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+livros Sociologia
Obra traz 19 textos escritos nos últimos 30 anos que buscam reavaliar as ciências sociais no país
Sociedade brasileira em revisão
Vinicius Mota
Editor de Opinião
Nos três decênios passados, promoveu-se no Brasil uma considerável
revisão do cânone e dos autores relevantes para a compreensão da sociedade
brasileira. Embora a mudança seja natural quando se sucedem gerações intelectuais, tomou sentido específico no caso
brasileiro: o questionamento da importância de pensadores e teorias que se
orientam para a construção da nação.
Essa é uma leitura possível a ligar a maioria dos 19 textos distribuídos nos três livros de "O Que Ler na Ciência Social
Brasileira (1970-1995)", cada um dedicado a uma disciplina (antropologia, sociologia e política, pela ordem).
Certamente a empresa editorial não foi
concebida para que os textos fossem todos lidos. Trata-se de 16 temas, entre os
quais há muita disparidade -"sociologia das profissões", "etnologia brasileira" e "partidos, eleições e Poder Legislativo", para citar alguns extremos. Para
cada um deles, elegeu-se um especialista
para realizar pesquisa bibliográfica e, sobre ela, compor um texto crítico. Em três
casos, outro estudioso foi chamado para
realizar um comentário adicional sobre
o tema exposto.
Alta temperatura
A temperatura
dos comentários esteve um pouco acima
da -em regra- fria exposição de tendências que gravitam em torno dos temas eleitos em duas oportunidades.
Trata-se da crítica de Eduardo Viveiros
de Castro, no tema "etnologia brasileira", à antropologia do contato da tradição de Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso
de Oliveira, que, segundo Castro, vislumbra a cultura nativa do ponto de vista
do colonizador branco. Trata-se também da disputa entre os politólogos Fernando Limongi, que faz o texto principal, e Fábio Wanderley
Reis, que escreve o comentário, sobre a propriedade, o grau de aproximação com a realidade
e os pressupostos dos estudos sobre institucionalização política no Brasil.
Nesses textos, evidencia-se uma disputa mais
geral, presente de forma diluída em outros comentários. De um lado estão os
que partem do pressuposto de que a nação (ou o Estado, ou a democracia) no
Brasil está em construção e de que há etapas a cumprir. Do outro, os que questionam o estudo orientado para um fim externo, ou ideológico, mostram suas
idiossincrasias e as tradições intelectuais
e sociais que desprezam.
No esteio da segunda corrente, opera-se uma reavaliação crítica de autores esquecidos ou menosprezados, emergem
temas e tradições antes consideradas subalternas, caso dos estudos de gênero; de
raça; de religiões como a umbanda e o
neopentecostalismo.
No volume dedicado à sociologia, Sergio Miceli Pessoa de Barros, organizador
da edição, escrevendo sobre "intelectuais
brasileiros", também divide águas. Sua
vítima principal é o livro de Daniel Pécault "Os Intelectuais e a Política no Brasil" (Ática), postura ingênua que coloca
os intelectuais acima das classes, portadores de um saber neutro, e aceita como
fato a visão de mundo que eles próprios
produzem.
É num contraponto a essa vertente que
Miceli vai apontar um modo de reler a
história canônica dos intelectuais brasileiros. Trata-se da avaliação dos
produtores de cultura no
universo microssocial a
que se vinculam (condição familiar, prestígio intelectual, círculo de amizades, estigmas físicos ou
psíquicos etc.). É a entrada da sociologia de Pierre
Bourdieu, dos mais importantes pensadores
franceses vivos, no campo
de ação dos pesquisadores brasileiros.
Nessa revisita ao que foi
considerado fundamental
na tradição intelectual
brasileira, Lilia Schwarcz,
que escreve sobre "questão racial e etnicidade",
detecta o ressurgimento,
ou a permanência latente,
da idéia da "democracia
racial" brasileira, tese defendida por Gilberto
Freyre em "Casa Grande e Senzala" e que
se pensava enterrada pela argumentação
de Florestan Fernandes.
Também Oliveira Vianna, notório
ideólogo do autoritarismo e defensor de
teses racistas na primeira metade deste
século, tem sua importância revista.
É preciso destacar, pela qualidade, a revisão que faz Alba Zaluar do tema "violência e crime", talvez o tema mais quente do momento, pois envolve narcotráfico, chacinas, eficiência e truculência policial, acesso à Justiça. A antropóloga domina muito bem a literatura específica e
efetua uma exposição que não restringe a
riqueza das diversas tendências sobre o
assunto.
Balanço crítico
Há alguns problemas menores na edição. Uma mais acurada revisão evitaria alguns deslizes de
linguagem, e um pouco mais de cuidado
com o texto facilitaria a compreensão de
alguns trechos -embora seja fato que
alguns intelectuais definitivamente não
consigam escrever em português.
Há também um alerta a fazer aos leitores. Este livro é resultado do trabalho de
um grupo específico, reunido em torno
da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Ciências Sociais e cujos expositores militam, na maioria dos
casos, no eixo Rio-São Paulo.
Mas a publicação deve ser festejada. O
pensamento brasileiro em geral carece
desse cuidado de sistematização e balanço crítico. As pessoas com interesse nos
temas discutidos em "O Que Ler na
Ciência Social Brasileira" têm à mão um
excelente guia.
O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995)
3 volumes (R$ 15,00 cada)
Sergio Miceli Pessoa de Barros
(organização). Ed. Sumaré (r.
Desembargador Guimarães,
21, CEP 05002-050, SP, tel. 0/
xx/11/263-3259).
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