São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Onde os velhos não têm vez

O ESCRITOR ESCOCÊS IRVINE WELSH, DE "TRAINSPOTTING", VIAJA À FLÓRIDA E CONCLUI QUE ELEIÇÃO SE DECIDIRÁ PELO CONFRONTO DE GERAÇÕES

IRVINE WELSH

Há algo estranhamente incompatível em Janet Jorgulesco, enquanto conversamos sentados no bar iluminado de um clube noturno de Miami Beach.
É a tosse que pontua sua conversa: um pigarro sufocado que eu associo mais a velhinhos nos bares forrados de serragem e cuspe no Leith Walk de Edimburgo do que a essa moradora da Flórida muito ciente de sua aparência.
A tosse é um resquício de uma segunda crise de pneumonia, recorrente depois de uma volta ao trabalho apressada.
Funcionária das indústrias de promoções imobiliárias e lazer, típicas de Miami, Janet, como a maioria dos americanos, está dolorosamente consciente de que há sempre alguém esperando para ocupar seu lugar se você não estiver lá.
Ao voltar à luta cedo demais, ela está jogando com a saúde, mas diz: "Não tenho seguro e, quando adoeço, só posso esperar melhorar. Se tivéssemos uma saúde pública mínima, seríamos cidadãos mais fortes e mais viáveis".
Lá fora o ar está perfumado. As férias de primavera terminaram, e Miami se prepara para mais um verão radiante.
Mas Janet, como muitos moradores da Flórida, está menos preocupada com festas na praia do que com a batalha política dos próximos meses até novembro, quando o Estado, ainda marcado pelo escândalo da apuração de 2000, que deu uma vitória incrivelmente apertada a George W. Bush, ajudará a decidir entre o velho e o novo, na forma de John McCain e Barack Obama.
Alguns dizem que a decisão é na verdade entre um negro e um branco, tese discutida na Virgínia Ocidental e em outros Estados pobres e brancos.
A Flórida, porém, situada no sul profundo, mas não exatamente parte dele, salienta uma outra divisão -que poderá se mostrar mais importante para a eleição presidencial.
Aqui, a batalha McCain-Obama é entre gerações de americanos: o veterano de guerra contra o enigma que parece pelo menos dez anos mais jovem que seus 46. A surpresa dessa disputa é que, com Hillary Clinton fora, a tão falada geração "baby boom" foi eliminada da corrida.
Obama surfa em uma onda demográfica diferente - Morley Winograd e Michael Hais, autores de "Millennial Makeover" [Repaginação do Milênio, Rutgers University Press, 336 págs., US$ 24,95, R$ 40], indicam que em 2010 a chamada geração do milênio (os nascidos a partir de 1982) vai superar a dos "baby boomers", nascidos depois da Segunda Guerra Mundial.
Eles também afirmam que aproximadamente 40% dessa geração do milênio é de afro-americanos, latinos, asiáticos ou mestiços. Um em cada cinco "milenares" tem um dos pais imigrante. E Miami é o epicentro multicultural dos EUA.
A (autodenominada) "cidade do futuro" muitas vezes parece mais com Bancoc ou Bogotá do que qualquer outra cidade americana.
Esta é a nova ilha Ellis, o principal porto de entrada para candidatos a americanos. Deveria ser um território fértil para um candidato genuinamente multicultural.
Eu moro em Miami durante parte do ano. Minha mulher, natural de Chicago, é acólita de Obama desde que ele concorreu ao Senado em Illinois.
Desde então, registrei mentalmente vários norte-americanos semelhantes a ela: brancos suburbanos na faixa dos 20 anos, de mentalidade independente, atraídos para a política partidária por esse candidato carismático.
Por isso estou conversando com eleitores brancos e hispânicos jovens do "Estado Ensolarado" para tentar avaliar o apelo de Obama e determinar suas probabilidades de vencer a eleição.

