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MENOS É MAIS
Pervez Masih - 5.fev.2006/Associated Press
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Integrantes de grupo religioso paquistanês queimam bandeira da Dinamarca em Hyderabad; abaixo, uma das 12 charges publicadas pelo jornal "Jyllands-Posten" |
LÍDERES MUNDIAIS INTENSIFICAM O IMPACTO DAS MINORIAS RADICAIS DENTRO DAS RELIGIÕES
DA REDAÇÃO
Enquanto um dos lados do
atual conflito se enxerga como civilização, o outro se vê
como religião, o que dificulta
a definição do tipo de choque vivido
atualmente. Apenas minorias islâmicas e ocidentais são hostis umas
às outras, mas a ação dessas minorias se radicaliza, levando a pensar
num conflito muito maior, envolvendo toda a sociedade de cada um
dos lados envolvidos. Isso é o que
defende o escritor norte-americano
Jack Miles, ganhador do Prêmio Pulitzer em 1996 por "Deus - Uma Biografia" e autor também de "Cristo"
(ambos pela Cia. das Letras).
Aqueles que lideram esses protestos desejam ativamente definir seus inimigos como cristãos e judeus
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Em entrevista à Folha por e-mail,
Miles apontou um fortalecimento
do fundamentalismo nas diferentes
religiões devido ao sofrimento de
muitas pessoas no mundo contemporâneo. Seja no islã, no catolicismo
-como visto na primeira encíclica
de Bento 16, "Deus É Amor"-, no
protestantismo do governo puritano
de George W. Bush ou outros credos, diz Miles.
"Fellow" da MacArthur Foundation, Miles é um ex-seminarista formado na Pontifícia Universidade
Gregoriana (Itália) e na Universidade Hebraica de Jerusalém, com doutorado em idiomas do Oriente Médio em Harvard. Para ele, o excesso
de religiões é uma das causas de
muitos dos conflitos gerados em todo o mundo, embora as considere
fundamentais para a sobrevivência
da humanidade. "Temos que conviver com a permanência das religiões
em vez de sonhar o sonho tolo de
deixá-las completamente para trás."
(DANIEL BUARQUE)
Folha - O sr. acha que os protestos e
mortes contra a publicação das charges do profeta Muhammad configuram um choque de civilizações?
Jack Miles - Um choque de algum
tipo está claramente a caminho. Mas
um dos lados desse conflito se enxerga como civilização, enquanto o
outro se vê como religião. Então sua
pergunta suscita imediatamente
uma outra: Estamos vivenciando
um choque de religiões ou um choque de civilizações? Os protestos violentos em várias partes da "ummah", a comunidade islâmica no
mundo, incluíram o incêndio de
igrejas, o canto de hinos anti-semitas
e anticristãos e demonstrações caóticas em bairros cristãos.
Aqueles que lideram esses protestos desejam ativamente definir seus
inimigos como cristãos, primeiramente, e judeus, em segundo lugar.
A interpretação deles é sem dúvida
ajudada pelo fato coincidente de haver uma cruz na bandeira da Dinamarca, que eles estão queimando.
Mas o premiê dinamarquês, hoje,
não defende sua nação como cristã,
mas como pluralista, tolerante e
nem um pouco oposta ao islã ou a
qualquer outra religião.
Implicitamente, ele quer definir
seu inimigo como integralista, intolerante e oposto a todas as religiões
que não a dele.
Quão grande é esse choque, independentemente dos diferentes conceitos que pode vir a ter? Muitos na
"ummah" querem para si e desejam
estender a outros as liberdades civis
institucionalizadas pelo Ocidente;
somente uma minoria deseja ativamente o oposto.
Muitos no Ocidente praticam uma
religião ou, se não o fazem, dificilmente ironizam os que o fazem; só
uma minoria é ativamente hostil a
religiões, seja ao islã ou a qualquer
outra. Mas as minorias importam. E
determinadas ações de líderes mundiais podem ter o efeito de intensificar o impacto delas.
Folha - As grandes religiões estão se
voltando para seus fundamentos?
