São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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+ arte

A segunda pele

Exposição em Paris apresenta obras produzidas com temática indicada pelo patrocinador e põe em xeque relação arte-mercado

BÉRÉNICE BAILLY

A exposição tem um certo ar de templo new age ou de casa noturna na periferia de Nova York: bem-vindos ao espaço "privatizado" do Palais de Tokyo.
Reservado a eventos organizados em parceria com grupos privados, o primeiro andar da instituição parisiense recebe, como todos os anos, as obras dos alunos do Pavillon, a escola de arte a ele integrada. Mas a exposição deste ano, intitulada "Ultra Peau" [Ultra Pele], em nada se assemelha às precedentes. Patrocinada pela marca de cosméticos Nivea, ela condensa todos os paradoxos do mecenato contemporâneo.
A pedido da fabricante de cosméticos, a pele, em todos os seus estados, ocupa posição de honra na exposição. O orçamento? Pode-se imaginar que seja confortável, mas não foi revelado. As obras? São vistas de modo fugaz, contempladas à distância através de elegantes escotilhas, um eco, sem dúvida, dos glóbulos de luz que iluminam a onipresente cenografia.
Também convidados para o evento, artistas formados no passado pelo Pavillon demonstraram certa resistência ao projeto e reclamavam o direito de pagar seus auxiliares com a quantia que a exposição reservou à produção de suas obras.
O diálogo girava em torno de uma questão: "O que você procuraria melhorar em sua vida cotidiana com a ajuda da Nivea?". Foi assim que nasceu uma "piscina de ervas" concebida no terraço do local de trabalho dos artistas, cercada de espreguiçadeiras e guarda-sóis. Essa iniciativa, sem dúvida a mais interessante, infelizmente não recebeu o destaque merecido na exposição.
Quanto às videovariações livres sobre a temática da epiderme realizadas por alunos e professores, é preciso assisti-las deitado. A posição não é desagradável, mas o risco de cair no sono... E aquele cheiro que envolve o visitante já desde a entrada? Seria possível jurar que emana do famoso pote azul de creme.
Mas a diretora de comunicação do Palais de Tokyo, Sofiane le Bourhis, jura que se trata apenas de uma ilusão. "Alguns artistas trabalharam com odores, o cheiro do medo ou do desejo, mas certamente não com o cheiro do creme." Um odor subliminar, sem dúvida.

Estratégia antigueto
Mais que um julgamento estético, essa exposição suscita um questionamento do impacto do financiamento privado sobre a programação dos espaços de arte. Desde sua criação, o Palais de Tokyo obtém metade de suas verbas de patrocinadores (da Audi à Hugo Boss).
"Para nós, esse modo de financiamento está longe de constituir um entrave; representa, antes, uma oportunidade", diz Le Bourhis. "Mesmo que ocasionalmente possa causar certos danos colaterais."
O serviço de comunicação prefere ver o lado positivo das coisas. "Promover o contato entre a arte e as empresas nos conduz a inventar situações novas. Isso nos permite arremessar a arte à sociedade civil, reaproximar dois mundos que jamais se falam. É parte de nossa estratégia antigueto. Todas as mídias são boas para criar um caminho em direção à arte, e essa é a nossa missão de serviço público."
Com esse paradoxo: o setor privado é necessário para que a missão seja realizada. Será que o selo azul bastará para atrair visitantes novos? "Nossa freqüência cotidiana dobrou desde a abertura de "Ultra Pele", porque se trata de um tema universal." E talvez também porque as revistas femininas tenham se dedicado a promover o evento.
Em termos de marketing, se trata de um negócio em que todos saem ganhando: "A Nivea encontra ocasião de modificar a maneira pela qual as pessoas encaram a pele; quanto aos artistas, eles passam enfim a ser considerados tão criativos quanto os criadores de publicidade, o que é uma evolução bastante positiva. Hoje em dia, em lugar de recorrer a uma agência de publicidade ou de promoção, as empresas recorrem mais e mais a artistas plásticos; vão diretamente à fonte".
Vimos, de fato, executivos importantes da Coca-Cola em visita à exposição "Nossa História", em busca de idéias novas, a conselho do presidente da empresa. "O problema essencial da gestão contemporânea é sua incapacidade de renovar idéias, de antecipar. Quem melhor do que um artista para contribuir nesse sentido? A arte é a abertura do campo das possibilidades."
Antes, para estimular o espírito de equipe e a inovação, colegas de trabalho eram convidados a brincar juntos, saltando em camas elásticas. Agora, vão ao Palais de Tokyo.


Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci.

As imagens da exposição "Ultra Pele" podem ser vistas no site www.ultrapeau.fr


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