São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Reencenação do crime é bem feita, porém deprimente

STEPHEN HOLDEN

E u não era ninguém até matar o maior alguém do mundo." São as palavras do assassino de John Lennon, Mark David Chapman, que em 8 de dezembro de 1980 matou o beatle a tiros diante de sua residência no edifício Dakota, na esquina da rua 72 com Central Park West.
Tudo o que Chapman diz em "O Assassinato de John Lennon", a devastadora reencenação dirigida por Andrew Piddington dos fatos que conduziram ao crime, é baseado em entrevistas, depoimentos e transcrições do tribunal. Rodado em estilo quase documental nos locais reais em que os fatos ocorreram, o filme [que estreou na semana passada nos EUA, mas não tem data de estréia no Brasil] provoca incômodo no espectador. Empregando um mínimo de truques fotográficos, evoca episódios de desorientação mental em que as imagens oscilam e se fundem.
Fragmentos de "Touro Indomável", "Taxi Driver" e "Gente Como a Gente" sugerem a interação volátil entre cultura popular e instabilidade mental. Embora "O Assassinato de John Lennon" não peça ao espectador que se solidarize com Chapman, que hoje cumpre prisão perpétua com possibilidade de condicional em Attica, o filme o obriga a passar quase duas horas em sua companhia perturbadora.
Megalomaníaco, narcisista, sujeito a alucinações e oscilações de humor, a impressão que se tem dele é de alguém desagradável e insanamente egocêntrico. Fala sobre sua obsessão doentia com "O Apanhador no Campo de Centeio" (J.D. Salinger) e sua identificação com o problemático adolescente Holden Caulfield. Encontrado por Chapman quando "estava à procura de algum tipo de orientação", o livro tornou-se "uma corrente elétrica em minha mão, queimando meu corpo".
Já conheci gente suficiente no pop, parasitas desesperados que lembram o perdedor retratado no filme, para reconhecê-lo como um clássico perseguidor de celebridades em busca da fama por associação. A diferença entre Chapman e milhares de outros é que, no caso dele, um parafuso se soltou, e o equilíbrio precário entre adoração e inveja pendeu mortalmente para o lado negativo.
Quando um psiquiatra pergunta por que ele fez o que fez, Chapman responde: "Porque eu o achava um falso. A música dele eu adorava." Se "O Assassinato de John Lennon" é um filme bem feito, também é totalmente deprimente.


A íntegra deste texto foi publicada no "New York Times".
Tradução de Clara Allain


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