São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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Ponto de Fuga

Sulcos e marcas


Maria Bonomi formou-se, desde criança, junto ao "nonno" entalhador; depois, sua arte desabrochou em contato com persona-lidades formidáveis da cultura

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

No departamento de artes gráficas da Universidade Columbia, em Nova York, a aluna de gravura se irritou com certos colegas.
Vinham do jornalismo, da publicidade, da política. Perturbavam um pouco as aulas fazendo perguntas bobas e trabalhos precários. Pergunta ao professor, Hans Müller, se esses estudantes iriam se tornar gravadores. Veio a resposta: "Ah, não, estão aqui para ganhar pontos, essa área da gravura dá muitos pontos porque ensina a pensar".
De fato, a gravura solicita a reflexão. É preciso calcular, premeditar o resultado final, que irá surgir depois da impressão, pois não se encontra de imediato na matriz trabalhada. A gravura suporta mal o traço que improvisa, o lirismo da linha espontânea. É preciso controlar o gesto que marca e não pode ser apagado.
Mas o gravador se vê obrigado a conjugar essa exigência mental com a prática, manual e complexa, do artesão. As matrizes impõem a resistência de suas matérias, que a mão deve conhecer, negociando com suas oposições, intuindo suas docilidades.
Quem conta a historinha de Hans Müller sobre as faculdades reflexivas da gravura é Maria Bonomi, que era então a jovem aluna. Está num livro de tamanho bom, nem grande demais como certos mastodontes difíceis de guardar, nem tão pequeno que prejudique as reproduções. É bonito, com sóbria diagramação e alta qualidade das imagens. Reúne documentação sobre uma história que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva. Seu título: "Maria Bonomi -Da Gravura à Arte Pública" (Edusp/Imprensa Oficial do Estado de SP, organizado por Mayra Laudanna, com participação de Leon Kossovitch).

Goiva
"Maria Bonomi - Da Gravura à Arte Pública" não presta uma homenagem à grande artista. Faz muito mais do que isso.
Traz ensaios seus que abarcam a questão da arte pública. São interrogações complexas: os vínculos entre a obra e a cidade, a adequação das formas e dos materiais, as inflexões culturais coletivas e específicas. Tudo tratado com grau elevado de pensamento, apoiado em cultura ampla, vivida.
Traz também depoimentos, em linguagem tão bonita e tão justa. Assim, por exemplo: "Sempre gostei de cortes retos, sem bruma". Maria Bonomi fala de sua arte e conta também sua trajetória artística.
Formou-se, desde criança, junto ao "nonno" entalhador, que havia freqüentado uma escola de artes e ofícios em Lucca, na Itália, e trabalhava aqui no Brasil. Depois, sua arte desabrochou em contato com personalidades formidáveis da cultura brasileira e internacional, lista impressionante, que surge em sua narração com naturalidade e sem a menor sombra de esnobismo.
O livro reproduziu muitos documentos em excelente fac-símile. Eles trazem o aspecto material do papel, dos manuscritos, dos artigos recortados e amarelecidos, permitindo chegar mais perto do universo artístico ao qual Maria Bonomi pertence e do qual é uma estrela maior.

Formão
"A gravura nunca é frívola, porque ela é basicamente irreversível." "A gravura é essencialmente uma incisão." A primeira frase é de Renina Katz; a segunda, de Evandro Carlos Jardim. Elas inspiraram a Maria Bonomi um trecho de referência sobre a arte do gravador.

Buril
"A arte tem que alcançar o maior número possível de pessoas." Essa frase simples de Maria Bonomi une suas duas atividades mais importantes: a gravura, que é um múltiplo, e a arte pública, que se destina a todos.


jorgecoli@uol.com.br


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