São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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Ponto de fuga

Indesejáveis e ausentes

Nem colecionadores particulares nem museus italianos souberam segurar as obras de Cézanne na península; os quadros partiram para outros países da Europa e para os EUA

JORGE COLI
DA REDAÇÃO

E xiste apenas um óleo de Cézanne em museu público em toda a Itália. Um quadrinho de juventude, curioso, interessante: "Os Ladrões e o Asno". Isso faz, por contraste, pensar na riqueza do Masp, que tem o luxo de nada menos que cinco telas do mestre, todas cruciais, substanciais.
Esse tesouro abundante está reunido em São Paulo graças a um momento raro de lucidez na cultura brasileira, em que Assis Chateaubriand fez apelo a Pietro Bardi para criar o excepcional museu paulista.
Nem sempre essas belas conjunções ocorrem. Em Florença, encerrou-se, dia 29 passado, uma exposição que constata a história de grande ocasião perdida para o patrimônio italiano: "Cézanne em Florença". O título surpreende porque a relação entre a cidade e o pintor não é lá muito evidente.
Mas a mostra, num propósito atilado e fino, retraça os caminhos que predispuseram dois colecionadores, Egisto Fabbri e Charles Loeser, a reunir, desde as últimas décadas do século 19, uma fabulosa coleção da arte a mais moderna de seu tempo.
O primeiro, ítalo-americano, o segundo, nova-iorquino de ascendência alemã, ambos herdeiros de grandes fortunas, foram morar em Florença. Tinham obsessão por Cézanne. Eles compravam sem parar seus quadros, numa época em que eles eram "indesejáveis", como dizia Loeser, e custavam barato.
Traziam-nos para suas casas florentinas. Com o tempo, os apertos financeiros levaram à dispersão das obras cada vez mais valiosas. Nem colecionadores particulares nem museus italianos souberam segurá-las na península. Os quadros partiram para outros países da Europa e para os EUA.

Clima
A mostra "Cézanne em Florença", reconstituiu, na medida do possível, as coleções de Fabbri e Loeser. Associa-as também à exposição que Soffici, crítico, poeta, pintor, havia organizado em Florença no ano de 1910. Nela, Soffici uniu modernos franceses e italianos, entre estes últimos o mestre escultor Medardo Rosso [1858-1928].

Prata da casa
O MAC-USP possui dois preciosos quadros de Soffici, "O Caminho" e "Natureza Morta com Leque". Ambos datam dos inícios do século 20, modernos e heróicos.

Universal
Na cidade de Arezzo, muita agitação em torno de Piero della Francesca, o mais silencioso de todos os pintores, o metafísico da imobilidade. Nasceu ali perto, em Borgo San Sepolcro, e pintou sua obra máxima na basílica de San Francesco: afrescos que contam a história da verdadeira cruz.
Essas pinturas foram restauradas nos anos de 1990, estão vívidas. Mas o turismo sendo o que é, se antes podiam ser vistas tranqüilamente, hoje paga-se entrada para ficar não mais do que 20 minutos na capela por causa do afluxo de visitantes. Vinte minutos para contemplar dezenas de personagens em múltiplos episódios complexos de uma incomparável obra prima...
Uma exposição, "Piero della Francesca e as Cortes Italianas", foi organizada no Museu [Estatal de Arte Medieval e Moderna] de Arezzo.
A visão "contextual" da mostra, clara e rica no catálogo, foi bastante confusa nas salas. Obras de diferentes artistas mostravam a influência do mestre em diversos núcleos artísticos italianos. Muitas delas bem raras e fascinantes.
Poucas pinturas do próprio Piero, porém: preciosas, os museus que as possuem recusam-se a emprestá-las. As poucas que lá estavam bastavam para comover até os ossos. Assim, a "Madonna di Senigaglia", que veio de Urbino, severa na construção, misteriosa na espessura da luz calma.


jorgecoli@uol.com.br


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