São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ Sociedade

Os novos românticos

Geração de artistas nos EUA e no Reino Unido recupera a inspiração na natureza para atacar a degradação ambiental no planeta

Reprodução
Obra de intervenção ambiental do artista Andy Goldsworthy


SUE HUBBARD
OLIVIA SHEAN

S erá que a arte é capaz de fazer alguma coisa para mudar a forma de pensar daqueles que se preocupam mais com grandes lucros do que com as emissões de dióxido de carbono? Uma nova geração de artistas ecológicos, no Reino Unido e no resto do mundo, está testando as fronteiras entre arte e ativismo. Com a perda de ímpeto do movimento Young British Artists -em larga medida metropolitano e caracterizado por uma ironia que soa desgastada- e com a exaustão das teorias solipsistas do modernismo tardio -que está agonizando na praia como uma baleia encalhada-, os artistas uma vez mais estão olhando a natureza em busca de inspiração.
Desde a revolução industrial, os movimentos artísticos periodicamente têm optado por deixar de lado a sujeira e a esqualidez do ambiente metropolitano. No século 19, o romantismo surgiu como reação ao iluminismo. Thoreau [1817-1862] cantava uma vida mais simples, enquanto os poetas ingleses da região dos lagos exaltavam a beleza e a verdade que podiam ser encontradas na natureza. A tecnologia e o progresso eram considerados racionais e pragmáticos, enquanto as regiões selvagens eram encaradas como espaço utópico de liberdade e de possibilidades.
Isso foi ecoado pelo movimento da "land art", que desde sua concepção, nos anos 1960, deixou de lado a estética modernista e a hegemonia financeira do mercado de belas-artes. Trabalhar fora do mundo das galerias era uma fórmula que se enquadrava bem ao clima iconoclasta da época.
Aspecto utópico
E o movimento tinha igualmente um aspecto utópico, porque estudantes e artistas acreditavam que o mundo estava a caminho de um futuro melhor e que trabalhar com a terra lhes dava a chance de experimentar com espaços democráticos e não-hierárquicos. Joseph Beuys [1921-1986], co-fundador do Partido Verde alemão e criador do seminal projeto artístico de longo prazo "7.000 Carvalhos", iniciado na Documenta 7, em 1982, é em geral mencionado como padrinho do movimento. Nos EUA, artistas como Robert Smithson [1938-73] -que construiu o hoje quase mitológico "Spiral Jetty" [Quebra-Mar em Espiral], em 1970, uma escultura de terra que se estende lago adentro em Utah- e sua parceira Nancy Holt [1938] lidavam diretamente com questões ambientais.
E o mesmo pode ser dito sobre seus compatriotas Agnes Denes [1931], Betty Beaumont [1946] e Walter de Maria [1935] (mais conhecido por "Lightning Field" [Campo dos Raios], de 1977, construído nas profundezas do deserto do Novo México). No Reino Unido, Richard Long [1945] e Hamish Fulton [1946] transformaram a caminhada em forma de arte, mapeando as minúcias que observavam em seus percursos. Andy Goldsworthy [1956] construía trabalhos efêmeros no ambiente natural e, a seguir, os fotografava.
Ainda que essa "primeira" geração de "land artists" provavelmente não se visse em termos de militância ecológica, as obras que criaram no mundo natural, longe das galerias (ainda que nem sempre fora do alcance monetário destas), estabeleceram um clima receptivo para uma geração mais jovem, preocupada com o planeta e o ambiente. Muitos artistas estão observando localizações periféricas, fora do ambiente organizado do mundo da arte, e sua proposta é ignorar as fronteiras entre arte, ciência e engajamento prático. Uma resposta poética por si só já não parece suficiente quando as temperaturas estão em alta e as calotas polares se reduzem a cada dia: os novos artistas querem ação.
O artista americano Brandon Ballengee, em colaboração com o Gaia Institute e o Museu do Estado de Nova York, trabalhou para povoar locais recém-criados de tratamento de eflúvios líqüidos com fauna anfíbia nativa, o que não só controlará a população de mosquitos como servirá de monitor de saúde para as áreas alagadas.
