São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marketing ancestral

WILLIAM LI
especial para a Folha

A Guerra Civil eclode em Roma quando se rompe o primeiro triunvirato, formado por César, Pompeu e Crasso, e constitui o episódio culminante das lutas pelo poder travadas no século 1 a.C. que levariam à ditadura de César. Disse Walter Benjamin que a história é a história dos vencedores, não dos vencidos, e nesse caso a citação se aplica com toda a propriedade. Quase tudo o que sabemos sobre a Guerra Civil (49-48 a.C.) nos é dado pela ótica de César, seu vencedor. Ou seja, a aparente regularidade com que os fatos são apresentados nos manuais de história nada mais é do que a sua versão dos acontecimentos.
Ao escrever o "Bellum Ciuile" César tinha plena consciência de que uma das armas mais importantes de que dispunha era a manipulação da opinião pública. Já o "De Bello Gallico", escrito entre 58 e 52 a.C., revela a astúcia e a modernidade da mentalidade de César. Enquanto Pompeu tenta corromper os senadores e comprar a plebe em Roma, César, da Gália, prepara seu futuro político fazendo a apologia pessoal e apresentando-se como única solução para a grave crise política romana. Trata-se, assim, de uma obra de propaganda política, na qual César não está simplesmente descrevendo os fatos, mas colocando diante de um público dividido as suas razões e justificativas com o intuito de atraí-lo para o seu lado.
Para que tal projeto pudesse ter credibilidade era necessário que se apresentasse como o mais neutro possível. Daí a grande maestria de César na manipulação dos fatos e sobretudo da linguagem. César era tido como um dos maiores oradores da época, sendo admirado até mesmo por Cícero. Mas sua força de persuasão reside mais na sobriedade do que na abundância de palavras. Assim, sua prosa é concisa e simples. Num latim perfeito e gélido, procura ser objetivo e impessoal na apresentação dos fatos, que se sucedem sem nenhuma explicação aparente. É claro que, na posição em que estava, César pôde manipular os fatos pelo cuidadoso arranjo de sua disposição, bem como de sua criteriosa omissão. Mas, mais do que isso, o que caracteriza a genialidade de César é a sua capacidade de iludir e captar o leitor pela aparente exatidão e objetividade do texto. A sua apologia nunca é feita de maneira direta, e César sempre se refere a si mesmo na terceira pessoa. Num estilo único em toda a literatura latina, César apresenta os fatos de tal forma que o leitor se sinta compelido a abraçar sua causa sem que para isso precise se promover abertamente.
A edição do "Bellum Ciuile" agora lançada pela Estação Liberdade, com introdução, tradução e notas de Antonio da Silveira Mendonça, procura pôr em evidência todo esse processo de deformação histórica realizado por César. Trata-se portanto de um lançamento bastante oportuno, pois, não só constitui uma fonte primária básica para o estudo da história de Roma, como também é um exemplo único e bem sucedido de marketing político na Antiguidade.



A OBRA
Bellum Ciuile - A Guerra Civil - Caio Júlio César. Tradução de Antonio da Silveira Mendonça. Ed. Estação Liberdade (r. Dona Elisa, 116, CEP 01155-030, tel. 011/3824-0020). 312 págs. R$ 28,00.




Texto Anterior: Essência do classicismo
Próximo Texto: Lançamento: Sociólogo discute a diferença
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.