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Linda, leve e solta
Escritos entre 1947 e 63, "Diários" revelam uma Susan Sontag sem preocupações políticas
e buscando entender a
si mesma
MARIA RITA KEHL
ESPECIAL PARA A FOLHA
A abertura do diário
da ensaísta norte-americana Susan
Sontag escrito por
ocasião de sua visita
a Hanói revela que a idade e a
fama não diminuíram a exigência de sinceridade nem os exames de consciência que caracterizam seus textos.
"Viagem a Hanói", publicado
em 1969 em "A Vontade Radical", começa com o questionamento da "opositora apaixonada da agressão americana no
Vietnã" sobre suas motivações
ao aceitar o convite para visitar
o Vietnã do Norte.
"Não sou nem jornalista nem
ativista política, (...) tampouco
especialista em Ásia, mas acima de tudo uma autora teimosamente não especializada que,
até aqui, tem sido em grande
parte incapaz de incorporar em
seus romances ou ensaios suas
concepções políticas radicais e
seu senso de dilema moral, por
ser uma cidadã do império
americano."
Masturbação intelectual
Vinte anos antes de "A Vontade Radical" (Cia. das Letras),
a "autora teimosamente não
especializada" já se mostrava
antiacadêmica. Aos 17 anos escrevia em seu diário: "Não vou
lecionar nem fazer o mestrado
depois da graduação... Não pretendo deixar que o meu intelecto me domine, e a última coisa
que quero é cultuar o conhecimento ou as pessoas que têm
conhecimento!".
Mais tarde, em 1962, depois
de ter estudado um ano em Paris com bolsa de pós-graduação: "Para mim, dar aula é uma
masturbação intelectual".
Os diários da adolescência e
da juventude de Susan Sontag,
organizados depois de sua morte pelo filho dela, David Rieff,
vão de 1947 a 1963. A paixão política do final da década de 1960
está completamente ausente
naquele período.
Sontag parece alheia a tudo o
que diz respeito ao pós-guerra,
nos EUA e na Europa: não há
menções ao macarthismo, à
Guerra Fria, a Cuba, ao Holocausto. Suas paixões intelectuais são literárias, vagamente
filosóficas e, de certa forma,
"psicológicas": intenso esforço
de entender a si mesma.
Conformismo
Atrevida, inteligente, desafiadora, a adolescente começa o
diário com uma profissão de
(não) fé:
"Eu acredito: a) que não existe nenhum deus pessoal nem
vida após a morte; b) que a coisa
mais desejável do mundo é a liberdade de ser verdadeiro para
si mesmo, ou seja, Honestidade; c) que a única diferença entre os seres humanos é a inteligência...".
Nas últimas páginas, já perto
dos 30 anos, o leitor encontrará
uma mulher mais conformista
e muito mais infeliz. Tudo o
que fez entre a primeira página
e a última, fruto do inegável talento que a teria "salvo de si
mesma", parecem ter sido esforços para compensar sua inabilidade no amor e no sexo.
O tom provocante dos primeiros anos foi aos poucos
substituído por uma escrita
pautada pela culpa: exames de
consciência exaustivos, listas
de decisões para o autoaperfeiçoamento, autoacusações
constantes e finamente inteligentes, relatos de suas humilhações amorosas.
Primeiro, com a arrebatadora Harriet, que a iniciou na vida
homossexual; a seguir com a
distante Irene Fornes, namorada de Susan de 1959 a 63. Bem-sucedida em todas as suas iniciativas intelectuais e profissionais, Susan Sontag parece perder-se no afã fracassado de
agradar às amantes: "(devo...)
amar a verdade mais que querer ser boa" (março de 1963).
O mesmo não aconteceu no
casamento com seu ex-professor de sociologia, Philip Rieff,
numa reação contra a homossexualidade recém-revelada
que ela demorou a assumir.
Em 21/11/50, Susan refere-se
ao convite do professor Rieff
para uma pesquisa; em dezembro, registra que está "namorando firme Philip Rieff".
Em 1951 seu diário tem apenas uma entrada: "Casei com
Philip com plena consciência +
medo de minha própria vontade apontada para a autodestrutividade". O ano seguinte passa
em branco, como se a vida conjugal tivesse anestesiado as inquietações de Susan, e em 1953
ela já se dá conta de que está na
vida errada. O encantamento
apaixonado por David, seu menino precoce, não a salva da infelicidade.
Em 1956 esboça algumas
"notas sobre o casamento":
"Casamento se baseia no princípio da inércia.// Proximidade
sem amor" etc.
Libertação
Em 1957, à beira da separação: "Duas pessoas algemadas
uma à outra perto de um monte
de esterco não deviam discutir". Em 1949, depois da primeira experiência homossexual e
antes de decidir entrar na linha
casando-se com Philip, ela escrevera: "Amar o corpo de alguém e usá-lo bem (...). Posso
fazer isso, eu sei, pois agora fui
libertada...". E depois do divórcio: "A vinda do orgasmo mudou a minha vida".
"Libertar-se" não foi fácil,
ainda que Susan já estivesse em
plena consonância com a onda
subterrânea de libertação dos
jovens que veio à tona na Europa e nos EUA em 1968.
O valor da sinceridade de
seus diários, para aqueles que
se pretendem escritores, ensaístas e críticos, é que a autora
nunca se ilude quanto à fonte
amorosa e sexual de todo impulso a escrever e de toda vontade (radical) de saber.
MARIA RITA KEHL é psicanalista e ensaísta, autora de "O Tempo e o Cão" (ed. Boitempo).
DIÁRIOS (1947-63)
Autora: Susan Sontag
Organização: David Rieff
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/
xx/ 11/ 3707-3500)
Quanto: R$ 51 (344 págs.)
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