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"Conclave" e "O Livro de Ouro dos Papas" discutem as estratégias políticas e
fraquezas humanas de uma das instituições mais antigas e sólidas do Ocidente
Dinâmicas do papado
Paulo Daniel Farah
especial para a Folha
A mais sólida instituição do Ocidente (o papado, na descrição de
Frei Betto) foi administrada nos
últimos 20 séculos por seres humanos muitas vezes devotos e bem-intencionados, mas sujeitos a "fraquezas",
erros, nepotismo e estratégias de vingança. Essa conclusão é um dos eixos centrais que unem dois livros recém-lançados: "Conclave" e "O Livro de Ouro dos
Papas". Ambos demonstram que, apesar
do título de "santidade", o líder da Igreja
Católica não escapa aos efeitos do pecado original -de fato, sabe-se que a infalibilidade papal se refere a questões pertinentes à fé e aos costumes.
Escrito por John L. Allen Jr., correspondente da "National Catholic Reporter" (uma publicação católica norte-americana) na Santa Sé e autor de uma
biografia do cardeal alemão Joseph Ratzinger, "Conclave" se propõe a analisar a
dinâmica da reunião de cardeais, a portas fechadas, que escolhe o novo sucessor
de São Pedro. Para isso, descreve diferenças espirituais e temporais no Colégio
Cardinalício e algumas das etapas mais
relevantes nesse processo.
O autor, que privilegia a ala à esquerda
na hierarquia católica, identifica correntes de opinião predominantes entre os
cardeais e utiliza bordões para denominá-las. A Patrulha da Fronteira é formada por conservadores teológicos que se
preocupam com o impacto do relativismo e da secularização na Igreja Católica.
Fidelidade
"Os cardeais da Patrulha
da Fronteira sabem que chamar uma pá
de pá, assim como chamar o homossexualismo de mal ou famílias de pais solteiros de indesejáveis ou dizer que católicos estão certos e hindus, errados, os torna controvertidos... Ainda assim, em sua
opinião, a fidelidade é mais importante
que a aceitação", argumenta Allen. O líder da Patrulha da Fronteira é o cardeal
Ratzinger, prefeito da Congregação para
a Doutrina da Fé (a voz da ortodoxia católica), que publicou o estatuto desse
grupo: o documento "Dominus Iesus"
(de setembro de 2001), segundo o qual o
catolicismo é superior às outras religiões
e às demais igrejas cristãs.
Outro movimento é aquele que Allen
denomina Sal da Terra, em referência ao
predicativo que Jesus Cristo emprega no
"Sermão da Montanha" para caracterizar seus discípulos. Para os integrantes
dessa corrente, a religião deve se engajar
nas ações e nas paixões dos tempos, e o
"povo de Deus" não deve se limitar a debates teológicos dentro da Igreja Católica. Discussões relativas à liturgia devem
ceder prioridade a questões como pobreza, aborto e conflitos armados. Uma causa-símbolo do Sal da Terra é a campanha
que defende o perdão da dívida externa
de países em desenvolvimento.
A terceira tendência seria a do Partido
da Reforma, que deseja mudanças de
acordo com as linhas indicadas pelo concílio Vaticano 2º (1962-65). A reforma da
Cúria Romana para tornar o papado menos controverso em termos ecumênicos,
uma descentralização mais ampla e um
novo papel para as mulheres -embora
o acesso à ordenação não seja cogitado- são alguns dos debates que a Santa
Sé desacelerou e que seriam retomados.
Crises do século 21
Entre os temas
que vão ocupar a agenda do próximo papa, Allen destaca a colegialidade, o ecumenismo, a bioética, a globalização, o
papel das mulheres e o laicato. Algumas
questões postas de lado pelo autor, no
entanto, devem adquirir relevância, especialmente após os processos contra
padres acusados de pedofilia nos EUA: a
crise no comportamento clerical, a perda
de liderança no episcopado e questões
concernentes à liturgia (40 anos após o
concílio Vaticano 2º) para deter o esvaziamento das igrejas. Erros menores ou
opções discutíveis de conceituação, análise ou tradução se fazem presentes, mas
não comprometem "Conclave".
Apesar de bastante conhecido, um eixo
condutor que se destaca em "O Livro de
Ouro dos Papas" é a herança do Império
Romano, o caráter político do papa e sua
influência na história mundial -com
frequência por motivações pessoais.
Apenas a introdução e o posfácio são
escritos pelo historiador britânico Paul
Johnson, que leva o crédito pelo conjunto da obra, embora tenha escrito menos
de um décimo dela.
Os textos, redigidos por diversos autores e de qualidade heterogênea, empolgam menos que as imagens -afrescos,
fotos, quadros, esculturas e iluminuras.
Estas, apesar da resolução baixa, relatam
uma história ilustrada do papado.
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Conclave
256 págs.,R$ 30,00
de John Allen Jr. Tradução de Maria Beatriz
Medina. Ed. Record (r. Argentina, 171, CEP
20921-380, RJ, tel. 0/xx/ 21/2585-2000).
O Livro de Ouro dos Papas
352 págs., R$ 49,00
de Paul Johnson. Trad. Cristiana Serra.
Ediouro (r. Nova Jerusalém, 345, CEP
21042-230, RJ, tel. 0/xx/21/3882-8240).
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