|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
Dentro do bunker
Investigação feita a pedido de Stálin, "Dossiê Hitler" revela a vida do líder nazista, como os planos geopolíticos e o vício em drogas
LEANDRO KARNAL
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
lançamento do livro "O Dossiê Hitler - O Führer segundo as Investigações Secretas de
Stálin", de Henrik Eberle e
Matthias Uhl, parece mais um
pedaço de lenha numa fogueira
infindável: o fascínio pelos ditadores. Metade da obra é a
transcrição de um relatório de
1949 com 413 laudas originais
datilografadas (para os mais jovens a lembrança: datilografar
é próximo a digitar), fruto de
uma investigação sobre a figura
do ditador nazista a pedido do
ditador soviético.
A outra metade é a análise
dos organizadores sobre o dossiê, enriquecida de muitas notas e um dicionário biográfico
das personagens citadas no livro. O texto inicial de Horst
Möller pergunta: "Que motivos
levariam dois ditadores a se interessarem um pelo outro?".
Ópio e cocaína
A resposta parece fácil: ambos responsáveis por uma máquina de destruição que eliminou milhões de pessoas e com
métodos muito similares, provavelmente tinham um secreto
fascínio recíproco.
A pergunta mais complexa é
saber o motivo que leva a nós,
em geral com menos poder e
vontade de destruição, a escrutinar com avidez a vida de um
psicopata como Hitler.
Há, sem dúvida, o benevolente álibi do interesse histórico.
Com texto fluido e quase romanesco, o dossiê vai abrindo as
portas da vida pessoal e pública
de Hitler desde 1933 até seu
suicídio na Berlim devastada
do final da guerra. Questões
centrais da geopolítica da Segunda Guerra Mundial são amplamente tratadas, como a remilitarização do rio Reno ou a
invasão da União Soviética.
Porém, igualmente, nos é informado sobre o vício de Hitler
em drogas como Pervitin, colírio com cocaína ou sobre o uso
de ópio, sua incapacidade de ficar em pé mais de meia hora,
seu gosto duvidoso em decoração e seu relacionamento com a
cadela Blondi.
Como era um tema de especial interesse para Stálin, os detalhes da morte de Hitler são
particularmente minuciosos.
Testemunhas privilegiadas
foram torturadas pelos soviéticos para reproduzirem, minuto
a minuto, a agonia do homem e
do regime que provocaram tanta dor aos russos.
Às 15h30 de 30 de abril de 45,
o líder do Reich deu um tiro na
têmpora direita, limitando para 12 anos a duração do sistema
que ele sonhara para mil. Cerca
de 13 horas depois, era informada a Stálin a morte do rival.
Os cadáveres de Hitler e de Eva
Braun foram desenterrados e
examinados com zelo.
A carbonização provocada
por muitas horas numa fogueira de gasolina dificultava uma
identificação clara. Não houvera testemunhas oculares do
suicídio e, assim, a dúvida martelava o Kremlin. Teria sido tudo uma armação? Estaria o
Führer vivo em alguma parte
do mundo?
Os organizadores do dossiê
informam que, após a elaboração do texto pelas autoridades
soviéticas, mais de mil biografias e 10 mil ensaios já foram
produzidos sobre Hitler e os temas correlatos da Segunda
Guerra Mundial.
Como evitar erros
Com cuidados precisos,
Eberle e Uhl destacam também
as falhas e lacunas do documento, especialmente a pouca
vontade das autoridades soviéticas de saber mais sob o extermínio de judeus.
Um lacônico parágrafo cita o
interesse pessoal do führer na
construção das câmaras de gás.
Também sabemos que a situação dos campos de concentração era constantemente informada ao ditador alemão.
Porém parece que as fontes
usadas pelos soviéticos -os oficiais alemães Heinz Linge e Otto Günsche- poderiam ter fornecido muito mais dados. O fanatismo anti-semita de Hitler e
seus efeitos trágicos pareceram
secundários para a elite stalinista. É possível que tal escassez tenha relação com a própria
política antijudaica da União
Soviética naquele momento.
Ao final do livro resta a sensação de que o interesse stalinista tinha quase um zelo de
método: como destruir a oposição e como evitar os erros que
levaram o führer ao seu fim?
Os crápulas, parece, deixaram-se seduzir mutuamente. E
nós? Que existam mais biografias de Hitler e Stálin do que de
Gandhi é algo para refletir.
LEANDRO KARNAL é professor no departamento de história do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O DOSSIÊ HITLER
- O FÜHRER SEGUNDO
AS INVESTIGAÇÕES
SECRETAS DE STÁLIN
Organização: Henrik Eberle
e Matthias Uhl
Tradução: Kristina Michahelles
Editora: Record
(tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 73 (630 págs.)
Texto Anterior: + Cinema: Rumos do cinema Próximo Texto: Obra aborda ataques nazistas a barcos brasileiros Índice
|