São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Ponto de fuga

Ada, Ada, Ada

Alex Katz não se importou com as pressões das hegemonias artísticas, conhecia seu caminho e nunca se afastou dele; permaneceu figurativo desde o início

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

C entral Park sob a neve, os lagos gelados. Alguns nova-iorquinos passeiam com seus cachorros. A leste corre a Quinta Avenida, em que há uma concentração de museus: o Metropolitan, com enormes escadarias e seu interior confortável; o Guggenheim, que esconde suas espirais sob andaimes de uma reforma. Logo depois, o Jewish Museum, voltado para a cultura judaica. Ele apresenta a mostra "Alex Katz Paints Ada". Quadros enormes e luminosos repetem a mesma figura feminina. Ada (leia-se eida) é a mulher do pintor e sua musa desde 1958. Durante quase 50 anos, Alex Katz pintou centenas de retratos de Ada.
Alex Katz é judeu, mas os vínculos de seus quadros com as tradições judias, se existem, são subterrâneos. Sua arte é aristocrática, tem a elegância desenvolta e frívola do dândi. A moda está presente; ela pontua o tempo que passa. Nas telas, a superficialidade voluntária da imagem se confirma pelo próprio tratamento pictórico: brilho das cores vivas, recusa do modelado e conseqüente anulação dos relevos. Tudo em superfície, portanto. Tudo em profundidade, porém. Aquela profundidade que desdenha os paroxismos sentimentais.
Âncora
Ada é a principal obsessão desse pintor obsessivo. Katz não se importou com as pressões das hegemonias artísticas.
Conhecia seu caminho e nunca se afastou dele. Permaneceu figurativo desde o início, quando recusar a abstração significava um verdadeiro suicídio artístico. Controlou sempre a mão precisa, mesmo quando a ordem geral impunha a gestualidade livre e aleatória. Manteve-se fiel às nobres tradições da pintura a óleo, aos seus matizes infinitos e insubstituíveis.
De quadro em quadro, as imagens de Ada insistem em sugestões além da palavra. Ela surge segura, tranqüila, contida, evidentemente elegante. Mas eis que Ada se vai, de costas, num barco. Ou, sobre ela, a chuva cai em gotas enormes, como lágrimas. Ou, num espantoso enquadramento, é mostrada com seu filho Vincent; dos dois, só se vê a parte superior da cabeça, os olhos sobretudo.
Apreensão, angústia nesses olhares. No começo do século 20, Käthe Kollwitz [1867-1945] explorou, com expressividade eloqüente, o tema da maternidade dolorosa. No quadro de Alex Katz, de 1967, nem expressionismo, nem eloqüência: apenas a frontalidade estrita, em close-up sobre uma grande tela. Mas os olhos, ah!, os olhos...
Velinhas
Alex Katz fez 80 anos. A exposição no Jewish Museum marca a data. Em Dublin, na Irlanda, ele é celebrado por uma outra: Alex Katz: New York. Deve ser também esplêndida.
O catálogo revela, entre outras obras, a série "Man in a White Shirt", variações sobre a imagem masculina, com modelos tratados sempre na mesma postura. Seus olhares desviando-se do espectador e perdendo-se no vazio.
Smiles
A galeria Peter Blum (em Chelsea, Nova York) reúne também um ciclo de pinturas de Alex Katz. Elas datam de 1993-4. Grandes formatos exibem rostos femininos (um deles é Ada) que sorriem.
Katz declarou: Quando eu vi pela primeira vez a pintura de Leonardo, a ‘Mona Lisa’, fiquei desapontado. A pintura real, física, não parece ser muito interessante. A superfície das pinceladas parecia bastante pobre, mas a imagem era inesquecível. Todos falam a respeito do sorriso, mas você percebe que o sorriso está congelado. São os olhos que estão vivos. No fim das contas, parecia que Leonardo estivesse olhando para você por trás de uma máscara".
"Ada and Vincent" (1967), detalhe de tela de Alex Katz
Divulgação

jorgecoli@uol.com.br


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