São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2000


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Ponto de fuga

O amor e seus poderes

Jorge Coli
especial para a Folha

Bernardo Bertolucci e Luchino Visconti compartilham um certo romantismo. O conde d. Luchino, porém, que foi o mais aristocrático dos marxistas, descende de um fim-de-século requintado, proustiano, e não se entrega, sem recuos ambíguos, à tirania das paixões. Bertolucci, ao contrário, sente como os primeiros românticos. Cada vez mais seus filmes revelam essa afinidade, concentrando-se na bela força do amor, unívoca e íntegra.
Nestes nossos tempos desconfiados, trata-se de um modo de ser que pode tomar, talvez, as cores de uma certa ingenuidade. É fato que Bertolucci não se serve de uma consciência analítica, como aquela que acompanha a violência sentimental de "Senso" ou de "Morte em Veneza". Seu mundo é o de uma outra verdade, revelada plenamente em "Assédio", atualmente em cartaz em SP. É um filme da convicção, ou antes, da certeza amorosa. Estão excluídas estratégias de sedução. Há, antes, um empenho total, de vida. Poucos personagens, quase nenhum diálogo, música que se cruza com ruídos e ações sem melodrama: usar o aspirador numa sala, passar roupa, lavar louça. Werther apaixonou-se por Lotte vendo-a cortar fatias de pão: gestos banais que contêm em si afetos obstinados e silenciosos.
Com meios que são apenas os do mais puro cinema, cada instante, sem queda de intensidade, fica, em "Assédio", contaminado pelos poderes do amor. Não é a história, muito simples, o importante. O que conta é essa aventura interna de dois seres, que o espectador vive, ele também, como se fosse por dentro.

Encore - "Assédio" ("Besieged"), já foi comentado nesta coluna, quando de seu lançamento internacional, no ano passado. Não fica sendo demais retomá-lo. O filme é admirável, chegou não faz muito ao Brasil. Sua estrela, Thandie Newton, é ainda protagonista de "Missão Impossível 2", que também está nos cinemas. Dela emana uma espécie de aura, uma atmosfera emotiva, tensa e sincera, impondo-se junto com sua beleza exótica. Sob a direção de Bertolucci ou de John Woo, Thandie Newton faz sobressair pulsões amorosas, para além do erotismo.

Ode - A interpretação recente da "Nona Sinfonia" de Beethoven pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo fez casa lotada. Duas récitas suplementares foram necessárias para dar lugar a todos as demandas de ingresso. Isso revela um público formado, com expectativas diante de uma orquestra que se torna "sua". Resta saber sobre o resultado.
Enfrentar uma obra máxima, complexa, arquiconhecida, pode significar apenas "um esforço louvável". Ora, não foi isso o que ocorreu. O concerto revelou-se, de fato, excepcional. Orquestra, coro, solistas dos quais apenas um vindo de fora fizeram um percurso já traçado infinitas vezes por outros intérpretes, e conseguiram algo de novo. O maestro Roberto Minczuk soube conferir, a cada passagem, um interesse vigoroso, uma atenção não apenas técnica, mas de inteligência e de intuição. Isso o confirma em sua personalidade musical plena e estimulante. Confirma também o grau de maturidade musical da Osesp, certamente o mais alto atingido, até agora, por uma orquestra sinfônica brasileira.

Cornucópia - A coleção "Opera d'Oro", da marca de CDs "Allegro", prossegue na edição de gravações "piratas". Publicou recentemente "Ivan, il Terribile". É a versão em italiano da "Donzela de Pskov", composta por Rimsky-Korsakov. A representação ocorreu em 1969, com Boris Christoff fazendo delirar a platéia romana.
Há uma esplêndida "Turandot" de 1958, com Birgit Nilsson e Giuseppe di Stefano em apogeu vocal.
O catálogo traz, ainda, uma revelação: "Der Vampyr", de Marschner, muito mais do que uma curiosidade. Sua música muito bela, composta em 1828, mostra-se um elo importante dentro da ópera romântica alemã. Além disso, atua na formação dos mitos voltados para o vampirismo.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:jorgecoli@uol.com.br


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