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+Cultura
Coelho corre
Com 677 mil fãs no Facebook, o escritor fala como lida com
o grande número de
admiradoras, ataca o papa Bento 16 e tenta explicar sua receita para
ser feliz
A.N. WILSON
O escritor brasileiro
Paulo Coelho é um
fenômeno. Antes
de me encontrar
com ele para um
almoço, procurei seus romances em uma livraria.
Eles não estavam expostos
na seção de ficção, mas na de
mente, corpo e espírito.
"O Alquimista" [1988, ed.
Planeta], o segundo livro de
Coelho, vendeu inicialmente
apenas 900 cópias, mas terminou por se tornar um grande
sucesso.
A essência de seu apelo é a
ideia central, repetida incansavelmente em seus outros livros: qualquer pessoa tem o
poder de mudar a própria vida.
Trata-se de uma ideia fundamentalmente falsa, pois a
maioria das pessoas está aprisionada pelas circunstâncias.
Mas fiquei fascinado por esse
escritor capaz de convencer
tanta gente do contrário.
Nascido em 1947, em uma família de classe média do Rio de
Janeiro, Coelho se rebelou
contra o severo catolicismo de
seus pais. Tornou-se hippie,
desfrutou de sucesso como escritor de letras para canções
pop, se casou (quatro vezes) e
explorou o mundo do sexo,
drogas e rock and roll.
Esquerdista por natureza,
Coelho caiu vítima da ditadura
militar brasileira e foi preso e
torturado em 1974.
Em 1986, aos 38 anos, sua
quarta mulher, Christina Oiticica, o convenceu a caminhar
pela estrada dos peregrinos até
Santiago de Compostela, na
Espanha, e ele retornou à fé católica de sua infância. A jornada inspirou seu primeiro livro,
"O Diário de um Mago" (1987).
Agora, compilou excertos de
seus "clássicos" favoritos para
um livro chamado "Inspirations" [Inspirações, Penguin,
°20, R$ 53]. O resultado é uma
mistura de sexo e devoção religiosa típica de Coelho [leia texto nesta pág.].
Ele passa metade do ano no
Rio e metade em Genebra, e é à
cidade suíça que viajo para encontrá-lo. Marcamos um almoço no restaurante do Hotel do
Parc des Eaux-Vives [Parque
das Águas Vivas], um nome
apropriadamente espiritual.
Minhas expectativas são não só
beber da fonte viva de sua conversa como aproveitar um almoço cinco estrelas.
Chego adiantado para o nosso encontro marcado para as
13h, pensando cobiçosamente
no delicioso cardápio.
De repente, vejo Coelho pelas janelas francesas, acenando. Quando entra, me cumprimenta com um aperto de mão
muito firme. "Na época em que
vivi em Londres, o "Financial
Times" era muito importante
para mim. Havia uma ditadura
militar em meu país. Esse jornal era o único que me contava
a verdade sobre o meu país."
Aceitei delicadamente o
cumprimento ao "Financial Times" e tentei atrair o interesse
dele para o cardápio.
"Você gosta mais do desjejum, do almoço ou do jantar?",
perguntou. Respondi que de
todos igualmente.
"Tomo café da manhã e janto. Mas não almoço", diz. Como
o formato do artigo lhe fora informado com antecedência,
imploro que abra uma exceção.
Por que não um coquetel? "Só
um suco de laranja."
Inglês suspeito
Pergunto onde aprendeu a
falar inglês, idioma no qual é
fluente, mas em que exibe uma
gramática ocasionalmente suspeita. "Virei hippie." Ele ri alto.
Acomodamo-nos para a entrevista. Coelho me diz que está
viciado em internet. Pergunto
quantas horas ao dia ele passa
on-line. "Mais do que deveria."
Você tem mais de 677 mil
amigos no Facebook, comento.
"Exatamente." Mais uma risada ruidosa e simpática. "Como você sabe?" E a maioria são
mulheres, indico.
