São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+Cultura

Coelho corre

Com 677 mil fãs no Facebook, o escritor fala como lida com o grande número de admiradoras, ataca o papa Bento 16 e tenta explicar sua receita para ser feliz

A.N. WILSON

O escritor brasileiro Paulo Coelho é um fenômeno. Antes de me encontrar com ele para um almoço, procurei seus romances em uma livraria. Eles não estavam expostos na seção de ficção, mas na de mente, corpo e espírito. "O Alquimista" [1988, ed. Planeta], o segundo livro de Coelho, vendeu inicialmente apenas 900 cópias, mas terminou por se tornar um grande sucesso.
A essência de seu apelo é a ideia central, repetida incansavelmente em seus outros livros: qualquer pessoa tem o poder de mudar a própria vida. Trata-se de uma ideia fundamentalmente falsa, pois a maioria das pessoas está aprisionada pelas circunstâncias. Mas fiquei fascinado por esse escritor capaz de convencer tanta gente do contrário.
Nascido em 1947, em uma família de classe média do Rio de Janeiro, Coelho se rebelou contra o severo catolicismo de seus pais. Tornou-se hippie, desfrutou de sucesso como escritor de letras para canções pop, se casou (quatro vezes) e explorou o mundo do sexo, drogas e rock and roll.
Esquerdista por natureza, Coelho caiu vítima da ditadura militar brasileira e foi preso e torturado em 1974. Em 1986, aos 38 anos, sua quarta mulher, Christina Oiticica, o convenceu a caminhar pela estrada dos peregrinos até Santiago de Compostela, na Espanha, e ele retornou à fé católica de sua infância. A jornada inspirou seu primeiro livro, "O Diário de um Mago" (1987).
Agora, compilou excertos de seus "clássicos" favoritos para um livro chamado "Inspirations" [Inspirações, Penguin, °20, R$ 53]. O resultado é uma mistura de sexo e devoção religiosa típica de Coelho [leia texto nesta pág.]. Ele passa metade do ano no Rio e metade em Genebra, e é à cidade suíça que viajo para encontrá-lo. Marcamos um almoço no restaurante do Hotel do Parc des Eaux-Vives [Parque das Águas Vivas], um nome apropriadamente espiritual.
Minhas expectativas são não só beber da fonte viva de sua conversa como aproveitar um almoço cinco estrelas. Chego adiantado para o nosso encontro marcado para as 13h, pensando cobiçosamente no delicioso cardápio. De repente, vejo Coelho pelas janelas francesas, acenando. Quando entra, me cumprimenta com um aperto de mão muito firme. "Na época em que vivi em Londres, o "Financial Times" era muito importante para mim. Havia uma ditadura militar em meu país. Esse jornal era o único que me contava a verdade sobre o meu país."
Aceitei delicadamente o cumprimento ao "Financial Times" e tentei atrair o interesse dele para o cardápio. "Você gosta mais do desjejum, do almoço ou do jantar?", perguntou. Respondi que de todos igualmente.
"Tomo café da manhã e janto. Mas não almoço", diz. Como o formato do artigo lhe fora informado com antecedência, imploro que abra uma exceção. Por que não um coquetel? "Só um suco de laranja."

Inglês suspeito
Pergunto onde aprendeu a falar inglês, idioma no qual é fluente, mas em que exibe uma gramática ocasionalmente suspeita. "Virei hippie." Ele ri alto. Acomodamo-nos para a entrevista. Coelho me diz que está viciado em internet. Pergunto quantas horas ao dia ele passa on-line. "Mais do que deveria."
Você tem mais de 677 mil amigos no Facebook, comento. "Exatamente." Mais uma risada ruidosa e simpática. "Como você sabe?" E a maioria são mulheres, indico. "Sim... Em uma página normal de Facebook, você pode ter até 5.000 pessoas. Quando passa das 5.000, a página muda e se torna uma página de fãs. Quanto às mulheres, só existe um lugar em que posso ver meus leitores -as sessões de autógrafos, e eu não as faço mais." Por que desistiu?
"Em Londres, três anos atrás, tivemos de ir à Borders, na Oxford Street. Passamos mais de seis horas assinando autógrafos. Sou mais astro de rock que escritor. Então decidi que não haveria como autografar todos os livros."
Chega a hora de fazer o pedido. Coelho, depois de algum esforço, encontra um ovo cozido simples no cardápio. Dadas as circunstâncias, não acho justo pedir o menu gastronômico só para mim e decido por um filé de bacalhau com manteiga e limão africano.
Coelho pergunta se li "Onze Minutos", o diário de uma prostituta. Por sorte, posso responder honestamente que sim. Coelho conta a vida da protagonista quase como se fosse um conto de fadas.

Diário de uma prostituta
"Todos nós temos um pé no conto de fadas e um pé no abismo", afirma no texto. Os 11 minutos do título são o tempo que um dos clientes da protagonista demora para se satisfazer, e ela imagina como transcorrerá o resto do dia dele, enquanto a situação se desenrola.
O livro se baseia no diário real de uma brasileira que trabalhava como prostituta na Suíça. Ele está claramente desejoso de falar a respeito e o faz enquanto saboreia seu suco de laranja. Peço uma taça de vinho da casa, um Pinot Noir. "Usei o diário dela como base para a história." Como veio a conhecê-la?
"Foi uma história muito estranha. Estava fazendo uma conferência em Mântua, na Itália, e, no meio da plateia, havia uma pessoa com um cartaz que dizia, em português, que precisava falar comigo. Disse a meu editor que decerto era uma pessoa com problemas, e que eu precisava falar com ela. Bem, ela chegou e disse que tinha um texto, e eu respondi que meu advogado proibia que eu lesse originais alheios. Caso eu leia e uma frase que seja apareça..."
As pessoas dirão que você a plagiou e pedirão dinheiro, eu completo. "Sim. Plágio. Ainda assim, ela deixou o manuscrito no hotel. Eu não tinha o que ler naquela noite e comecei a lê-lo. Um dos meus objetivos na vida sempre havia sido escrever um livro sobre sexo. Mas jamais havia encontrado um argumento bacana. Li o livro e descobri que ela era uma prostituta."
Continua a sê-lo? "Não, ela não trabalha mais com isso. Está casada."

