São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2004

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O tríptico religioso de Haroldo de Campos

Sai em livro tradução de trechos da Bíblia feita pelo crítico e poeta concretista, morto em 2003

DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO

Uma nova tradução para três importantes trechos da Bíblia. O trabalho, realizado pelo poeta, tradutor e crítico Haroldo de Campos (1929-2003) e deixado pronto pouco antes de sua morte, foi "organizado" pelo tradutor e professor de língua e literatura gregas na Universidade Estadual de Campinas Trajano Vieira. Amigo pessoal de Campos, Vieira teve acesso a todos os manuscritos e trabalhos inéditos deixados por ele.
"Éden - Um Tríptico Bíblico" (ed. Perspectiva, tel. 0/xx/11/3885-8388, 184 págs., preço não definido) é a reunião de "A Astúcia da Serpente" -episódio do Gênese que culmina com a expulsão do paraíso-, "Babel" -sobre a torre homônima- e "O Cântico dos Cânticos", além de ensaios introdutórios a cada um deles e cópias de esboços manuscritos da tradução do último. O primeiro texto e trechos do último foram publicados anteriormente no Mais! (em 07/5/95 e 10/4/1994, respectivamente), que traz agora mais uma parte inédita da poesia bíblica (leia ao lado). O outro foi publicado em 1998 na revista "Série Linguagem".
Em entrevista ao Mais!, Vieira diz que a nova tradução traz uma visão poética concreta sobre textos anteriormente iluminados sob o ponto de vista religioso ou filosófico. Para ele, Campos deixou um vasto material inédito e de altíssima qualidade, que deverá ser analisado para futura publicação.
 

Folha - Como foi o trabalho de organização do livro?
Trajano Vieira -
Ele foi deixado já completo por Haroldo, inclusive com prefácio, com indicações de como deveria ser editado e organizado.

Folha - Qual sua importância para o conjunto da obra do autor?
Vieira
- Ele dá continuidade a dois outros projetos sobre a mesma temática anteriormente publicados por Haroldo ["Bere'shith" e "Qohelet" (ambos pela ed. Perspectiva)]. É uma obra que enriquece uma produção específica de Haroldo na área de estudos bíblicos e tradução. É um acréscimo à obra que é um mosaico de temas e línguas, de uma complexidade única no nosso panorama.

Folha - Qual a importância da obra para o estudo do ofício tradutório?
Vieira
- Haroldo sempre foi um ensaísta e pesquisador extremamente rigoroso. Sempre que ele se envolvia num projeto dessa magnitude -foi assim com Homero também- ele se cercava de uma bibliografia crítica extremamente atualizada e dialogava com essa bibliografia sempre do ponto de vista do poeta e tradutor. Esse debate da parte ensaística é muito importante. É uma característica de seu trabalho literário e reflexivo sempre estabelecer um diálogo com aqueles autores que trataram os diversos temas da atualidade. É notável a capacidade que tinha de, enquanto poeta, estabelecer esse diálogo com especialistas e iluminar do ponto de vista poético uma certa perspectiva nova. Ele não incorpora essa bibliografia crítica de forma passiva. É sempre um diálogo que debate essas questões teóricas do ângulo poético.

Folha - Por que o sr. incluiu manuscritos nesta edição?
Vieira
- A idéia é possibilitar ao leitor um contato com esse processo criativo do próprio Haroldo. Ali já há toda uma estratégia que envolve possibilidades de tradução de certos trechos, há hesitações naturais que revelam o próprio processo criativo de Haroldo. É formidável a publicação desse material que possibilita uma reflexão sobre essa complexa atividade criativa do autor.

Folha - Que mais havia no material que Haroldo deixou inédito?
Vieira
- É um material muito diversificado, que contém traduções em diversas línguas, ensaios sobre literatura francesa e brasileira, traduções de poesias do grego moderno e antigo, poemas egípcios que ele vinha traduzindo um pouco antes de morrer, muita poesia italiana que ele não chegou a publicar.
Trata-se de um material muito diversificado.

Folha - Há alguma previsão de publicação desse material?
Vieira
- Há o interesse da família na publicação, mas aos poucos. Como eles apresentam um grau de dificuldade para a edição, o organizador terá muito trabalho para organizar essa parte da obra.
Toda a obra de Haroldo de Campos é de altíssima qualidade. Uma das obras que deverão ser publicadas proximamente é um livro volumoso de poemas e traduções que ele deixou razoavelmente organizado para publicação.

Folha - Que projetos Haroldo de Campos tinha antes de morrer?
Vieira
- No campo da tradução, sempre manifestou interesse em traduzir "A Odisséia", de Homero, tendo já traduzido "A Ilíada" (ed. Arx). Na ensaística, desejava elaborar uma antologia poética com pedras de toque da poesia brasileira até o período simbolista. Era um projeto que ele ainda chegou a iniciar pouco antes de morrer, fazendo uma seleção rigorosa de obras da poesia brasileira. Além disso, ele também escrevia um trabalho sobre Victor Hugo.

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