São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005

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AS ZONAS FRANCAS

ROCKIN" SQUAT, DO COLETIVO ASSASSIN, CONDENA A EXCLUSÃO, MAS DIZ QUE IMIGRANTES VIVEM MELHOR NA FRANÇA QUE NA ÁFRICA

ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um sentimento de "saco cheio" que só será superado se a França se aceitar "multicolorida" foi o que motivou os distúrbios sociais que tomaram os subúrbios do país desde o dia 27. Essa é a avaliação do produtor e MC de hip hop Rockin" Squat.
Squat é um dos integrantes mais ativos do engajado coletivo francês Assassin, que desde o início de sua atuação, em 1990, combina música e ação social promovendo shows em prol de presos políticos e mantém parcerias com entidades que trabalham com questões como crimes cometidos por policiais.
Na cena hip hop local, o coletivo é responsável pela primeira gravadora independente de rap, a extinta Assassin. Atualmente, ele atua em seu novo projeto, o selo Livin" Astro, e está preparando outro com faixas do grupo brasileiro Z'África Brasil.
Leia a entrevista que Squat deu à Folha de Paris, onde diz viver "na pele" os últimos acontecimentos.
 

Folha - Qual sua opinião sobre os violentos protestos que estão ocorrendo na França?
Rockin" Squat -
Para pessoas como nós, o que está acontecendo agora não surpreende mais do que o esperado, pois o abismo social entre os bairros populares franceses e o resto do país é visível há muitos anos.

Folha - Há algum grupo ou organização por trás dos protestos?
Squat -
Do meu ponto de vista, não há grupos manipuladores por trás de tudo isso, é mais um sentimento de "saco cheio" geral. Quando assistimos a uma parte cada vez maior da sociedade ser afastada do mundo do trabalho, tratada como pária, porque são franceses mas não têm origem francesa, e quando vemos que todas as reivindicações para que se obtenha mais igualdade não são escutadas há anos, não podemos nos surpreender se a coisa estourar!

Folha - As razões para os distúrbios são sociais ou culturais/religiosas?
Squat -
A falta de reconhecimento social é a grande causa disso tudo; em muitos bairros onde há revolta o índice de desemprego é de 40%. Muitos desses bairros são "zonas francas", isto é, as empresas que ali se instalam são isentas de impostos por cinco anos, o que as motiva a instalarem-se. Mas não contratam ninguém das "cités" [conjuntos habitacionais dos subúrbios]. Elas aproveitam as vantagens sociais dadas pelo governo, sem integrar os habitantes das comunidades.

Folha - Qual seria a melhor medida para resolver esses problemas?
Squat -
A aceitação dessa nova França multicolorida, sob todos os aspectos, sem discriminação racial, social, cultural ou religiosa.

Folha - Em uma entrevista, o rapper Disiz La Peste, descendente de senegaleses, disse haver uma certa "demagogia das ruas", porque a vida nessas periferias francesas não seria tão difícil se comparada à vida nas periferias das cidades de seu país. Como é a vida real nos subúrbios da França?
Squat -
Quando se vive na miséria e na exclusão, não há níveis nem graus. Claro que a África é muito mais pobre que o Ocidente, senão porque tantos africanos viriam para a Europa? Mas daí a dizer que há uma "demagogia das ruas"... Vocês deveriam perguntar aos "hakis" [argelinos que lutaram ao lado dos franceses na guerra da Argélia] o que eles têm vivido há 40 anos!

Folha - Você mora em Paris? Onde?
Squat -
Sim, moro em Paris e estou ligado a muitos bairros atingidos (Orly, Vitry, Bobigny, Tremblay...). Quase todos os integrantes do coletivo vivem nesses bairros.

Folha - Algum integrante do Assassin é muçulmano?
Squat -
Representamos todas as crenças e religiões. Somos os Panteras Negras do hip hop.

Folha - Você conhece alguém envolvido nesses distúrbios?
Squat -
No hip hop não há delação.

Folha - Presenciou algum ataque?
Squat -
Vivi isso na pele.


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