Cafetões e autógrafos
Eles combinaram um encontro na visita seguinte de Coelho a Zurique. "Ela perguntou se eu queria ir ao bairro da prostituição, e respondi que queria, sim, por que não?" Ele narra uma longa história sobre uma entrevista que deu a um jornalista suíço, seguida por um jantar. Com a prostituta?, quero saber, sem conseguir acompanhar bem a história.
"Não, não, não" -a ligeira irritação sugere que preciso prestar mais atenção. "Com um arquiteto". Depois do jantar, Coelho saiu com o arquiteto e um jornalista. "Vou lhes mostrar a noite de Zurique. Mas não o que vocês esperam. Às 21h30, chegará uma prostituta para nos levar à Langstrasse [região do sexo]. Fomos a uma casa noturna, e ela havia convidado todas as suas colegas, e os cafetões delas, e fiz uma sessão de autógrafos!"
O que parecia ser uma história sobre Coelho cedendo à tentação do bairro do sexo na verdade era sobre o bairro do sexo cedendo à tentação da presença de Coelho. Qual era a idade de Sonia [a prostituta]? "Vinte e sete, 28. Eu tinha 55. Nós não... você sabe." Claro, eu compreendo, garanto a ele. Pergunto como sua mulher enfrenta não as infidelidades, mas o grande número de fãs mulheres que ele tem. "Ela é muito feliz. Estamos casados há 30 anos. Nada é tão importante em minha vida."
Ela é muito religiosa? "Muito religiosa. Foi graças a ela que voltei ao cristianismo." Pergunto o que a mulher dele pensa sobre o papa. "Não sei o que ela pensa, mas sei o que eu penso sobre o papa."
E o que você pensa? "Ele se preocupa muito mais com política do que com religião... Existe um monge brasileiro, um franciscano, que estava pregando para ajudar aos pobres." "Ratzinger forçou esse monge a realizar um voto de silêncio por um ano [em 1985, o cardeal Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, impôs a pena ao frei Leonardo Boff]. Ele causa verdadeiro estrago. Grandes estragos são causados pelo fundamentalismo. No cristianismo. No islamismo." E prossegue: "Mas, assim como os EUA sobreviveram a George W. Bush, e a Inglaterra sobreviveu a Tony Blair, a igreja sobreviverá a esse papa." Mais uma risada ruidosa.
Além de propiciar sabedoria às massas, Coelho fez muito de bom por sua cidade, o Rio. Pergunto sobre sua instituição de caridade, o Instituto Paulo Coelho, que banca uma escola para crianças pobres. "Você deve saber, como disse um de seus sábios pregadores no Reino Unido, que homem nenhum é uma ilha." John Donne, eu digo.

Falsa teoria
"Por isso eu disse [a mim mesmo] que, se não sou uma ilha, poderia mudar minha rua. No final da rua onde moro existe uma favela. As condições são terríveis. E procurei duas mulheres que estavam fazendo um trabalho maravilhoso. Elas acreditavam que podiam tomar conta das crianças e que as crianças não deveriam dormir na escola, e sim voltar para suas casas e mudar toda a família com a energia positiva que carregavam. Terminamos indo bem além do projeto inicial e agora temos 430 crianças."
"Aquelas mulheres são santas. Estou aqui comendo neste belo restaurante, contemplando esse belo lago, e elas estão trabalhando arduamente pelas crianças pobres do Brasil." Sinto-me um pouco culpado ao consumir os últimos traços do molho amanteigado que acompanhava a porção ínfima de peixe. Coelho já acabou seu ovo cozido. Obviamente não vai haver sobremesa, mas ele aceita um café.
"Sabe de uma coisa?", diz. "Você não me perguntou o que todos os jornalistas sempre me perguntam -qual é o segredo de meu sucesso. Se eu soubesse o segredo, estragaria tudo."
Menciono minha teoria de que o segredo de seu sucesso é a ideia de que todos somos capazes de mudar nossos destinos. Digo o quanto acredito que isso seja falso. Imagine ser um operário de 40 anos em uma fábrica, e que você tenha filhos. Não há como simplesmente escapar ou mudar de vida.
Ele parece magoado e desaparece no banheiro masculino para ponderar sobre minha heresia. Ao sair, quando nos despedimos nos gramados municipais, ele uma vez mais aperta minha mão com força. E o que me diz faz com que eu perceba que existe um outro país -a Terra do Best-Seller-, no qual os sonhos se realizam.
"Você tem uma escolha", ele sorri. "Siga seu caminho. Se você trabalha em uma fábrica, precisa se adaptar, como Scarlett O'Hara. Ela faz das cortinas um lindo vestido. Agindo assim, você terá feito o seu melhor. E se tornará o rei de seu reino pessoal."
Eu o acompanho com os olhos enquanto vai embora, mas o perco de vista por um instante, atrás de um arbusto. De repente, percebo que saiu correndo.

A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".

Tradução de Paulo Migliacci.



Texto Anterior: +Lançamentos
Próximo Texto: Obra não tem previsão para sair no Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.