São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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Alcir Pécora

Já que se trata de uma imaginação mórbida, cujo limite é extremo, apenas gostaria de fazer coisas bem difíceis ou altamente improváveis. Por exemplo:
1. Mudar-me para um lugar habitado por gente capaz de autogoverno.
2. Ignorar que governantes ignorantes usam a palavra acadêmico para produzir ofensa, querendo desqualificar alguém como inútil ou incapacitado para a ação.
3. Encontrar intelectuais não obnóxios, isto é, que se recusam a pertencer ao corpo místico do reino ou a prestar servidão voluntária a aparelhos partidários.
4. Torcer para que se esgote o estoque de malandragens com a dialética, as quais pretendem justificar a ausência de ética do governo, encobrir a corrupção do governante ou descobrir algum charme na miséria dos governados.
5. Dormir em paz no túmulo do samba, do axé, do pagode, do forró, do Carnaval, da cerveja, da macumba e do churrascão. Como crítico literário, gostaria de assistir a alguns milagres no campo da minha profissão:
6. Não topar com Caetano Veloso ou Chico Buarque em nenhuma antologia da poesia ou da prosa brasileira.
7. Não achar a palavra jovem ou a palavra geração em nenhuma antologia ou artigo de literatura contemporânea.
8. Lecionar num departamento que não subordine o estudo da literatura à idéia de nação ou nacionalidade.
9. Ler um suplemento cultural que não tome história, filosofia ou sociologia como melhor ciência ou ficção do que a literatura.
10. Escrever crítica de obra sem ser acusado de inimigo do autor, de inimigo dos amigos do autor, de inimigo da instituição do autor ou, enfim, de inimigo tanto de tudo quanto de todos.

Alcir Pécora é professor de literatura na Universidade Estadual de Campinas e autor de "Teatro do Sacramento" (Edusp/ed. da Unicamp) e "Rudimentos da Vida Coletiva" (Ateliê Editorial).


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