São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

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+cultura

A guerra particular


Obra lançada nos EUA disseca o fenômeno Anne Frank, cujo diário se tornou leitura obrigatória e inspirou peças e filmes


JANET MASLIN

Em "Anne Frank - The Book, the Life, the Afterlife" [Anne Frank - O Livro, a Vida, o Pós-Vida, ed. Harper, 322 págs., US$ 24,99, R$ 44], Francine Prose usa seus formidáveis poderes de discernimento para escrever de maneira incisiva sobre muitas facetas do fenômeno Anne Frank [1929-45] -de sua própria vida às diversas maneiras como foi propositalmente distorcida.

Escritora precoce
Se existe um ponto central sobre Anne é que ela foi uma escritora precocemente autoconsciente, mais que uma diarista ingênua e espontânea. É preciso ser uma verdadeira escritora, indica Prose, para esconder a mecânica de seu trabalho e parecer como se estivesse simplesmente falando para seus leitores.
De maneira semelhante, é necessário uma explicadora talentosa para dar a impressão de que está apresentando seus argumentos em uma conversa, e não criando arengas complexas e cheias de pesquisas para apoiá-los.
O "Anne Frank" de Prose não tem firulas nem ilusões. Certamente não pretende ser a obra definitiva sobre o assunto. Em lugar disso, utiliza e sintetiza algumas das observações mais precisas feitas sobre Anne por escritores como John Berryman, Philip Roth, Judith Thurman, Cynthia Ozick e Harold Bloom, parecendo extrair os pensamentos mais sucintos e provocativos de cada um deles.
O livro de Prose usa uma estrutura direta, começando por um capítulo que explica as circunstâncias que levaram Anne a passar mais de dois anos escondida no anexo secreto de um edifício em Amsterdã.
"Pornografia infantil" Então ela dedica capítulos à publicação do livro; à adaptação dele em uma peça da Broadway; à nova adaptação em um filme de Hollywood; ao modo como o livro foi usado nas escolas; e ao fato de ele ainda causar antipatia em certos círculos.
Acima e além de um esforço de pesquisa normal, Prose examinou os piores sites de ódio na internet, aqueles que privilegiam a palavra "embuste" ou chamam o livro de Anne Frank de obra de pornografia infantil.
A parte inicial sobre a vida de Anne é uma introdução relativamente sem surpresas, mas apanha os aspectos menos conhecidos da personalidade de Anne. E completa os meses finais que Anne, com quase 16 anos e presa em Bergen-Belsen [campo de concentração alemão], não pôde imortalizar no papel.
Prose também preenche as lacunas sobre o que aconteceu com as outras pessoas que dividiram o anexo com Anne, seus pais e sua irmã, Margot. E enfatiza o heroísmo daqueles que ajudaram esses judeus a sobreviver por tanto tempo.

Interferência
Prose também descreve as dificuldades para que o diário fosse publicado, não apenas nos EUA (onde alguém na editora Alfred A. Knopf o rejeitou como "um registro entediante de típicas brigas de família, mesquinharias e emoções de adolescente") mas também na Europa.
Ao abordar as versões para o teatro e o cinema da história de Anne, a autora analisa as tentativas de tornar a história mais feliz, mais delicada, mais dramática e mais "universal". Prose acredita que o livro é uma obra-prima escrita por uma artista complexa que morreu jovem demais. Esta obra aparentemente estreita é uma obra crítica de alcance impressionante, um estudo elegante, ao mesmo tempo construtivo e interessante.
Este é um exemplo nota dez daquilo que uma professora inteligente, precisa e apaixonada pode fazer.

A íntegra deste texto foi publicada no "The New York Times".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.



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