São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O primeiro romance do crash

Passado na City, "Uma Semana em Dezembro", de Sebastian Faulks, anuncia a crise global de 2008

CHRISTIAN HOUSE

Apesar de seu sucesso, Sebastian Faulks adota uma abordagem resolutamente cínica quanto à escrita. Seus romances têm ritmo, dramaticidade, suspense e uma visão clara de tempo e lugar. Mas, na maioria, adotam uma forma tradicional e a refinam de acordo com os desejos do mercado.
O recente "A Week in December" [Uma Semana em Dezembro, ed. Hutchinson, 352 págs., 18,99, R$ 53] cria uma teia de narrativas para desenvolver uma história passada em sete dias de inverno na Londres de 2007.
Três personagens ocupam posições centrais. Um jovem e tristonho advogado, Gabriel, serve como compasso moral à história, determinado a viver uma existência truncada de preocupação com o irmão esquizofrênico e com sua falta de trabalho. Enquanto isso, Hassan, filho de um magnata muçulmano dos alimentos, se deixa seduzir por uma célula de terrorismo islâmico. Mas Hassan não é o vilão da história. Esse papel, apropriadamente, fica reservado a John Veales, um administrador de fundos que só se preocupa com números e quer fazer fortuna solapando o valor da libra.

Esboço
Faulks indaga o que a vida moderna oferece como alimento à alma e ao intelecto. A resposta? Quase nada. Hassan e Gabriel estão em busca da mesma coisa: uma identidade que tenha valor e propósito.
Mas produzir um arranjo narrativo assim fraturado requer domínio de técnicas de equilibrismo; se o autor se estende demais em um capítulo, o interesse pelos outros desaparece; se dedica atenção de menos, estará apresentando um esboço, e não um personagem. E é nessa última armadilha que Faulks se deixa apanhar.
Mas há dois momentos, neste romance de outro modo corriqueiro, que demonstram verdadeiro talento. O primeiro é quando Finn, o filho de Veales, fica alto após fumar maconha; é um divertido retrato de nossa obsessão vazia por estados alterados, quer induzidos pelas drogas, quer encontrados nos reinos virtuais da tecnologia.
Finn termina percebendo que deseja "desfumar a droga, retornar ao que, em criança, definia como "vida verdadeira'". Nos melhores momentos, o livro é um antiquado apelo por uma retomada de nossos caminhos, por um retorno a uma existência mais conectada. O segundo incidente sublinha o compreensível horror de Faulks diante da incapacidade de nossas instituições financeiras de adiar sua gratificação.
Em um evento político que homenageia os magnatas das finanças, o primeiro-ministro comenta a tenacidade da economia que eles construíram sobre areia movediça: "Aquilo que vocês fizeram pela City de Londres", anuncia, "pretendemos fazer agora pela economia britânica como um todo". Todos sabemos o resultado disso.

Este artigo foi publicado no "Independent".

Tradução de Paulo Migliacci.



Texto Anterior: +Lançamentos
Próximo Texto: +Autores: Perigos da obediência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.