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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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"Conclave" e "O Livro de Ouro dos Papas" discutem as estratégias políticas e fraquezas humanas de uma das instituições mais antigas e sólidas do Ocidente

Dinâmicas do papado

Paulo Daniel Farah
especial para a Folha

A mais sólida instituição do Ocidente (o papado, na descrição de Frei Betto) foi administrada nos últimos 20 séculos por seres humanos muitas vezes devotos e bem-intencionados, mas sujeitos a "fraquezas", erros, nepotismo e estratégias de vingança. Essa conclusão é um dos eixos centrais que unem dois livros recém-lançados: "Conclave" e "O Livro de Ouro dos Papas". Ambos demonstram que, apesar do título de "santidade", o líder da Igreja Católica não escapa aos efeitos do pecado original -de fato, sabe-se que a infalibilidade papal se refere a questões pertinentes à fé e aos costumes. Escrito por John L. Allen Jr., correspondente da "National Catholic Reporter" (uma publicação católica norte-americana) na Santa Sé e autor de uma biografia do cardeal alemão Joseph Ratzinger, "Conclave" se propõe a analisar a dinâmica da reunião de cardeais, a portas fechadas, que escolhe o novo sucessor de São Pedro. Para isso, descreve diferenças espirituais e temporais no Colégio Cardinalício e algumas das etapas mais relevantes nesse processo. O autor, que privilegia a ala à esquerda na hierarquia católica, identifica correntes de opinião predominantes entre os cardeais e utiliza bordões para denominá-las. A Patrulha da Fronteira é formada por conservadores teológicos que se preocupam com o impacto do relativismo e da secularização na Igreja Católica.

Fidelidade
"Os cardeais da Patrulha da Fronteira sabem que chamar uma pá de pá, assim como chamar o homossexualismo de mal ou famílias de pais solteiros de indesejáveis ou dizer que católicos estão certos e hindus, errados, os torna controvertidos... Ainda assim, em sua opinião, a fidelidade é mais importante que a aceitação", argumenta Allen. O líder da Patrulha da Fronteira é o cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (a voz da ortodoxia católica), que publicou o estatuto desse grupo: o documento "Dominus Iesus" (de setembro de 2001), segundo o qual o catolicismo é superior às outras religiões e às demais igrejas cristãs. Outro movimento é aquele que Allen denomina Sal da Terra, em referência ao predicativo que Jesus Cristo emprega no "Sermão da Montanha" para caracterizar seus discípulos. Para os integrantes dessa corrente, a religião deve se engajar nas ações e nas paixões dos tempos, e o "povo de Deus" não deve se limitar a debates teológicos dentro da Igreja Católica. Discussões relativas à liturgia devem ceder prioridade a questões como pobreza, aborto e conflitos armados. Uma causa-símbolo do Sal da Terra é a campanha que defende o perdão da dívida externa de países em desenvolvimento. A terceira tendência seria a do Partido da Reforma, que deseja mudanças de acordo com as linhas indicadas pelo concílio Vaticano 2º (1962-65). A reforma da Cúria Romana para tornar o papado menos controverso em termos ecumênicos, uma descentralização mais ampla e um novo papel para as mulheres -embora o acesso à ordenação não seja cogitado- são alguns dos debates que a Santa Sé desacelerou e que seriam retomados.

Crises do século 21
Entre os temas que vão ocupar a agenda do próximo papa, Allen destaca a colegialidade, o ecumenismo, a bioética, a globalização, o papel das mulheres e o laicato. Algumas questões postas de lado pelo autor, no entanto, devem adquirir relevância, especialmente após os processos contra padres acusados de pedofilia nos EUA: a crise no comportamento clerical, a perda de liderança no episcopado e questões concernentes à liturgia (40 anos após o concílio Vaticano 2º) para deter o esvaziamento das igrejas. Erros menores ou opções discutíveis de conceituação, análise ou tradução se fazem presentes, mas não comprometem "Conclave".
Apesar de bastante conhecido, um eixo condutor que se destaca em "O Livro de Ouro dos Papas" é a herança do Império Romano, o caráter político do papa e sua influência na história mundial -com frequência por motivações pessoais.
Apenas a introdução e o posfácio são escritos pelo historiador britânico Paul Johnson, que leva o crédito pelo conjunto da obra, embora tenha escrito menos de um décimo dela.
Os textos, redigidos por diversos autores e de qualidade heterogênea, empolgam menos que as imagens -afrescos, fotos, quadros, esculturas e iluminuras. Estas, apesar da resolução baixa, relatam uma história ilustrada do papado.


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.


Conclave
256 págs.,R$ 30,00
de John Allen Jr. Tradução de Maria Beatriz Medina. Ed. Record (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/xx/ 21/2585-2000).
O Livro de Ouro dos Papas
352 págs., R$ 49,00
de Paul Johnson. Trad. Cristiana Serra. Ediouro (r. Nova Jerusalém, 345, CEP 21042-230, RJ, tel. 0/xx/21/3882-8240).


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