São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Mistério italiano

Texto atribuído a Pasolini reabre especulações sobre o assassinato do cineasta e escritor em 1975

EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO

Um suposto capítulo desaparecido do romance "Petróleo" -livro inacabado de Pier Paolo Pasolini- é apontado como uma das hipóteses para explicar a morte do cineasta, poeta e escritor italiano, assassinado em 2 de novembro de 1975.
O senador e bibliófilo italiano Marcello Dell'Utri afirmou, no começo de março, que iria apresentá-lo durante a Mostra do Livro Antigo, em Milão.
Dell'Utri declarou à imprensa italiana que o texto, que segurou "por alguns minutos, esperando poder lê-lo com calma depois", lhe foi apresentado por uma pessoa cuja identidade não foi, até agora, revelada.
"Creio que o capítulo tenha sido roubado do escritório de Pasolini. É inquietante para a ENI [companhia petrolífera italiana], de grande interesse, porque se liga à história do país, a Eugenio Cefis, à morte misteriosa de Enrico Mattei e do próprio Pasolini", disse. Cefis e Mattei são ex-diretores da empresa.
No entanto, o texto não apareceu e Dell'Utri, reafirmando tê-lo visto, declarou à imprensa que a pessoa que lhe havia prometido o capítulo desapareceu.
O anúncio do senador -que é aliado do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi e foi condenado pela Justiça, em 2004, a nove anos de prisão por ligações com a Máfia- motivou especulações sobre o que, de fato, teria ocorrido na noite em que Pasolini foi barbaramente assassinado.
Intitulado "Lampi sull'ENI" (Relâmpagos sobre a ENI), o suposto capítulo do livro no qual Pasolini trabalhava quando morreu trataria de questões políticas e criminais envolvendo o conglomerado energético italiano, Eugenio Cefis e Enrico Mattei.
A primeira edição italiana de "Petróleo" (ed. Einaudi, 1992) tem mais de 500 páginas e foi organizada na forma de "appunti" (anotações) por Graziella Chiarcossi, sobrinha e herdeira de Pasolini, e Aurelio Roncaglia.
Estrutura-se como um romance e narra a história de um engenheiro da ENI que tem dupla personalidade -católico e empenhado, de um lado, e sensual e diabólico, do outro. A empresa é descrita como um centro de poder obscuro.
Além disso, Pasolini discute no livro temas como a mutação antropológica -que, segundo ele, nivelava as diferenças na formação de uma nova burguesia-, o desaparecimento do subproletariado e a identificação dos democratas cristãos com os fascistas.
O capítulo desaparecido discutiria a relação entre o então diretor da ENI Eugenio Cefis e atentados ligados à indústria petroleira e tramas internacionais.

Morte reexaminada
O caso envolvendo o suposto capítulo desaparecido do último livro de Pasolini motivou novas investigações sobre a morte trágica do cineasta.
A apuração, ainda nos anos 1970, concluiu que ele foi assassinado por Giuseppe (Pino) Pelosi, 17, em Ostia, cidade próxima a Roma, no Dia de Finados.
O adolescente confessou o crime, relatando, à época, que o matou após um encontro no qual Pasolini, homossexual declarado, quis, forçadamente, manter relações sexuais com ele. Os dois se agrediram e então Pelosi, de posse do carro de Pasolini, passou "acidentalmente" o veículo sobre o seu corpo caído numa estrada.
O jovem foi condenado pela Justiça. Porém, em entrevista a uma emissora de TV italiana, em 2005, Pelosi declarou ser inocente. "Não matei Pasolini. Hoje não tenho medo. Os que me ameaçaram e ameaçaram minha família estão velhos ou mortos", afirmou.
A perícia apontou, durante a apuração, a possibilidade de participação direta de outras pessoas na morte do cineasta.
Reaberto em 2009 pela polícia de Roma, o caso teria uma nova testemunha que, segundo o jornal "La Repubblica" do último dia 2, está disposta a declarar que Pasolini não foi morto apenas por Pino Pelosi.


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