Pobreza nova
Vamos relembrar: Obama está se saindo bem com os eleitores negros. É um sucesso com o eleitorado branco, bem educado, da classe média alta. O espinho no seu pé têm sido os brancos da classe trabalhadora -e é aqui que a equipe de Obama vai jogar a carta da idade. Pela primeira vez na história, os americanos brancos de classe média de 20 e 30 anos enfrentam a possibilidade de ser mais pobres que seus pais.
Os diplomas superiores que eles possuem podem lhes dar pouco mais que empregos no comércio. E a palavra tabu "recessão" agora está sendo citada abertamente.
Números recentes do Federal Reserve [o banco central dos EUA] mostram que pela primeira vez as famílias norte-americanas estão ficando mais pobres -a riqueza total das famílias diminuiu US$ 533 bilhões no quarto trimestre de 2007. Os preços das ações estão caindo e os das residências também.
Muitos estão irritados por serem excluídos do dividendo de paz depois do fim da Guerra Fria, acreditando que se fabricou uma nova ameaça para manter o apetite voraz do complexo militar-industrial movido a petróleo -à custa dos empregos e da saúde pública. Tipicamente, os jovens americanos viram suas famílias mudarem atrás de trabalho -em vez de verdadeiras oportunidades- e se afastarem das antigas redes sociais.

Teorias conspiratórias
Matthew Yeasted, 30, um nativo de Baltimore, mudou-se para a Flórida há seis anos. "Socialmente, este não é um bom país para viver", diz. "Somos o único país desenvolvido que deixa seus cidadãos morrerem se não puderem pagar o seguro-saúde."
No entanto a política dos jovens americanos parece se definir cada vez menos pelas linhas tradicionais "liberal" e "conservadora" e, em vez disso, parece ter uma perspectiva mais libertária.
Michelle Sanchez, 25, é diretora de marketing de uma companhia de lazer e uma libertária dedicada. Chega ao nosso encontro trazendo muitas anotações. "Devemos parar de querer ser a polícia do universo", diz. "Internamente estamos desmoronando."
Preocupada com o livre comércio, Sanchez teme que os pactos que os EUA estão fazendo com o México e o Canadá sejam os primeiros passos para perder o dólar e abandonar a soberania. Essa geração de eleitores está menos preocupada com exportar a democracia para o mundo todo por meio da força militar do que com a situação problemática da democracia em seu próprio país.
Christie Samoville, 32, diretora de vendas e marketing da Intel, enfrentou o tráfego pesado para me encontrar no restaurante mais famoso de South Beach.
Acaba de voltar para os EUA depois de trabalhar durante três anos no Brasil e sente que seus colegas estão "cansados dos velhos brancos". Samoville se descreve como "socialmente democrata e financeiramente republicana", mas está inclinada para Obama.
Talvez isso não cause surpresa em uma pessoa moderada e viajada. A origem étnica mista de Obama e sua disposição a questionar as tradições da política externa dos EUA o distanciam de políticos do establishment, como Hillary Clinton, George W. Bush e John McCain, assim como de ativistas negros tradicionais, como Jesse Jackson e Al Sharpton.

Adaptação
Além disso, o estilo de liderança "adaptativo" de Obama atrai essa geração mais jovem.
Marty Linsky, professor convidado da Kennedy School [da Universidade Harvard] e co-fundador da Cambridge Leadership Associates, explica o termo: enquanto o líder "visionário" tradicional apresenta um plano específico a ser implementado, um líder adaptativo trabalha com os eleitores para criarem juntos o plano.
Obama, segundo Linsky, "propõe planos que envolvem confiança na comunidade como um todo".
"Sinto-me exaltado, como se estivesse de volta à faculdade, com essa sensação de que realmente podemos fazer alguma coisa aqui", diz Nick Porras, um recém-convertido à causa de Obama. Um advogado de 35 anos originário de Nevada, Porras é um republicano que acredita que "um país só é tão bom quanto seus mercados".
Seu respeito por Obama decorre do que considera a "inteligência e integridade" do candidato -e foi cimentada por uma recomendação pessoal.
Um de seus amigos foi colega de classe de Obama e disse a Porras: "Você nunca conheceu alguém com tanta integridade pessoal na sua vida". "Isso me conquistou", diz.
Essa é a geração Wikipédia. A informação dos colegas é muitas vezes considerada mais confiável e digna de crédito do que a mensagem imposta de cima para baixo.
Não é exagero otimista: estudos mostraram que os sobreviventes do atentado às Torres Gêmeas tendiam a ser aqueles que confiavam nos colegas, mais que na informação oficial.

