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Ponto de Fuga
O velho prodígio
Às vezes parece que uma récita de ópera tem todos os trunfos para ser sublime -e nem sempre a maionese sobe; ao contrário, um espetáculo modesto pode dar certíssimo, como a "Traviata" no teatro São Pedro
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Há uma comovente imagem feita por Herbert
List. É rigorosa, estrita,
clássica, como tudo o que esse
grande artista fotografou. Seu
título é "Casa Verdi, Milão".
Data de 1950. Mostra uma senhora idosa vista por entre as
cordas de uma harpa. Ela tem
no colo uma partitura. Ao fundo, não muito nítido, um homem pede apoio, com o braço
esquerdo, a uma janela e, com o
direito, a uma bengala, para
sustentar-se de pé.
A Casa Verdi é uma das mais
belas obras do grande compositor. No fim de sua vida, muito
rico, Giuseppe Verdi financiou
a construção de um abrigo que
acolhesse músicos idosos e sem
recursos. Solicitou a Camillo
Boito, arquiteto preeminente,
seu amigo pessoal, um projeto.
Resultou admirável.
Em seu testamento, Verdi
ordenou que seus direitos autorais servissem para a manutenção da casa. Foi enterrado
ali, numa cripta. Permaneceu
fazendo companhia a velhos
camaradas solitários, para
quem a música reside no silêncio da memória. A foto de List
captou a calma imóvel dessa atmosfera tranqüila.
Verdi nasceu em 1813, morreu em 1901. Longa vida, de
uma fecundidade artística fora
do comum. Sua última ópera,
"Falstaff", foi estreada em fevereiro de 1893: em outubro Verdi completava 80 anos. Nenhum declínio. Ao contrário, "Falstaff" renova a música de
Verdi e a própria estrutura do
gênero.
Não é apenas uma ópera da
velhice. É também uma ópera
sobre a velhice. Toma o personagem gordo e senil inventado
por Shakespeare, mostra-o
possuído pelos apetites carnais, pela gula, pela volúpia.
Castiga-o com humor irresistível. Nela, Falstaff é iniciado à
decrepitude e à velhice, aprende a morte do corpo.
Camélias
Às vezes parece que uma récita de ópera tem todos os trunfos para ser sublime. Grandes
teatros, grandes montagens,
grandes cantores, orquestras e
maestros. Nem sempre, porém,
a maionese sobe. Não há eletricidade, não há química, como
se diz hoje. É um mistério. Passam-se então três ou quatro horas insípidas, intermináveis,
apesar dos intérpretes excelsos
e das condições perfeitas.
Por vezes, ao contrário, um
espetáculo modesto pode dar
certíssimo. Foi assim com a
"Traviata" recente no teatro
São Pedro, em São Paulo. Montagem semicênica, direção mínima, guarda-roupa infeliz.
Cantores jovens. No entanto,
intensa emoção. A soprano
Chiara Bonzagni, de 26 anos,
foi trazida pelo Istituto Italiano
di Cultura: voz potente, timbre
caloroso e muito belo, musicalidade, técnica. Assumia pela
primeira vez o papel de Violeta:
tem categoria para seguir bela
carreira.
Brotos
O teatro São Pedro, teatro de
bairro, mais popular e barato
que o Municipal, presta-se perfeitamente para apresentações
que, singelas, trazem contribuições importantes: formação
de público, formação de intérpretes, familiaridade sem esnobismo com a cultura.
Os possíveis defeitos da Orquestra Jovem Municipal de
Guarulhos, que atuou no espetáculo sob a regência do maestro Emiliano Patarra, viram
qualidades: é com experiências
assim que seus músicos podem
progredir. Aplausos entusiasmados acolheram o final: confirmaram que a grande arte de
Verdi esteve ali presente e viva.
Barriga
Pouco tempo depois o Teatro
Municipal de São Paulo apresentou o "Falstaff" de Verdi. Licio Bruno dominou, com agilidade cênica, o protagonista. Foi
um prazer ouvir o Fenton do
tenor Marcos Paulo. Pela segunda vez, o espírito musical de
Verdi baixou em São Paulo.
jorgecoli@uol.com.br
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