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Inglês inglório
FUTURO DA LÍNGUA MAIS INFLUENTE DO MUNDO NÃO SERÁ MOLDADO POR
EUA OU REINO UNIDO, MAS POR FALANTES DE PAÍSES COMO ÍNDIA E CHINA
HENRY HITCHINGS
Qual é o futuro do
inglês? Aqui estão
algumas declarações que eu li, ouvi
ou captei recentemente: "Se você não fala inglês,
não pode se sentir parte do
mundo", "o inglês não passa de
um feio símbolo da supremacia
branca", "toda essa imigração
incontida está transformando
uma língua que já foi bela em
uma espécie de vira-lata", "o
verdadeiro inglês está sendo
cada vez mais diluído", "no futuro, todos vamos falar uma
única língua: a nossa".
Como sugerem essas evidências esparsas, as declarações
sobre a língua geralmente são
carregadas de opiniões políticas. As pessoas costumam
identificar sua própria língua
como preciosa -uma personificação de sua herança, uma
medida de sua prosperidade.
Elas vêem as outras línguas como rivais ou perigosas intrusas.
E os usuários nativos do inglês se orgulham em especial
por saberem que o idioma de
Shakespeare e dos Simpsons
está se transformando no falar
soberano mundial.
Mas o pensamento popular
sobre a língua tende a ser míope. Os livros, artigos e reportagens sobre o assunto em geral
adotam uma de três formas.
Em primeiro lugar, há o lamento sobre o declínio do ponto-e-vírgula ou a proliferação
de infinitivos divididos por advérbio. Depois há a abordagem
arqueológica, em que a história
da língua é garimpada.
Em terceiro lugar, há o método curatorial, em que estranhezas lingüísticas são expostas
como peças de museu. Você sabia que "clone" vem da palavra
grega que significa "broto"?
"The Fight for English - How
Language Pundits Ate, Shot
and Left" [A Luta pelo Inglês,
Oxford University Press, 239
págs., 6,99, R$ 23], de David
Crystal, pertence ao primeiro
grupo e se concentra nas mudanças ocorridas na língua.
No entanto Crystal, um renomado acadêmico com um
toque populista, é o oposto do
"purista" estreito que treme ao
ver uma palavra recém-adotada. Como diz, "não conhecemos uma língua "pura'". O
mundo dos idiomas é um cadinho de fundição, segundo ele, e
não uma tigela de salada.
Crystal indica que os guardiães da língua "apropriada"
invariavelmente erram, mas os
pedantes são úteis "para nos
alertar sobre as maneiras como
a modificação da língua pode
criar dificuldades".
Crystal também tem um histórico de contribuição à arqueologia do idioma. Sua obra
de 2005 "The Stories of English" [As Histórias do Inglês]
faz um relato convincente de
seu desenvolvimento.
Ao invés de ser monolítico, o
inglês existe em muitas variedades. Há uma clara diferença
entre a gíria do hip hop e a terminologia profissional de um
advogado ou entre as formas
faladas em Manchester, Mumbai, Melbourne e Manila.
A tese é revigorada em "A
Luta pelo Inglês": ninguém
mais é dono do inglês. Mas isso
não impede que os falantes nativos se agarrem à ilusão de que
cabe somente a eles moldar o
destino do idioma.
Idioma vulnerável
A variedade também é o tema
do vibrante e informativo "Semantic Antics - How and Why
Words Change Meaning" [Extravagâncias Semânticas, Random House, 288 págs., US$
14,95, R$ 25], de Sol Steinmetz,
que celebra a mutabilidade do
inglês. Steinmetz observa que,
se cada palavra tivesse apenas
um significado, "ficaríamos paralisados pelo bloqueio verbal".
Os significados se sobrepõem
em camadas -as palavras são
arquivos.
Mas, embora Steinmetz seja
intrigante e Crystal, judicioso,
ambos tratam de preocupações
conhecidas. Por outro lado,
"English Next" [Inglês a Seguir,
British Council, 132 págs., download grátis em www.britishcouncil.org/learning-research-english-next.pdf],
de David Graddol, é algo completamente diferente.
Na verdade, não é um livro
no sentido convencional, pois
só está disponível para download. É uma das mais importantes discussões sobre a língua inglesa dos últimos 20 anos, mas desconfio de que
poucas pessoas o conheçam.
Um motivo talvez seja o fato
de ser publicado pelo British
Council, a corporação educacional criada em 1934 para
"construir relações culturais e
educacionais mutuamente benéficas entre o Reino Unido e
outros países e aumentar o
apreço pelas idéias criativas e
realizações do Reino Unido".
Diante disso, você poderia
pensar que "Inglês a Seguir" seria um exercício de patriotismo. Não é.
O estudo de Graddol explora
tendências recentes no uso do
inglês, para desenvolver uma
idéia de como a língua pode
mudar durante duas gerações.