Abrigo para morcegos
No Reino Unido, Jeremy Deller, ganhador do prêmio Turner de 2004, está construindo um abrigo para morcegos no London Wetland Centre. A crítica feminista à "land art" e à arte ambiental dos anos 1970 contribuiu de maneira significativa para a formação de novas abordagens quanto a práticas artísticas sustentáveis.
A primeira geração de ecofeministas se dedicou a estabelecer relacionamentos baseados não nas velhas hierarquias, mas em um senso de respeito, consciência e interconexão. O filme "Grandes Esperanças", de Renata Poljak, sugere -por meio de uma história sobre projetos de construção intensivos na costa da Dalmácia e sobre a conseqüente deterioração da arquitetura orgânica que é um marco histórico da região- que existe uma conexão entre o patriarcado e a degradação ambiental. A crítica social e a pesquisa de alcance amplo também servem como catalisadores para o trabalho da artista conceitual norte-americana Amy Balkin.
"Invisível-5", sua turnê em áudio para o corredor rodoviário que liga a baía de San Francisco a Los Angeles, na Califórnia, articula a maneira pela qual a geopolítica afeta a saúde e o bem-estar dos moradores locais, ao decidir sobre a distribuição de risco tóxico. Em sua recente instalação "Poluição Pública", na Peer Gallery, na zona leste de Londres, ela adquiriu e reteve direitos de emissão de dióxido de carbono nos mercados internacionais, a fim de criar um parque no qual o ar seria temporariamente despoluído.
Balkin em seguida submeteu um pedido de inclusão de toda a atmosfera na lista de patrimônio mundial mantida pela Unesco. A artista prevê que o projeto ilustre ao menos parcialmente a complexidade e as contradições inerentes a esses processos. Diversas outras iniciativas planejam empregar o poder da arte para chamar a atenção para a crise ambiental cada vez mais grave e iminente que enfrentamos. A Sociedade Real Britânica de Incentivo à Arte, Indústria e Comércio está trabalhando em parceria com o Conselho das Artes da Inglaterra para criar um programa de eventos envolvendo artistas, ecologistas e cientistas que participem de trabalhos ecológicos.
E a Platform, que está em operação há 20 anos, uniu ambientalistas, artistas, defensores dos direitos humanos e ativistas comunitários, entre outros, para criar projetos inovadores propelidos pela necessidade de lutar por justiça social e ambiental. O mercado de arte contemporânea é governado pelo dinheiro e por interesses escusos. Em uma arena regulamentada de maneira tão estreita, é difícil para qualquer artista preservar a integridade de sua visão.

Resposta estética
Para os integrantes do novo movimento, como para os artistas românticos do século 19, abandonar a metrópole e trabalhar na periferia ecológica indica que nossa sociedade está renovando suas crenças utópicas. Os artistas que optam por trabalhar dessa forma crêem que a arte é capaz (muitas vezes com mais facilidade que a ciência) de aprofundar a compreensão do mundo natural e do papel que devemos exercer nele.
Uma resposta estética à natureza é o barômetro do senso de conexão universal de uma sociedade -um senso que se relaciona diretamente com futuras estratégias que venhamos a escolher para manter a sustentabilidade ecológica do planeta. Diz-se muitas vezes que as florestas são os pulmões do planeta, e talvez os artistas possam vir a se tornar os guardiões de sua alma. Este texto foi publicado na "New Statesman". Tradução de Paulo Migliacci.

LIVRO - "Land, Art - A Cultural Ecology Handbook" (Terra, Arte - Manual de Ecologia Cultural), de Max Andrews. Ed. Royal Society for the Encouragement of Arts. 280 págs., 20, R$ 82.

INTERNET - Obtenha mais informações sobre arte e ecologia em www.thersa.org/arts


Texto Anterior: "Sex and the City" aos 60
Próximo Texto: Conheça os artistas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.