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+ arte
A segunda pele
Exposição
em Paris apresenta obras produzidas com temática indicada pelo patrocinador e põe em xeque relação arte-mercado
BÉRÉNICE BAILLY
A
exposição tem um
certo ar de templo
new age ou de casa
noturna na periferia de Nova York:
bem-vindos ao espaço "privatizado" do Palais de Tokyo.
Reservado a eventos organizados em parceria com grupos
privados, o primeiro andar da
instituição parisiense recebe,
como todos os anos, as obras
dos alunos do Pavillon, a escola
de arte a ele integrada. Mas a
exposição deste ano, intitulada
"Ultra Peau" [Ultra Pele], em
nada se assemelha às precedentes. Patrocinada pela marca
de cosméticos Nivea, ela condensa todos os paradoxos do
mecenato contemporâneo.
A pedido da fabricante de
cosméticos, a pele, em todos os
seus estados, ocupa posição de
honra na exposição. O orçamento? Pode-se imaginar que
seja confortável, mas não foi
revelado. As obras? São vistas
de modo fugaz, contempladas à
distância através de elegantes
escotilhas, um eco, sem dúvida,
dos glóbulos de luz que iluminam a onipresente cenografia.
Também convidados para o
evento, artistas formados no
passado pelo Pavillon demonstraram certa resistência ao
projeto e reclamavam o direito
de pagar seus auxiliares com a
quantia que a exposição reservou à produção de suas obras.
O diálogo girava em torno de
uma questão: "O que você procuraria melhorar em sua vida
cotidiana com a ajuda da Nivea?". Foi assim que nasceu
uma "piscina de ervas" concebida no terraço do local de trabalho dos artistas, cercada de
espreguiçadeiras e guarda-sóis.
Essa iniciativa, sem dúvida a
mais interessante, infelizmente não recebeu o destaque merecido na exposição.
Quanto às videovariações livres sobre a temática da epiderme realizadas por alunos e
professores, é preciso assisti-las deitado. A posição não é desagradável, mas o risco de cair
no sono... E aquele cheiro que
envolve o visitante já desde a
entrada? Seria possível jurar
que emana do famoso pote azul
de creme.
Mas a diretora de comunicação do Palais de Tokyo, Sofiane
le Bourhis, jura que se trata
apenas de uma ilusão. "Alguns
artistas trabalharam com odores, o cheiro do medo ou do desejo, mas certamente não com
o cheiro do creme." Um odor
subliminar, sem dúvida.
Estratégia antigueto
Mais que um julgamento estético, essa exposição suscita
um questionamento do impacto do financiamento privado
sobre a programação dos espaços de arte. Desde sua criação, o
Palais de Tokyo obtém metade
de suas verbas de patrocinadores (da Audi à Hugo Boss).
"Para nós, esse modo de financiamento está longe de
constituir um entrave; representa, antes, uma oportunidade", diz Le Bourhis. "Mesmo
que ocasionalmente possa causar certos danos colaterais."
O serviço de comunicação
prefere ver o lado positivo das
coisas. "Promover o contato
entre a arte e as empresas nos
conduz a inventar situações
novas. Isso nos permite arremessar a arte à sociedade civil,
reaproximar dois mundos que
jamais se falam. É parte de nossa estratégia antigueto. Todas
as mídias são boas para criar
um caminho em direção à arte,
e essa é a nossa missão de serviço público."
Com esse paradoxo: o setor
privado é necessário para que a
missão seja realizada. Será que
o selo azul bastará para atrair
visitantes novos? "Nossa freqüência cotidiana dobrou desde a abertura de "Ultra Pele",
porque se trata de um tema
universal." E talvez também
porque as revistas femininas
tenham se dedicado a promover o evento.
Em termos de marketing, se
trata de um negócio em que todos saem ganhando: "A Nivea
encontra ocasião de modificar
a maneira pela qual as pessoas
encaram a pele; quanto aos artistas, eles passam enfim a ser
considerados tão criativos
quanto os criadores de publicidade, o que é uma evolução bastante positiva. Hoje em dia, em
lugar de recorrer a uma agência
de publicidade ou de promoção, as empresas recorrem
mais e mais a artistas plásticos;
vão diretamente à fonte".
Vimos, de fato, executivos
importantes da Coca-Cola em
visita à exposição "Nossa História", em busca de idéias novas, a conselho do presidente
da empresa. "O problema essencial da gestão contemporânea é sua incapacidade de renovar idéias, de antecipar. Quem
melhor do que um artista para
contribuir nesse sentido? A arte é a abertura do campo das
possibilidades."
Antes, para estimular o espírito de equipe e a inovação, colegas de trabalho eram convidados a brincar juntos, saltando em camas elásticas. Agora,
vão ao Palais de Tokyo.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci.
As imagens da exposição "Ultra Pele" podem ser vistas no site
www.ultrapeau.fr
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