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Comédia dos erros
Previsto
para sair na Inglaterra na quinta-feira, "Solar", novo romance de Ian McEwan, se aventura pelo humor para
abordar o aquecimento global
WILLIAM SUTCLIFFE
Nada incomoda os
britânicos mais
que o sucesso, e
poucos escritores,
nos últimos anos,
desfrutaram dele de maneira
mais visível que Ian McEwan.
Nascido em 1948, faz parte
da geração que amadureceu no
boom literário dos anos 80, em
meio a um grupo então dominado por Julian Barnes, Martin
Amis e Salman Rushdie.
McEwan foi o primeiro dos
formandos do programa de redação criativa criado por Malcolm Bradbury na Universidade de East Anglia a encontrar
algum sucesso, mas por muito
tempo sua produção parecia
esporádica, e ele vivia à sombra
do sucesso de seus pares.
Mas nos últimos dez anos
uma sequência firme de romances legíveis, populares,
aclamados pela crítica e muitas
vezes filmados com competência o conduziu a uma posição
de liderança quase incontestada entre os escritores britânicos, sobretudo em vendas.
"Reparação" vendeu mais de
2 milhões de cópias no Reino
Unido e passou oito semanas
no topo da lista de mais vendidos; já "Na Praia" vendeu 1 milhão de cópias e ficou 34 semanas entre os mais vendidos.
A "New Yorker", em um perfil reverente, apontou que "é de
conhecimento comum que
McEwan superou seus pares e
se tornou o escritor nacional da
Inglaterra".
No final de 2009, surgiram
informações de que ele estava
para publicar "Solar" [ed. Jonathan Cape, 304 págs., 18,99,
R$ 50] -que se tornou conhecido como "um romance sobre
o aquecimento global" muito
antes que qualquer pessoa tivesse a oportunidade de lê-lo.
Revolucionário
Basta começar a lê-lo para
que duas características notáveis se tornem aparentes. Primeiramente, se trata de uma
obra notável pela carpintaria e
provavelmente constitui o melhor trabalho de McEwan nesse
sentido, até o momento.
Em segundo lugar, o livro
traz uma surpresa chocante: o
fato de ser uma comédia. Isso
representa uma mudança revolucionária de tom, para um escritor famoso pela seriedade.
O protagonista é Michael
Bear, um físico premiado com o
Nobel e dotado de apetites gargantuescos, cujo quinto casamento está a ponto de fracassar, assim como sua carreira,
aparentemente encaminhada
para um futuro de irrelevância
confortável e bem remunerado.
Mas o confronto com um colega infiel altera radicalmente o
rumo de sua vida, tanto no melhor quanto no pior sentido.
Falhas de estilo?
O humor varia de percepções
sombrias, mas engraçadas, sobre a distância que separa nossas boas intenções e nossas
ações tacanhas a territórios cômicos inéditos para McEwan,
como o da farsa escancarada,
envolvendo piadas sobre um
pênis preso no zíper e momentos de humor quase pastelão.
Parecia improvável que
McEwan se saísse bem nesse
campo, mas não há dúvida de
que o fez. No entanto alguns
críticos rigorosos fizeram restrições ao que percebem como
falhas em seu estilo literário.
A crítica mais convincente a
McEwan veio de James Wood,
no "London Review of Books".
Embora seja em geral elogioso
à obra do escritor, o acusa de
excesso de artificialidade na
maneira como retém e controla
segredos narrativos.
A sugestão velada era a de
que havia certa vulgaridade nas
tramas tensas, tendo como
consequência que os romances
de McEwan se tornavam "fáceis demais de compreender".
Boa parte da inquietação da
crítica com relação a McEwan
parece girar em torno de uma
única questão: será que ele é literário o bastante? Ninguém
tem como criticar sua prosa.
Sentença a sentença, a ourivesaria precisa de suas descrições e a acuidade de sua psicologia são um consenso quanto à
qualidade de sua escrita.
Mas ler seus livros parece ser
divertido demais. No mundo
das avaliações literárias sérias,
a diversão -e a popularidade
que ela tende a gerar- é um
hóspede incômodo.
Caso os romances de McEwan fossem um pouco mais
longos, um pouco mais prolixos, um pouco mais chatos, ele
estaria isento dessa acusação.
Mas, quando levamos em
consideração a maneira como a
carreira de McEwan transcorreu ao longo de 30 anos, é possível encontrar motivos mais sérios para crítica. No início, ele
era uma espécie de "bad boy" literário, produzindo contos genuinamente chocantes.
O enorme ganho de popularidade que acompanhou suas
obras dos últimos 13 anos foi
conquistado, para alguns, à
custa de parte de sua ferocidade, de sua agressividade.
Se no passado seus protagonistas eram os jovens, os marginalizados e os simplesmente
esquisitos, hoje é mais provável
que sejam homens eminentes.
Novos desafios
Ainda assim, avaliando uma
vez mais seus 11 romances, se
torna aparente que, se em alguns aspectos temos hoje um
McEwan mais acomodado, em
outros vemos sua ousada inventividade. O consenso de público e crítica foi forjado entre
1997 e 2005, com a sequência
formada por "O Fardo do
Amor", "Amsterdã", "Reparação" e "Sábado".
Todos esses romances brilham com uma perfeição tão
cuidadosamente polida que alguns leitores os acusam de serem clínicos demais.
Se o ligeiramente decepcionante "Sábado" despertou a
impressão de que "Reparação"
seria o ponto alto da carreira de
McEwan, seus dois romances
mais recentes, "Na Praia" e
agora "Solar", surpreenderam
uma vez mais, indicando que,
mesmo depois dos 60, ele ainda
está procurando acelerar.
Em uma idade na qual a
maioria dos escritores começa
a perder o pique, McEwan parece estar sempre em busca de
novos desafios. Além disso, ele
o fez no contexto de uma comédia, o que à primeira vista parece território pouco natural,
quer para o escritor, quer para
o assunto em questão.
Como aconteceu com Philip
Roth nos anos 90, os indícios
apontam para um período de
florescimento tardio no trabalho de McEwan. Os defensores
de uma reação adversa a seu
trabalho precisarão guardar as
facas e esperar o próximo livro.
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Paulo Migliacci .
Os livros "Reparação", "Na Praia" e "Sábado"
foram publicados no Brasil pela Cia. das Letras.
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inglês podem ser encomendados em
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