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Nietzsche, Bob Dylan, Janis Joplin, Platão...
À luz da
música pop, "Vitaminas Filosóficas" utiliza grandes pensadores como fórmula prática
do bem-viver
VLADIMIR SAFATLE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos fenômenos
mais pitorescos na
vida cultural do
Brasil dos últimos
anos é o crescente
interesse pela filosofia (ou por
algo que se aproxime dela).
Cursos de difusão cultural, revistas de grande circulação,
spots de televisão com pérolas
filosóficas: tudo isso parece que
veio para ficar.
É possível que se trate de um
fenômeno heteróclito para o
qual convergem práticas e expectativas diversas.
Mas há uma dimensão desse
interesse pela filosofia que é visível para qualquer um que se
aventure a deslizar os olhos por
livros como: "Mais Platão e
Menos Prozac" (um clássico do
gênero), "Nietzsche em 90 Minutos" ou o mais recente "Vitaminas Filosóficas - A Arte de
Bem Viver".
Todos eles são animados pelas mais belas intenções. Tais
livros querem retirar a linguagem "empolada" da filosofia
universitária, criticar a divisão
entre alta e baixa culturas, entre o pensar e o corpo, entre sofrimentos cotidianos e grandes
questões existenciais. Em suma, trata-se de reconciliar o
pensar e a alegria de viver.
Até porque trazem sempre a
mesma mensagem edificante: a
filosofia é uma arte do bem-viver, um pouco como se a "Fenomenologia do Espírito" [de
Hegel] fosse apenas uma versão mais complicada de "como
descobrir a si mesmo sem precisar gastar dinheiro com um
novo guarda-roupa".
Nesse sentido, "Vitaminas
Filosóficas", do amante do rock
e filósofo Theo Roos, é o que os
profissionais de marketing
chamariam de "um case de sucesso". Durante dois anos, uma
rede de TV alemã apresentou
tais vitaminas na forma de programa seriado. Agora, elas estão disponíveis em um livro em
que Schopenhauer, Nietzsche,
Sócrates são comentados com
a ajuda de Bob Dylan, Janis Joplin e Van Morrison.
O resultado é descobrir que
Schopenhauer nos ensina que
devemos "desfrutar o presente,
cuidar da saúde, ser nós mesmos e [esta é a melhor] imaginar-se no espaço, olhando para
a Terra lá embaixo".
Da mesma forma, o "âmago"
da filosofia de Nietzsche não
seria outro que o inaudito: "É
preciso aprender a amar. E
também aprender a amar o outro, o estranho em nós". Mas,
se assim for, por que comprar
um livro caro como "O Mundo
como Vontade e Representação" se tudo o que você vai encontrar nele está em qualquer
pocket de auto-ajuda de R$ 10?
Dupla traição
É claro que sempre terá alguém a dizer que livros como
este, por mais rasos que sejam,
são importantes por despertar
o interesse pela filosofia e demonstrar que clássicos do pensamento "podem falar conosco,
na nossa linguagem".
A esse respeito, vale lembrar
que quem trai na forma trai no
conteúdo. O estilo da escrita
não é exterior ao objeto do qual
se fala, e isso vale principalmente para a escrita filosófica.
O verdadeiro aprendizado
consiste no trabalho paciente
de confrontação com textos
cuja escrita impõe um tempo
para compreender, tempo que
não se submete à ânsia terapêutica de quem está atrás de
conhecimento em pílulas para
curar desconfortos do cotidiano ou de quem tenta submeter
toda experiência intelectual à
transparência plena de uma
linguagem instrumental de
administrador de empresas.
O mínimo que se pode dizer
de quem começa imaginando
que a filosofia supre tais demandas é que começou mal.
Por outro lado, essa maneira de reduzir a filosofia a uma
arte do bem-viver feita de promessas de transgressão publicitárias e de descobertas de novas reconciliações é, no fundo,
um sintoma típico da nossa
época.
Uma época que não se reproduz mais por meio da apresentação de normatividades e padrões estritos, mas que, ao contrário, se alimenta da transgressão de seus próprios padrões e normas. Que transforma a transgressão em mercadoria. Nesse sentido, produtos
como livros de auto-ajuda filosófica estão organicamente
vinculados à ideologia do estágio contemporâneo da indústria cultural.
Contra eles, devemos lembrar os momentos em que a filosofia não foi associada à cura,
mas à doença. "O homem que
pensa é um animal doente" é
uma frase que faltou ao livro.
Ela serve para lembrar que, em
certas situações, a melhor coisa
a fazer é recusar a cura; até porque a doença é o que muitas
pessoas têm de mais real.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP e autor de "A Paixão
do Negativo - Lacan e a Dialética" (Unesp).
VITAMINAS FILOSÓFICAS
Autor: Theo Roos
Tradução: Maria Aparecida Barbosa
Editora: Casa da Palavra (tel. 0/
xx/11/ 2222-3167)
Quanto: R$ 29,90 (200 págs.)
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