Seu principal argumento é o
de que, ao contrário da crença
popular, a atual posição global
do inglês está longe de ser invulnerável. No prefácio, Neil
Kinnock, presidente do British
Council, ressalta a conclusão
do estudo de que os universitários britânicos que não falam
outra língua além de inglês
"enfrentam um sombrio futuro
econômico".
Em princípio isso parece improvável. O inglês é a língua nativa de cerca de 400 milhões de
pessoas e é falado, com algum
grau de fluência, por talvez outros 600 milhões. O número
dos que estão empenhados em
aprender o idioma se aproxima
rapidamente de 2 bilhões.
Há alguns fatos inevitáveis
sobre o papel global do inglês.
Ele domina a diplomacia, o comércio e a navegação, assim como a indústria do entretenimento e a cultura jovem.
É a língua franca da computação e da tecnologia, da ciência e da medicina, e é proeminente nos negócios e nas academias internacionais. É o
idioma de trabalho da ONU.
E, talvez com menos glamour, é a língua oficial das instruções de segurança aérea e
do controle de tráfego aéreo.
Estamos acostumados a ouvir falar sobre a globalização e a
americanização (e portanto a
anglicização) da cultura popular. Os adversários dessas forças percebem a disseminação
do inglês como imperialismo
lingüístico, que destrói as tradições e identidades culturais.
Os que temem essa disseminação a relacionam ao cristianismo, ao colonialismo e ao intervencionismo político e militar norte-americano.
Mas isso é verdade? Por um
lado, a difusão do inglês pode
ser associada a alfabetização,
democracia, modernidade e
oportunidades de trabalho.
Por outro, o fato de que o número de falantes nativos já é
superado -e em um futuro
próximo será "significativamente" superado- levanta algumas preocupações.
Em um nível prático, podemos ver que o inglês é influenciado pela imigração, a mudança de atitudes em relação à educação, novas tecnologias e
aspectos da economia moderna como a terceirização.
Grande parte disso acontece
de maneiras que os falantes nativos não podem controlar. Enquanto o inglês cada vez mais
se torna a língua dos negócios,
os falantes nativos sentem, de
modo muito compreensível,
que estão levando vantagem.
Mas a discussão muitas vezes
transcorre mais suavemente
quando os falantes nativos
saem da sala -os procedimentos não são enlameados por expressões idiomáticas e pelo uso
intuitivo e impensado da gíria.
A conversa entre falantes
não-nativos pode ser mais direta e pragmática -provavelmente correta, mas simplificada e funcional. As pessoas que se consideram facilitadoras
são, na verdade, obstáculos.
Isso fica cada vez mais evidente para os falantes não-nativos, e está tendo um impacto
no ensino de inglês como língua estrangeira.
Novo padrão
De fato, a própria noção do
inglês como "estrangeiro" está
se tornando obsoleta. O inglês é
cada vez mais considerado uma
parte necessária da educação
básica. Em países tão diferentes quanto Coréia do Sul, Estônia e Chile, o bilingüismo é um
objetivo nacional.
Sim, nota Graddol, para os
novos estudantes de inglês a
"inteligibilidade é de primeira
importância, mais que uma
precisão comparável à dos nativos". As particularidades da
pronúncia nativa -características que estão estabelecidas,
mas que não têm importância
real para a compreensão, como
a articulação correta de um
som "th"- podem parecer sem
importância nesse contexto.
Os locais de ensino também
estão mudando: o computador
ou o shopping center podem
ser tão importantes quanto o
que ocorre na sala de aula.
Graddol vai além: "O aprendizado de inglês parece estar
perdendo sua identidade como
disciplina autônoma e se fundindo com a educação geral".
Muitos estudantes de inglês
não aprendem com falantes nativos. Por exemplo, como Graddol nota, na década de 1990 a
China empregou belgas para
ensinar inglês porque eles
eram mais sensíveis às dificuldades da educação bilíngüe.
Esse tipo de prática está
criando um novo padrão internacional de inglês, em que os
falantes nativos têm um papel
minoritário. Uma consideração
relacionada é esta: os falantes
de inglês nativos tendem a ser
complacentes sobre aprender
línguas estrangeiras, porque há
uma idéia geral de que basta ser
proficiente em inglês.
Os outros se esforçarão para
aprender inglês -nós não precisamos realmente ser recíprocos. Quanto mais disseminada
a capacidade de falar inglês, porém, menos isso será um dado
diferencial.
Se falar inglês está se tornando um requisito básico para fazer negócios, haverá vantagem
para os que também falarem
outras línguas -o britânico ou
o americano monoglota parecerão comparativamente desqualificados.
"Inglês a Seguir" é um apelo à
ação. Aprender outros idiomas
é essencial. Mas, em vez das aulas tradicionais de francês e alemão, os falantes nativos de inglês deveriam aprender árabe ou mandarim -ou mesmo português, russo ou espanhol.
Além disso, o centro de gravidade do inglês se deslocou. O
futuro da língua parece que será moldado não tanto na Grã-Bretanha ou nos EUA, mas na
China e na Índia, por uma florescente classe média de trabalhadores urbanos.
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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