São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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Leitura sem vergonha

Força dos personagens e diálogo com tradição do terror fazem de King um autor que merece ser lido

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em uma pesquisa recente realizada no Reino Unido e divulgada pelo jornal "The Guardian", Stephen King foi escolhido como o escritor número um das "leituras culpadas", logo à frente de J.K. Rowling [da série "Harry Potter"], John Grisham [de "O Inocente"] e Dan Brown [de "O Código Da Vinci"]: 85% dos entrevistados admitiram haver autores que buscam apenas por prazer, mas sobre os quais preferem não falar em público. Algumas perguntas podem ser feitas a partir dessa informação. A principal talvez seja: a culpa é mesmo necessária? Ou, para colocar a questão de outro jeito: será que a produção de um autor como King (e também Rowling, Grisham ou Dan Brown) é tão horrível assim que justifique a vergonha?
Se fosse para responder de maneira breve, diria que não, não existem razões para ter vergonha. Ainda que a resposta longa seja complicada, é possível arriscar uma ou duas de suas justificativas. De modo geral, o escritor segue a fórmula básica do best-seller, com frases, parágrafos e capítulos curtos e alternância constante de cenas dentro de uma seqüência cronológica simples. Por outro lado, ele tem um cuidado pouco usual na caracterização dos personagens, principalmente os adolescentes (basta lembrar dos protagonistas de "Carrie, a Estranha" ou "Christine") e na montagem de seus enredos (é só pensar em "Christine" de novo: não deve ser nada fácil construir a história de um carro cruel e vingativo sem cair no ridículo, e a máquina assassina se torna, nesse romance, bastante convincente). Além disso, King conhece profundamente a riquíssima tradição anglo-americana de histórias de terror e joga com ela em toda a sua obra.
Sem grandes preocupações formais e capacidade de inovar, é evidente que não se trata de "alta literatura". Está, contudo, a quilômetros de distância de autores ralos que costumam acompanhá-lo nas listas dos mais vendidos, como Sidney Sheldon ou, para lembrar um exemplo nacional, Paulo Coelho. Na verdade, a sua produção poderia na atualidade ser enquadrada sem maiores problemas ao lado de séries televisivas como "Alias", "24 Horas", "Lost" e "Prison Break", que apostam no apurado cuidado técnico, na elaboração de ficções bem trabalhadas e no contato permanente com questões importantes das sociedades contemporâneas.
Se não fosse por mais nada, por sinal, não é para qualquer um ter suas histórias levadas para o cinema por diretores como Stanley Kubrick ("O Iluminado"), Brian de Palma ("Carrie, a Estranha"), David Cronenberg ("Na Hora da Zona Morta", do livro "Zona Morta") e John Carpenter ("Christine, o Carro Assassino", do livro "Christine")...


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.


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