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Ponto de fuga
O amor e seus poderes
Jorge Coli
especial para a Folha
Bernardo Bertolucci e Luchino Visconti compartilham um certo romantismo. O conde d. Luchino, porém, que
foi o mais aristocrático dos marxistas,
descende de um fim-de-século requintado, proustiano, e não se entrega, sem
recuos ambíguos, à tirania das paixões.
Bertolucci, ao contrário, sente como os
primeiros românticos. Cada vez mais
seus filmes revelam essa afinidade, concentrando-se na bela força do amor,
unívoca e íntegra.
Nestes nossos tempos desconfiados,
trata-se de um modo de ser que pode
tomar, talvez, as cores de uma certa ingenuidade. É fato que Bertolucci não se
serve de uma consciência analítica, como aquela que acompanha a violência
sentimental de "Senso" ou de "Morte
em Veneza". Seu mundo é o de uma
outra verdade, revelada plenamente
em "Assédio", atualmente em cartaz
em SP. É um filme da convicção, ou antes, da certeza amorosa. Estão excluídas
estratégias de sedução. Há, antes, um
empenho total, de vida. Poucos personagens, quase nenhum diálogo, música
que se cruza com ruídos e ações sem
melodrama: usar o aspirador numa sala, passar roupa, lavar louça. Werther
apaixonou-se por Lotte vendo-a cortar
fatias de pão: gestos banais que contêm
em si afetos obstinados e silenciosos.
Com meios que são apenas os do
mais puro cinema, cada instante, sem
queda de intensidade, fica, em "Assédio", contaminado pelos poderes do
amor. Não é a história, muito simples, o
importante. O que conta é essa aventura interna de dois seres, que o espectador vive, ele também, como se fosse por
dentro.
Encore - "Assédio" ("Besieged"), já
foi comentado nesta coluna, quando de
seu lançamento internacional, no ano
passado. Não fica sendo demais retomá-lo. O filme é admirável, chegou não
faz muito ao Brasil. Sua estrela, Thandie Newton, é ainda protagonista de
"Missão Impossível 2", que também está nos cinemas. Dela emana uma espécie de aura, uma atmosfera emotiva,
tensa e sincera, impondo-se junto com
sua beleza exótica. Sob a direção de
Bertolucci ou de John Woo, Thandie
Newton faz sobressair pulsões amorosas, para além do erotismo.
Ode - A interpretação recente da
"Nona Sinfonia" de Beethoven pela Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo fez casa lotada. Duas récitas suplementares foram necessárias para
dar lugar a todos as demandas de ingresso. Isso revela um público formado, com expectativas diante de uma orquestra que se torna "sua". Resta saber
sobre o resultado.
Enfrentar uma obra máxima, complexa, arquiconhecida, pode significar
apenas "um esforço louvável". Ora, não
foi isso o que ocorreu. O concerto revelou-se, de fato, excepcional. Orquestra,
coro, solistas dos quais apenas um vindo de fora fizeram um percurso já traçado infinitas vezes por outros intérpretes, e conseguiram algo de novo. O
maestro Roberto Minczuk soube conferir, a cada passagem, um interesse vigoroso, uma atenção não apenas técnica, mas de inteligência e de intuição. Isso o confirma em sua personalidade
musical plena e estimulante. Confirma
também o grau de maturidade musical
da Osesp, certamente o mais alto atingido, até agora, por uma orquestra sinfônica brasileira.
Cornucópia - A coleção "Opera d'Oro", da marca de CDs "Allegro", prossegue na edição de gravações "piratas".
Publicou recentemente "Ivan, il Terribile". É a versão em italiano da "Donzela de Pskov", composta por Rimsky-Korsakov. A representação ocorreu em
1969, com Boris Christoff fazendo delirar a platéia romana.
Há uma esplêndida "Turandot" de
1958, com Birgit Nilsson e Giuseppe di
Stefano em apogeu vocal.
O catálogo traz, ainda, uma revelação: "Der Vampyr", de Marschner,
muito mais do que uma curiosidade.
Sua música muito bela, composta em
1828, mostra-se um elo importante
dentro da ópera romântica alemã.
Além disso, atua na formação dos mitos voltados para o vampirismo.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:jorgecoli@uol.com.br
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