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A máquina de linguagem
"A Paciência do Conceito", de Gérard Lebrun, defende que Hegel rompeu com a história da filosofia
RUY FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
Paciência do Conceito", livro de estilo polêmico do ex-professor da USP
Gérard Lebrun,
tenta mostrar como, longe de
ser mais uma construção dogmática, a filosofia de Hegel
marca uma ruptura na história
da filosofia.
Ao contrário do que se afirma, o discurso hegeliano não
compete com os das ciências
positivas, mas os deixa intactos. E o hegelianismo não é
uma nova filosofia, mas uma
maneira inteiramente nova de
conceber em que consiste a filosofia. Nem doutrina "dogmática", nem uma nova ontologia,
o hegelianismo é, para Lebrun,
uma "máquina de linguagem".
Hegel não propõe novas teses, mas se dispõe a deixar que
as significações se "desdobrem" plenamente, num movimento em que elas exibirão seu
conteúdo contraditório.
Essa dialética aparece na sua
forma mais perfeita no último
livro da "Ciência da Lógica" -a
"Lógica do Conceito", que sucede à do ser e à da essência.
O melhor modelo para o movimento do conceito (a distinguir do "conceito" no sentido
usual) é finalmente a distinção
aristotélica entre "potência" e
"ato" (mas não na acepção da
passagem do germe ao indivíduo, e sim na acepção mais
imediata que separa, por exemplo, o sábio no momento em
que não exerce a ciência do sábio no momento em que a
exerce).
Que se poderia dizer em termos críticos desse belo livro? O
movimento do conceito -afirma Lebrun- remete a uma linguagem. Importante resultado
contra as leituras vulgares. Porém, mais do que uma linguagem, ele é um "logos" (ver pág.
344), o que já é um pouco diferente (logos é também razão e
pode ser algo como "uma ordem racional".
Se o movimento do conceito
não constitui uma ontologia
(um discurso sobre o ser transcendente) -nem sintaticamente, porque o ser só se diz,
em Hegel, dizendo o seu outro,
isto é, a lógica inteira; nem, a rigor, semanticamente, se é verdade que o movimento do conceito é imanente-, há nele,
sem dúvida, uma "carga ontológica".
Reabilitação
Isso é visível já na presença,
no nível do conceito, do termo
"objeto" ou "objetivo" ("objekt", "objektiv") -embora na
imanência o conceito "desdobre" um "significado" objetivo-, e na reabilitação, mesmo
se transfigurada, do tema, tradicional ("representativo") por
excelência, da "adequação"
(entre conceito e objeto).
Com o "Conceito", não há
mais separação entre sujeito e
objeto. Mas sujeito e objeto,
eles próprios, mesmo se como
sujeito-objeto, ou por isso mesmo, só são suprimidos, a rigor,
no sentido hegeliano da supressão-conservação (este deve ser
também, de modo aproximado,
o estatuto da "ontologia" no hegelianismo).
A linguagem do conceito não
tem um estatuto mais ou menos neutro (nem "linguagem
do ser" nem "simplesmente
linguagem").
Seu análogo, para Hegel (em
outra vertente) é o ato puro de
Aristóteles; e o "Conceito", unidade do ser e da essência, culmina com a "Idéia" e com a
"Idéia Absoluta".
Esses termos seriam inocentes? A questão poderia parecer
bizantina, mas não é, e ela interessa inclusive para pensar o
destino da filosofia de Hegel.
Uma nova lógica
Afirmar que o conceito é máquina de linguagem instaura,
sem dúvida, uma ruptura radical no interior da história da filosofia, mas não diz muito sobre as "sugestões" que ofereceria o hegelianismo para o seu
futuro e para além da filosofia.
Inversamente, afirmar que
se trata do movimento de um
logos reduz de certo modo a
ruptura interna (estamos longe, mas não tão longe de uma
ontologia), porém ressalta a
novidade em termos de possibilidades "externas".
Os pós-hegelianos não herdam apenas um novo jogo de
linguagem mas também a tentativa de instaurar uma nova
lógica e, sem dúvida, um modelo de "estrutura significativa do
objeto" -e, com isso, apesar de
tudo, um conteúdo tético (teses)- que, mais para o melhor
do que para o pior (o antidogmatismo hegeliano tem, por caminhos complicados, algo de
dogmático, e o dogmatismo dos
"pós" é sob certos aspectos antidogmático), terá por muito
tempo um peso determinante,
dentro e fora da filosofia.
RUY FAUSTO é filósofo, professor emérito da
USP e lecionou na Universidade de Paris 8. É autor de "Marx - Lógica e Política" (ed. 34).
A PACIÊNCIA DO CONCEITO
Autor: Gérard Lebrun
Tradução: Sílvio Rosa Filho
Editora: Unesp
Quanto: R$ 70 (412 págs.)
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