São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Barack DESAFINANDO

EM ENTREVISTA EXCLUSIVA À FOLHA, A JORNALISTA AMERICANA JUDITH MILLER DIZ QUE O CANDIDATO DEMOCRATA COMEÇA A SE COMPLICAR EM SUAS DECLARAÇÕES E AVALIA QUE A ELEIÇÃO ESTÁ EM ABERTO; PARA ELA, JORNALISTAS DEVEM TER DIREITO A MANTER SUAS FONTES NO ANONIMATO


Toda vez que Obama é mais específico em suas ações, ele arrisca alienar parte de seu eleitorado; acho que o que veremos é McCain forçá-lo cada vez mais a ser específico

Alex Brandon - 9.jun.2008/Associated Press
Barack Obama, candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais de 4 de novembro, prepara-se para embarcar em avião em Raleigh

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Barack Obama realiza a primeira campanha presidencial temática desde a do democrata Jimmy Carter, em 1976. Toda vez que foge do tema vago -"mudança"- e é mais específico, mete-se em confusão. Foi o caso quando resolveu "afinar" sua posição em relação à Guerra do Iraque, ao dizer que ouviria os comandantes militares antes de tomar decisões.
Quem afirma é a jornalista Judith Miller, autora de "Germes - Armas Biológicas e a Guerra Secreta da América" (com William Broad e Stephen Engelberg, 2001, lançado no Brasil pela Ediouro), "One, by One, by One - Facing the Holocaust" (Um, por Um, por Um -Encarando o Holocausto, Simon & Schuster, 1990), "Saddam Hussein & the Crisis in the Gulf" (Saddam Hussein e a Crise no Golfo, com Laurie Mylroie, Random House, 1990) e "God Has Ninety Nine Names - Reporting from a Militant Middle East" (Deus Tem 99 Nomes - Relatando de um Oriente Médio Militante, Simon & Schuster, 1997).
Para o bem e para o mal, a jornalista norte-americana de 60 anos, que fez fama nas quase três décadas em que trabalhou no "New York Times", esteve diretamente envolvida nas principais questões políticas de seu país na última década, mais de uma vez como personagem. No caso mais polêmico, ajudou a vender a tese do presidente George W. Bush da necessidade da invasão do Iraque, em 2002 e 2003, ao fazer uma série de reportagens sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein.
No mais recente, em 2005, passou quase três meses na prisão por se recusar a nomear uma fonte que revelou a identidade de uma agente da CIA, um crime federal nos EUA.
Ao sair, passou a militar por uma lei que proteja a confidencialidade das fontes jornalísticas. Leia abaixo os principais trechos de sua conversa por telefone com a Folha, de sua casa de veraneio nos Hamptons, no litoral de Nova York.

 

FOLHA - O que a sra. acha que acontecerá em novembro [quando ocorrerão as eleições presidenciais nos EUA]?
JUDITH MILLER
- Na verdade, não gosto de corridas de cavalos (risos). Mas o dinheiro está claramente em Barack Obama.
Não só porque ele é um verdadeiro fenômeno em visibilidade, em comunicação. Ele tem uma mensagem de esperança muito vaga, mas que inspira muitos pessoas e passa muita credibilidade. O público está exausto dos republicanos.
A campanha de John McCain (republicano) é uma confusão.
Ele é um indivíduo admirável, mas não muito bom de campanha. Além disso, há oito anos vem fazendo isso, disputando como independente. E existe o fato de ele ser o candidato da situação, com a economia desse jeito. Como é possível um candidato democrata não vencer?
Por outro lado, se aprendi algo sobre campanhas, é que tudo pode acontecer. Uma nova polêmica pode aparecer, preocupações sobre Obama que não sabemos ainda ou só sabemos na superfície... Isso pode mudar completamente o cenário.
Eleições num país democrático são o fenômeno mais imprevisível do mundo.

FOLHA - A sra. falou que as propostas de Obama são vagas. Isso não levará necessariamente à frustração de fatia dos eleitores, caso eleito?
MILLER
- É uma campanha temática, como foi a de Jimmy Carter [1977-81]. Na época, o tema era "levar a honestidade de volta à Casa Branca".
Agora, é "mudança". Toda vez que Obama é mais específico, ele se mete em problemas com uma ou outra facção do Partido Democrata. As declarações recentes dele em relação à Guerra do Iraque, por exemplo.
É óbvio que ele está vendo uma virada da situação no Iraque. Não vitória, pois não sei o que será definido como vitória lá, mas a violência está caindo, a escalada está funcionando. O que Obama sugeriu é que ouviria os comandantes militares para então tomar sua decisão sobre quando retirar as tropas -o que faz sentido, já que ele não visita o país há dois anos.
Quando sugere isso, começa a ser comparado a George W. Bush, o que incendeia o debate, e ele tem de recuar. Ou seja, cada vez que é mais específico em suas ações, ele arrisca alienar parte de seu eleitorado.
Assim, acho que o que veremos é McCain forçá-lo cada vez mais a ser específico, assim que o republicano colocar sua casa em ordem, claro. Isso resultará numa maior definição de sua candidatura ou em ajudar o candidato republicano.