Miles- Não acho que o papa Bento
16 e o presidente Bush devam ser
mencionados numa mesma frase.
João Paulo 2º foi contrário à invasão
do Iraque, e duvido que Bento 16 a
apóie. Sua primeira encíclica é compatível com suas lamentáveis opiniões sobre o amor homossexual,
controle artificial de natalidade e
coisas do tipo.
Mas essas questões não estão diretamente mencionadas na encíclica,
que, principalmente, tenta ligar a ética pessoal do amor à ética social do
amor -um esforço que acredito
louvável. Em contraste, as políticas
de George W. Bush são agressivas no
exterior e avaras em casa.
Folha - Existe a possibilidade de
evoluirmos para um conflito generalizado motivado pela religião?
Miles - Apesar daquilo que acabei
de dizer, eu concordo que dentro do
catolicismo, do protestantismo, do
judaísmo e do hinduísmo, assim como no islã, existe um amplo movimento que busca privilegiar um suposto fundamentalismo. A forma
antiga é julgada pura; a posterior é
vista como corrupta. O impulso de
julgar o presente momento como
um declínio de algum estado anterior mais feliz é universal.
Por que deveria ser particularmente intenso agora? Talvez porque
um moderno e secularizado impulso tenha acompanhado (é difícil
afirmar que tenha "produzido") um
mundo em que tantas pessoas sofrem de forma tão severa.
Folha - As religiões continuarão a
ser uma parte importante da vida das
pessoas? Como irão evoluir?
Miles - As tensões mais severas impostas em nosso mundo -a globalização econômica e a destruição ambiental- não se reduziriam em nenhum grau se todas as religiões desaparecessem da noite para o dia e
mundo fosse completamente secularizado. Imagino essa possibilidade
como forma de apontar que a evolução da sociedade a que você se refere
parece, por si mesma, ser capaz de
levar a humanidade a sua própria
extinção.
O desafio à religião não pode ser,
então, apenas acompanhar a evolução até a extinção. Ele precisa se encaminhar para a correção do sentido
da evolução até a preservação da humanidade.
Ninguém pode prever se a religião
fará isso assim como ninguém pode
prever se a sociedade, empregando
meio diferentes da religião, fará a
tempo as correções necessárias.
Folha - Como a busca pela pureza
nas religiões se reflete nas pessoas?
Miles - Já se considerou por muito
tempo que o desaparecimento das
religiões era uma mera questão de
tempo. A psicologia evolucionária,
de forma mais neutra e genuína, sugere que de algum modo essa forma
de comportamento humano extremamente durável serviu, até o momento, à sobrevivência da espécie.
Um gosto por alimentos doces teve o
mesmo papel por milênios, quando
as comidas doces eram escassas.
Agora que ela é abundante, temos
um problema mundial de obesidade. Ocorre algo parecido na religião.
Ela também pode um dia ter preservado o que hoje ameaça destruir.
Mas podemos pensar que -assim
como controlar a quantidade de doces que comemos não precisa necessariamente negar seu apelo- temos
que conviver com a permanência
das religiões em vez de sonhar o sonho tolo de deixá-las completamente para trás.
Folha - O puritanismo na política
norte-americana está sendo imposto
pelo governo ou é um reflexo da sociedade? Ele afeta a democracia? Afeta as relações internacionais?
Miles - Precisamos lembrar que
George W. Bush ficou em segundo
lugar, e não primeiro, na eleição de
2000. Seu oponente, Al Gore, teve
mais votos que ele. Os EUA são um
país altamente dividido. Bush conseguiu um importante apoio dos conservadores cristãos, mas até agora
teve pouco impacto sobre as opiniões religiosas dos americanos.
Mesmo suas indicações para a Suprema Corte não provocaram até
agora nenhuma revisão real do lugar
da religião na vida nacional do país.
As relações internacionais, infelizmente, são outra questão. Suas freqüentes referências a Deus -e de
membros de seu governo- e a Jesus
tiveram o efeito, entre os muçulmanos, de fazer com que aquilo que o
presidente chama de "guerra ao terror" pareça "guerra ao islã".
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