São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"A opinião mundial não nos salvará"


Articulista inglês diz que "a própria ideia de Israel", concebida por um jornalista, só surgiu porque os judeus nunca se sentiram amparados pela opinião pública

DANIEL FINKELSTEIN

Era estritamente proibido ter um caderno em Belsen, mas minha tia Ruth tinha um, mesmo assim. Apenas uma pequena agenda de bolso -do tipo que vem com um daqueles lápis minúsculos. E nele, no outono de 1944, ela anotou que Anne Frank e sua irmã, Margot, amiga de colégio de Ruth, tinham chegado ao campo de concentração.
Minha mãe e minha tia estavam olhando através da cerca do campo quando as irmãs Frank chegaram. Mamãe se recorda bem, porque elas ficaram emocionadas ao ver garotas que conheciam de tempos passados em Amsterdã. Elas tinham brincado juntas nas mesmas ruas, frequentado as mesmas escolas, e Ruth e Margot tinham tido aulas de hebraico juntas. Certa vez, as duas tinham sido chamadas para atuar como damas de honra, quando um casamento judaico foi realizado na sinagoga em segredo, durante a hora da aula delas.
Mas Ruth e Margot não cresceram juntas. Isso porque, enquanto Ruth e minha mãe viveram, Margot e Anne nunca deixaram Belsen. Elas morreram de tifo. Estou contando essa história porque quero que você entenda Israel. Não que concorde com tudo o que Israel faz, nem que mantenha silêncio quando tem vontade de protestar contra seus atos, nem tampouco que tome seu partido sempre -apenas que compreenda Israel.
Há duas coisas nessa história que ajudam a nos dar insights. A primeira é que todas essas coisas -as câmaras de gás, os campos de concentração, a tentativa de varrer os judeus da face da terra- não são história antiga nem fábula. Elas aconteceram com pessoas reais e aconteceram durante nosso tempo de vida. Anne e Margot Frank eram apenas crianças para minha tia e minha mãe -não eram ícones nem símbolos de nada.
A segunda coisa é que hoje a opinião mundial chora por Anne Frank. Mas a opinião mundial não a salvou.

Ideia de um jornalista
A origem do Estado de Israel não está na religião ou no nacionalismo; está na experiência de opressão e assassinato, no medo da aniquilação total e na conclusão amarga de que não foi possível confiar na opinião mundial para proteger judeus. Israel foi ideia de um jornalista. Theodor Herzl era o correspondente em Paris da Neue Freie Press quando testemunhou manifestações antissemitas violentas contra o capitão do Exército Alfred Dreyfus, judeu, que tinha sido falsamente acusado de espionagem. Na época, Herzl integrava o pequeno grupo de jornalistas que, em 1895, assistiu à famosa cerimônia de degradação em que Dreyfus teve seus galões de oficial retirados.
Essa experiência levou Herzl a perder sua fé na assimilação. Ele se convenceu de que os judeus só poderiam viver em segurança se tivessem seu próprio país. Herzl tornou-se o primeiro líder do sionismo moderno. Muitos judeus resistiram a sua conclusão durante muitos anos. Meu avô estava entre eles. Mas a experiência de judeus de todo o mundo na primeira metade do século 20 -não apenas na Europa, mas também no Oriente Médio- acabou confirmando a visão de Herzl.
Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria ideia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem seguros como tutelados da opinião mundial. O sionismo, essa palavra tão vilipendiada, é fundamentado na determinação de que, em última análise, os judeus vão de alguma maneira defender-se da destruição. Se bastasse a opinião pública, não haveria Israel.
A pobreza, a morte e o desespero entre os palestinos na faixa de Gaza me leva às lágrimas. Como poderia deixar de fazê-lo? Quem é capaz de ver imagens de crianças numa zona de guerra ou numa rua de favela e não se sentir revoltado, perplexo e impelido a protestar? E o que é tão chocante é que isso é tão desnecessário. Pois pode haver paz e prosperidade em troca do menor dos preços.
Basta os palestinos dizerem que vão deixar Israel existir em paz. Eles só precisam dizer essa coisa minúscula, e dizê-la com sinceridade, para que praticamente não exista nada que eles não possam ter.
Mas eles se negam a dizê-la.
E se negam a levá-la em conta.
Porque eles não querem os judeus. Inúmeras vezes, e ainda outras inúmeras vezes, foi feita aos palestinos a oferta de um Estado-nação numa Palestina dividida. E inúmeras vezes eles rejeitaram a oferta, pois sempre tem sido mais importante para eles expulsar os judeus que ter um Estado palestino.
Às vezes é difícil evitar a impressão de que Hamas e Hizbollah não querem matar judeus por odiar Israel. Eles odeiam Israel porque querem matar os judeus.
Lições da experiência
Não pode haver paz enquanto isso não mudar. Pois Israel não vai confiar em gestos internacionais e garantias dadas da boca para fora para sua defesa. Em seu próprio cerne, não o fará. Israel entregará suas armas quando os judeus estiverem em segurança, mas não o fará enquanto não o estiverem.
E, se você refletir sobre a questão, a experiência mais recente não confirma isso? Assim como a experiência confirmou a posição de Herzl? Um ano atrás, enquanto estava de férias, conheci um professor e comecei a bater papo com ele sobre Israel. O professor era um homem simpático, e tudo o que queria era que os combates terminassem e que fosse posto fim ao sofrimento das crianças.
Ele me fez uma pergunta.
Por que, perguntou, Israel não se oferece a devolver a Cisjordânia e a faixa de Gaza? Por que simplesmente não deixa os palestinos terem um Estado ali? Se os palestinos rejeitassem a oferta, disse ele, então pelo menos a opinião liberal ficaria do lado de Israel e se disporia a ajudá-lo.
Então expliquei com paciência àquele homem bondoso que, em Camp David, em 2000, Israel tinha feito precisamente essa oferta e que ela tinha sido rejeitada incondicionalmente por Iasser Arafat -nem sequer tinha sido usada como base para negociações.
Eu disse a ele que Israel não estava mais na faixa de Gaza, tendo se retirado unilateralmente e levado seus colonos junto. Os palestinos tinham reagido a esse movimento com bombas suicidas e foguetes.
Mas o professor, com toda sua compaixão, nem sequer tinha conhecimento disso. E a opinião liberal? Infelizmente, a fé de meu novo amigo nela era infundada. Ela se voltou fortemente contra Israel. Israel já cometeu muitos erros. Agiu agressivamente demais em algumas ocasiões e foi demasiado defensivo em outras. O país nem sempre respeitou como deveria os direitos humanos de seus inimigos. Que país exposto a tal ameaça teria evitado qualquer erro?
Mas, sabe de uma coisa? Enquanto o Irã obtém uma arma nuclear e, com isso, o potencial de desencadear outro Holocausto contra os judeus, e a opinião mundial não faz nada, não estou tão certo de que os equívocos da opinião mundial sejam assim tão preferíveis aos de Israel.


DANIEL FINKELSTEIN é editor e colunista no jornal londrino "The Times", onde este texto foi originalmente publicado.

Tradução de Clara Allain



Texto Anterior: Em embaixada, trabalho é redobrado
Próximo Texto: Jornais sobem tom de crítica a ação israelense
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.