FOLHA - A sra. já decidiu em quem votará?
MILLER
- Barack Obama escreveu um livro muito bom, que é sua primeira biografia, "Origem dos Meus Sonhos" [ed. Gente]. Não a segunda, "Audácia da Esperança" [ed. Larousse], já política demais.
É verdadeiro, não sei se outro político teria coragem de escrevê-lo. Mas não decidi, ainda. A essa altura posso dizer que estou assistindo e esperando.

FOLHA - Alguns analistas vêem, em caso de eleição de Obama, o início de uma nova era política nos EUA, como foi a eleição de John Kennedy, em 1960, ou de Ronald Reagan, em 1980...
MILLER
- Se for eleito, é bem provável que tenha maioria folgada nas duas casas do Congresso. Isso lhe dará muito poder. Por outro lado, pelos pronunciamentos recentes e por suas votações mais recentes, ele não parece ser do tipo revolucionário...

FOLHA - Hillary Clinton reclamou de que sofreu sexismo durante a campanha, e Bill Clinton reclamou da parcialidade da imprensa. A sra. concorda com o casal?
MILLER
- Totalmente, e acho uma desgraça. Ela era uma das candidatas mais fortes e com mais chances de vencer as eleições. Ela limparia a Casa Branca. De início, eu não a apoiava, mas mudei de opinião ao ver que ela queria poder político e sair das asas de Bill Clinton.
E já tinha conseguido isso, pois não apenas se tornou senadora por Nova York como é uma das mais populares em um Estado com eleitores tradicionalmente difíceis.
Mas Hillary foi vítima de preconceito sexual. O que foi dito sobre ela nunca seria dito sobre um candidato homem e certamente não sobre um candidato negro. E como a imprensa manipulou o "fator Bill"?
Ela não podia vencer, porque ele faria sombra, era um dos argumentos. Ou então, caso ele sumisse, "onde está Bill, porque ele foi colocado de lado?".
Era impossível. Mas uma verdade deve ser dita: ela estava lutando contra um dos mais carismáticos oradores que esse país já viu desde John Kennedy. E ela não é uma grande oradora.
Por fim, comandava uma equipe completamente desajustada...

FOLHA - Desde que saiu da prisão, em 2005, a sra. milita por uma lei federal que dê ao repórter o direito de proteger a identidade de suas fontes. Como vai essa batalha?
MILLER
- O número de intimações judiciais expedidas a jornalistas para que revelem suas fontes tem crescido exponencialmente nos EUA. Os promotores perceberam que é muito mais fácil intimidar os repórteres do que fazerem eles próprias suas investigações.
Isso tem de parar. A discussão sobre se o jornalista tem ou não direito ao mesmo privilégio de outros profissionais é velha, eu sei.
Mas, se esse país afirma que advogados não devem testemunhar contra seus clientes, médicos não devem testemunhar contra seus pacientes e que, agora, trabalhadores sociais não são obrigados a testemunhar contra seus clientes, sem contar maridos contra mulheres e vice-versa, isso certamente nos dá o direito [de fazê-lo].
Há uma legislação em andamento no Congresso, mas ela protege mais a fonte do que o jornalista. Ainda assim, tenho trabalhado em tempo integral para que essa lei seja aprovada.
A Câmara dos Representantes [deputados federais] aprovou a lei por uma margem à prova de veto presidencial, e o Senado passou sua versão pela Comissão de Justiça. Agora esperamos que o Senado a vote.

FOLHA - A série de reportagens que a sra. fez sobre o suposto programa de armas de destruição em massa de Saddam Hussein ajudou o governo Bush a vender ao público a necessidade da invasão ao Iraque. O "New York Times" publicou posteriormente longa matéria em que se desculpava publicamente pela qualidade dessas reportagens...
MILLER
- Qual é a pergunta?

FOLHA - A imprensa norte-americana se portou muito mal ao ser acrítica no período pré e imediatamente pós-guerra, não é?
MILLER
- Discordo fortemente da tese de que os repórteres aceitaram acriticamente as informações que o governo lhes fornecia. Isso não aconteceu.
Há hoje três investigações independentes que dizem que a inteligência de que o governo dispunha na época era falha.
O que nós podíamos fazer então? Pegar as informações dadas pelo governo e dizer: "Discordo totalmente"? Havia uma discussão legítima sobre se Saddam tinha ou não armas de destruição em massa ou se estava atrás de tê-las. Havia uma discussão legítima sobre se o Iraque estava ou não ligado ao ataque do 11 de Setembro.
Culpar o mensageiro nesse caso é buscar um bode expiatório. O país, como um todo, estava aterrorizado. Isso elevou a números recordes os índices de aprovação do presidente e os de apoio à guerra mesmo antes da invasão. Foi isso que levou o Congresso a votar em imensa maioria a autorização do presidente para a guerra.

FOLHA - Mas, ao divulgar inteligência falha, os jornais contribuíram para o estado geral.
MILLER
- Mas havia muito poucas pessoas contestando essa inteligência. Dizer que fomos ingênuos é descaracterizar o que aconteceu. Ainda há muito ressentimento em relação à guerra e a esse governo para termos uma discussão isenta.
Mas não vale reescrever a história e dizer que deveríamos ter sido mais céticos. Fui tão cética quanto os fatos e minhas fontes permitiam. Já disse e repito: nós, jornalistas, somos tão bons quanto nossas fontes.


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