Mundo colorido
Talvez seja heresia para o culto do líder imperial, na política ou nos conselhos administrativos dos conglomerados de mídia, mas é o futuro.
O presente, entretanto, pode ser uma questão um pouco diferente. Michelle Sanchez não votará em Obama -nem em nenhum outro candidato- em novembro.
"Obama, McCain são essencialmente a mesma coisa: não vão confrontar o poder das grandes corporações."
Yeasted, que é gay, não está impressionado com a posição de nenhum candidato sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Os políticos mentem, só querem dar aos lobistas e a todo mundo o que querem escutar."
O status quo significa que Yeasted e seu parceiro canadense continuam de fato cidadãos de segunda classe, mas ele admite que a política é a arte do possível. Estar muito à frente do eleitorado é tão suicida quanto ficar atrasado demais.
Um homem cujo negócio é colocar o dedo no pulso de Miami é seu filho nativo e "bon vivant" John Hood, que promove vários clubes noturnos e escreve para quase todas as revistas da cidade.
Uma festa ganha status quando você avista seu chapéu panamá e seu terno de linho.
Sair por uma noite com "The Hood" às vezes é parecido com estar em campanha eleitoral.
Enquanto percorremos um itinerário impraticável de bares, restaurantes e boates, ele opina sobre a situação da disputa.
"Juventude e inspiração são os principais componentes da Obamamania. É claro que sua juventude é relativa e sua inspiração, cada vez mais apoiada em platitudes, mas a América é obcecada pela juventude e ficou muito tempo sem alguém inspirador." Para ele, "a grande questão é se podemos superar o fator raça".
Hillary mostrou aos republicanos como conter o avanço de Obama -e lhes deu uma amostra do que vai enfrentar contra McCain. Com o desespero dos republicanos disputando a eleição em uma possível recessão, a questão talvez não seja se devem jogar sujo (e, contra Obama, isso significa usar a carta da raça), mas como.
A tradicional mensagem da direita americana contra os impostos e gastos públicos atinge um tom agudo com um orçamento de guerra mensal de US$ 15 bilhões para financiar e o Irã já na mira do Pentágono e dos falcões políticos. Encolher os ombros e atribuir a situação atual ao ciclo comercial não vai impressionar esse eleitorado.

Republicanos datados
A tese econômica de que os cortes de impostos para os ricos "escorreriam para baixo" e beneficiariam a sociedade como um todo, defendida pelo governo Bush, mais uma vez não se confirmou.
Decidir minar a posição de Obama como o negro em quem os brancos dos subúrbios podem confiar (pintando-o como um O.J. Simpson, mais que um Tiger Woods) é uma estratégia perturbadora. Se atingir a nota errada, poderá resultar no colapso eleitoral para os republicanos. Se o truque der certo, significa grandes problemas para a sociedade americana.
Muitos dos novos americanos não vêem mais seu país como uma terra prometida.
Michelle Sanchez deseja viver em Cingapura, Matthew Yeasted acha que seu futuro talvez esteja no Canadá. Barack Obama pareceria oferecer ao país sua melhor chance de se modernizar. Se essa oportunidade não for aproveitada, diante do entusiasmo que ele trouxe de volta à política, a desilusão está no horizonte.
"Muitos eleitores brancos nunca votarão em um negro, e esses tendem a ser os eleitores mais velhos", diz Christie Samoville. "Raiva" [em inglês, "rage"] soa perturbadoramente como uma mistura de raça e idade [em inglês, "race" e "age"], e talvez muito disso ainda circule pelos EUA até que se conheça o destino de Barack Obama nas eleições de 2008.


A íntegra deste texto saiu no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .

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