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Ponto de fuga
Indesejáveis e ausentes
Nem colecionadores particulares nem museus italianos souberam segurar as obras de Cézanne na península; os quadros partiram para outros países da Europa e para os EUA
JORGE COLI
DA REDAÇÃO
E
xiste apenas um óleo de
Cézanne em museu público em toda a Itália. Um
quadrinho de juventude, curioso, interessante: "Os Ladrões e
o Asno". Isso faz, por contraste,
pensar na riqueza do Masp, que
tem o luxo de nada menos que
cinco telas do mestre, todas
cruciais, substanciais.
Esse tesouro abundante está
reunido em São Paulo graças a
um momento raro de lucidez
na cultura brasileira, em que
Assis Chateaubriand fez apelo
a Pietro Bardi para criar o excepcional museu paulista.
Nem sempre essas belas conjunções ocorrem. Em Florença, encerrou-se, dia 29 passado,
uma exposição que constata a
história de grande ocasião perdida para o patrimônio italiano: "Cézanne em Florença". O
título surpreende porque a relação entre a cidade e o pintor
não é lá muito evidente.
Mas a mostra, num propósito atilado e fino, retraça os caminhos que predispuseram
dois colecionadores, Egisto
Fabbri e Charles Loeser, a reunir, desde as últimas décadas
do século 19, uma fabulosa coleção da arte a mais moderna
de seu tempo.
O primeiro, ítalo-americano,
o segundo, nova-iorquino de
ascendência alemã, ambos herdeiros de grandes fortunas, foram morar em Florença. Tinham obsessão por Cézanne.
Eles compravam sem parar
seus quadros, numa época em
que eles eram "indesejáveis",
como dizia Loeser, e custavam
barato.
Traziam-nos para suas casas
florentinas. Com o tempo, os
apertos financeiros levaram à
dispersão das obras cada vez
mais valiosas. Nem colecionadores particulares nem museus
italianos souberam segurá-las
na península. Os quadros partiram para outros países da Europa e para os EUA.
Clima
A mostra "Cézanne em Florença", reconstituiu, na medida
do possível, as coleções de Fabbri e Loeser. Associa-as também à exposição que Soffici,
crítico, poeta, pintor, havia organizado em Florença no ano
de 1910. Nela, Soffici uniu modernos franceses e italianos,
entre estes últimos o mestre escultor Medardo Rosso [1858-1928].
Prata da casa
O MAC-USP possui dois preciosos quadros de Soffici, "O
Caminho" e "Natureza Morta
com Leque". Ambos datam dos
inícios do século 20, modernos
e heróicos.
Universal
Na cidade de Arezzo, muita
agitação em torno de Piero della Francesca, o mais silencioso
de todos os pintores, o metafísico da imobilidade. Nasceu ali
perto, em Borgo San Sepolcro, e
pintou sua obra máxima na basílica de San Francesco: afrescos que contam a história da
verdadeira cruz.
Essas pinturas foram restauradas nos anos de 1990, estão
vívidas. Mas o turismo sendo o
que é, se antes podiam ser vistas tranqüilamente, hoje paga-se entrada para ficar não mais
do que 20 minutos na capela
por causa do afluxo de visitantes. Vinte minutos para contemplar dezenas de personagens em múltiplos episódios
complexos de uma incomparável obra prima...
Uma exposição, "Piero della
Francesca e as Cortes Italianas", foi organizada no Museu
[Estatal de Arte Medieval e Moderna] de Arezzo.
A visão "contextual" da mostra, clara e rica no catálogo, foi
bastante confusa nas salas.
Obras de diferentes artistas
mostravam a influência do
mestre em diversos núcleos artísticos italianos. Muitas delas
bem raras e fascinantes.
Poucas pinturas do próprio
Piero, porém: preciosas, os museus que as possuem recusam-se a emprestá-las. As poucas
que lá estavam bastavam para
comover até os ossos. Assim, a
"Madonna di Senigaglia", que
veio de Urbino, severa na construção, misteriosa na espessura
da luz calma.
jorgecoli@uol.com.br
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