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"Israel tem mais porta-voze s que os EUA"
Autor de clássico sobre a relação entre guerra e jornalismo afirma que palestinos são ingênuos na batalha de informação contra a "sofisticada" máquina israelense
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PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Os palestinos demoraram demais
a perceber que
não basta uma suposta causa justa
para serem ouvidos quando o
inimigo tem uma formidável
máquina de propaganda, como
é o caso de Israel, defende Phillip Knightley, correspondente
de guerra do "Sunday Times"
por 20 anos e autor de livro
clássico sobre o tema. "Eles ingenuamente acharam que sua
causa seria salva pelos seus
méritos", disse o jornalista à
Folha.
Como prova da força da máquina de propaganda israelense, Knightley, 79, cita o sem-número de porta-vozes, todos
treinados para falar muito bem
com a mídia e repetir as mesmas claras mensagens. "Não
param de dizer que "toda nação
tem o direito de proteger seus
cidadãos", como se fosse apenas isso, e as pessoas acabam
por acreditar que é disso que se
trata", afirmou o autor de "The
First Casualty" (A Primeira Vítima - O Correspondente de
Guerra como Herói e Construtor de Mitos, da Criméia ao
Iraque, Johns Hopkins University Press, 608 págs., US$
24, R$ 53). O título é uma referência a uma declaração do senador norte-americano Hiram
W. Johnson (1866-1945), que
teria dito em 1918 que "a primeira vítima da guerra é a verdade". Leia abaixo a entrevista.
FOLHA - Com tantas novas fontes
de informação propiciadas pela revolução tecnológica, como blogs, a
verdade ainda é a primeira vítima
na guerra?
PHILLIP KNIGHTLEY - Sim. Acaba
ficando confuso. A reportagem ficou mais fácil, mas os
repórteres têm de estar disponíveis para matérias instantâneas o dia inteiro, para
internet, televisão, então falta
tempo para descobrir o que
de fato está acontecendo. Fica mais difícil para os governos controlarem a informação em tempos de guerra, claro, mas não necessariamente
sabemos mais a verdade.
FOLHA - Muito se fala da máquina de propaganda israelense. Mas
funciona?
KNIGHTLEY - É muito sofisticada. Todos os porta-vozes são
altamente treinados para o
contato com a mídia, repetem
sempre a mesma mensagem,
num inglês impecável. É claro
que funciona. A repetição, de
modo profissional e sem recuo, acaba por fixar a ideia.
Eles não param de dizer que
"toda nação tem o direito de
se defender", "toda nação tem
o direito de proteger seus cidadãos, estamos protegendo
os nossos". Ficam dizendo isso o tempo todo e as pessoas
acabam por acreditar, como
se se tratasse apenas disso.
FOLHA - Mas Israel não pode argumentar que é legítimo passar a
sua versão dos fatos?
KNIGHTLEY - Eles têm muitos
porta-vozes, mais até do que
os EUA. Você vê o porta-voz
do Ministério da Defesa, do
Interior, das Relações Exteriores, homens, mulheres,
embaixador para a ONU, embaixador para o Reino Unido.
Passa a impressão de uma
grande quantidade de pessoas de peso que têm sempre
a mesma visão, repetindo
sempre a mesma história.
FOLHA - E existe algum tipo de
propaganda palestina? A exibição
de corpos de crianças, com toda a
dor real por trás das mortes, também pode ser vista como uma forma de propaganda?
KNIGHTLEY - Pode ser, sim. Eles
querem defender sua posição,
e mostrar gente sofrendo pode
ser um tipo de propaganda.
Uma contra a outra, a israelense ainda é muito mais eficiente. É muito ocidentalizada. Os
palestinos chegaram muito
atrasados à ideia de propaganda. Eles ingenuamente acreditaram que sua causa seria salva
pelos seus méritos. E isso não é
suficiente contra máquinas sofisticadas como a israelense e a
norte-americana.
FOLHA - A proibição de correspondentes em Gaza tem efeito mais
positivo ou negativo para Israel?
KNIGHTLEY - Eles estão fazendo
coisas terríveis lá. Uma enorme máquina militar num pequeno espaço confinado contra inimigos com armas leves misturados a uma população
civil sem lugar para fugir ou
encontrar abrigo. Os israelenses sabiam desde o começo que
se todo o horror da guerra fosse mostrado em horário nobre,
especialmente nos EUA, eles
teriam perdido sua causa.
FOLHA - Mas o sr. acha mesmo?
Nos canais ocidentais não costumam aparecer corpos de crianças e
bebês. Se os correspondentes estivessem em Gaza, essas imagens
chegariam às telas de TV?
KNIGHTLEY - Não, existe uma
autocensura. Todos os canais
de TV ocidentais fizeram uma
decisão consciente de não
mostrar horror demais na televisão. Levando em conta as dificuldades para a mídia internacional, de não testemunhar
os eventos em primeira mão,
acho que ela fez um trabalho
razoável de cobertura de guerra. É claro que, se a TV mostrasse a verdadeira e horrorosa
face da guerra, não seria possível para Israel manter sua posição. Mas a TV, em nome do
bom gosto, se autocensura.
FOLHA - Então, em última análise,
o veto funcionou?
KNIGHTLEY - O veto não funcionou. A internet está cheia de
imagens de corpos enegrecidos e crianças desmembradas.
Os porta-vozes têm sido obrigados a desculpas patéticas,
como "o Hamas coloca armas
em áreas civis, o que torna impossível bombardear essas
áreas sem provocar a morte de
civis".
FOLHA - E a proibição a correspondentes internacionais dá mais força
à voz de quem está confinado em
Gaza, todos palestinos, os únicos a
testemunhar em primeira mão?
KNIGHTLEY - Sim, mas existe o
risco de muito envolvimento.
É por isso que, mais cedo ou
mais tarde, correspondentes
internacionais independentes
deveriam ser autorizados a entrar. Mas não acho que isso vá
acontecer. Os israelenses vão
ser muito cuidadosos em decidir quem eles vão autorizar a
entrar.
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