas também uma arena para mensagens racistas e informação enviesada".
Levy é mais otimista: "Quanto mais informação, melhor."
"O problema, sim, é a falta de informação sobre as batalhas. As Forças de Defesa de Israel dizem que houve combates acirrados, mas não sabemos se é verdade". Levy ressalta que, mesmo no combate contra o grupo Hizbollah, no Líbano, em 2006, era possível acompanhar os combates. Be'er, que cobriu a Intifada no final dos anos 1980, também protesta contra o veto israelense a jornalistas em Gaza. "Antes, os repórteres iam junto com o Exército."
Quanto aos panfletos lançados por Israel, sugerindo a rendição, e os telefonemas que aconselham civis a abandonar áreas próximas a alvos dos bombardeios, Levy se divide: "Os panfletos são propaganda barata. Os telefonemas, se é que ajudam a salvar vidas, podem ser uma grande coisa".


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