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Leitura sem vergonha
Força dos personagens e diálogo com tradição do terror fazem de King um autor que merece ser lido
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em uma pesquisa recente realizada no
Reino Unido e divulgada pelo jornal
"The Guardian",
Stephen King foi escolhido
como o escritor número um
das "leituras culpadas", logo à
frente de J.K. Rowling [da série "Harry Potter"], John
Grisham [de "O Inocente"] e
Dan Brown [de "O Código Da
Vinci"]: 85% dos entrevistados admitiram haver autores
que buscam apenas por prazer, mas sobre os quais preferem não falar em público.
Algumas perguntas podem
ser feitas a partir dessa informação. A principal talvez seja: a culpa é mesmo necessária? Ou, para colocar a questão de outro jeito: será que a
produção de um autor como
King (e também Rowling,
Grisham ou Dan Brown) é
tão horrível assim que justifique a vergonha?
Se fosse para responder de
maneira breve, diria que não,
não existem razões para ter
vergonha. Ainda que a resposta longa seja complicada,
é possível arriscar uma ou
duas de suas justificativas.
De modo geral, o escritor
segue a fórmula básica do
best-seller, com frases, parágrafos e capítulos curtos e alternância constante de cenas
dentro de uma seqüência cronológica simples. Por outro
lado, ele tem um cuidado
pouco usual na caracterização dos personagens, principalmente os adolescentes
(basta lembrar dos protagonistas de "Carrie, a Estranha"
ou "Christine") e na montagem de seus enredos (é só
pensar em "Christine" de novo: não deve ser nada fácil
construir a história de um
carro cruel e vingativo sem
cair no ridículo, e a máquina
assassina se torna, nesse romance, bastante convincente). Além disso, King conhece
profundamente a riquíssima
tradição anglo-americana de
histórias de terror e joga com
ela em toda a sua obra.
Sem grandes preocupações
formais e capacidade de inovar, é evidente que não se trata de "alta literatura". Está,
contudo, a quilômetros de
distância de autores ralos que
costumam acompanhá-lo nas
listas dos mais vendidos, como Sidney Sheldon ou, para
lembrar um exemplo nacional, Paulo Coelho.
Na verdade, a sua produção
poderia na atualidade ser enquadrada sem maiores problemas ao lado de séries televisivas como "Alias", "24 Horas", "Lost" e "Prison Break",
que apostam no apurado cuidado técnico, na elaboração
de ficções bem trabalhadas e
no contato permanente com
questões importantes das sociedades contemporâneas.
Se não fosse por mais nada,
por sinal, não é para qualquer
um ter suas histórias levadas
para o cinema por diretores
como Stanley Kubrick ("O
Iluminado"), Brian de Palma
("Carrie, a Estranha"), David
Cronenberg ("Na Hora da
Zona Morta", do livro "Zona
Morta") e John Carpenter
("Christine, o Carro Assassino", do livro "Christine")...
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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