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Ponto de Fuga
Sulcos e marcas
Maria Bonomi formou-se, desde criança, junto ao "nonno" entalhador; depois, sua arte desabrochou em contato com persona-lidades formidáveis da cultura
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
No departamento de artes gráficas da Universidade Columbia, em
Nova York, a aluna de gravura
se irritou com certos colegas.
Vinham do jornalismo, da publicidade, da política. Perturbavam um pouco as aulas fazendo perguntas bobas e trabalhos precários. Pergunta ao
professor, Hans Müller, se esses estudantes iriam se tornar
gravadores. Veio a resposta:
"Ah, não, estão aqui para ganhar pontos, essa área da gravura dá muitos pontos porque
ensina a pensar".
De fato, a gravura solicita a
reflexão. É preciso calcular,
premeditar o resultado final,
que irá surgir depois da impressão, pois não se encontra
de imediato na matriz trabalhada. A gravura suporta mal o
traço que improvisa, o lirismo
da linha espontânea. É preciso
controlar o gesto que marca e
não pode ser apagado.
Mas o gravador se vê obrigado a conjugar essa exigência
mental com a prática, manual e
complexa, do artesão. As matrizes impõem a resistência de
suas matérias, que a mão deve
conhecer, negociando com
suas oposições, intuindo suas
docilidades.
Quem conta a historinha de
Hans Müller sobre as faculdades reflexivas da gravura é Maria Bonomi, que era então a jovem aluna.
Está num livro de tamanho
bom, nem grande demais como
certos mastodontes difíceis de
guardar, nem tão pequeno que
prejudique as reproduções. É
bonito, com sóbria diagramação e alta qualidade das imagens. Reúne documentação sobre uma história que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva. Seu título: "Maria Bonomi
-Da Gravura à Arte Pública"
(Edusp/Imprensa Oficial do
Estado de SP, organizado por
Mayra Laudanna, com participação de Leon Kossovitch).
Goiva
"Maria Bonomi - Da Gravura
à Arte Pública" não presta uma
homenagem à grande artista.
Faz muito mais do que isso.
Traz ensaios seus que abarcam
a questão da arte pública. São
interrogações complexas: os
vínculos entre a obra e a cidade,
a adequação das formas e dos
materiais, as inflexões culturais
coletivas e específicas. Tudo
tratado com grau elevado de
pensamento, apoiado em cultura ampla, vivida.
Traz também depoimentos,
em linguagem tão bonita e tão
justa. Assim, por exemplo:
"Sempre gostei de cortes retos,
sem bruma". Maria Bonomi fala de sua arte e conta também
sua trajetória artística.
Formou-se, desde criança,
junto ao "nonno" entalhador,
que havia freqüentado uma escola de artes e ofícios em Lucca,
na Itália, e trabalhava aqui no
Brasil. Depois, sua arte desabrochou em contato com personalidades formidáveis da cultura brasileira e internacional, lista impressionante, que surge
em sua narração com naturalidade e sem a menor sombra de
esnobismo.
O livro reproduziu muitos
documentos em excelente fac-símile. Eles trazem o aspecto
material do papel, dos manuscritos, dos artigos recortados e
amarelecidos, permitindo chegar mais perto do universo artístico ao qual Maria Bonomi
pertence e do qual é uma estrela maior.
Formão
"A gravura nunca é frívola,
porque ela é basicamente irreversível." "A gravura é essencialmente uma incisão." A primeira frase é de Renina Katz; a segunda, de Evandro Carlos
Jardim. Elas inspiraram a Maria Bonomi um trecho de referência sobre a arte do gravador.
Buril
"A arte tem que alcançar o
maior número possível de pessoas." Essa frase simples de
Maria Bonomi une suas duas
atividades mais importantes: a
gravura, que é um múltiplo, e a
arte pública, que se destina a
todos.
jorgecoli@uol.com.br
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