"Sim... Em uma página normal de Facebook, você pode ter
até 5.000 pessoas. Quando passa das 5.000, a página muda e se
torna uma página de fãs. Quanto às mulheres, só existe um lugar em que posso ver meus leitores -as sessões de autógrafos, e eu não as faço mais."
Por que desistiu?
"Em Londres, três anos atrás,
tivemos de ir à Borders, na Oxford Street. Passamos mais de
seis horas assinando autógrafos. Sou mais astro de rock que
escritor. Então decidi que não
haveria como autografar todos
os livros."
Chega a hora de fazer o pedido. Coelho, depois de algum esforço, encontra um ovo cozido
simples no cardápio. Dadas as
circunstâncias, não acho justo
pedir o menu gastronômico só
para mim e decido por um filé
de bacalhau com manteiga e limão africano.
Coelho pergunta se li "Onze
Minutos", o diário de uma
prostituta. Por sorte, posso responder honestamente que sim.
Coelho conta a vida da protagonista quase como se fosse um
conto de fadas.
Diário de uma prostituta
"Todos nós temos um pé no
conto de fadas e um pé no abismo", afirma no texto. Os 11 minutos do título são o tempo que
um dos clientes da protagonista demora para se satisfazer, e
ela imagina como transcorrerá
o resto do dia dele, enquanto a
situação se desenrola.
O livro se baseia no diário
real de uma brasileira que trabalhava como prostituta na
Suíça. Ele está claramente desejoso de falar a respeito e o faz
enquanto saboreia seu suco de
laranja. Peço uma taça de vinho
da casa, um Pinot Noir.
"Usei o diário dela como base
para a história."
Como veio a conhecê-la?
"Foi uma história muito estranha. Estava fazendo uma
conferência em Mântua, na Itália, e, no meio da plateia, havia
uma pessoa com um cartaz que
dizia, em português, que precisava falar comigo. Disse a meu
editor que decerto era uma pessoa com problemas, e que eu
precisava falar com ela. Bem,
ela chegou e disse que tinha um
texto, e eu respondi que meu
advogado proibia que eu lesse
originais alheios. Caso eu leia e
uma frase que seja apareça..."
As pessoas dirão que você a
plagiou e pedirão dinheiro, eu
completo.
"Sim. Plágio. Ainda assim, ela
deixou o manuscrito no hotel.
Eu não tinha o que ler naquela
noite e comecei a lê-lo. Um dos
meus objetivos na vida sempre
havia sido escrever um livro sobre sexo. Mas jamais havia encontrado um argumento bacana. Li o livro e descobri que ela
era uma prostituta."
Continua a sê-lo?
"Não, ela não trabalha mais
com isso. Está casada."
Cafetões e autógrafos
Eles combinaram um encontro na visita seguinte de Coelho
a Zurique. "Ela perguntou se eu
queria ir ao bairro da prostituição, e respondi que queria, sim,
por que não?"
Ele narra uma longa história
sobre uma entrevista que deu a
um jornalista suíço, seguida
por um jantar. Com a prostituta?, quero saber, sem conseguir
acompanhar bem a história.
"Não, não, não" -a ligeira irritação sugere que preciso
prestar mais atenção. "Com um
arquiteto". Depois do jantar,
Coelho saiu com o arquiteto e
um jornalista. "Vou lhes mostrar a noite de Zurique. Mas
não o que vocês esperam. Às
21h30, chegará uma prostituta
para nos levar à Langstrasse
[região do sexo]. Fomos a uma
casa noturna, e ela havia convidado todas as suas colegas, e os
cafetões delas, e fiz uma sessão
de autógrafos!"
O que parecia ser uma história sobre Coelho cedendo à tentação do bairro do sexo na verdade era sobre o bairro do sexo
cedendo à tentação da presença
de Coelho.
Qual era a idade de Sonia [a
prostituta]?
"Vinte e sete, 28. Eu tinha 55.
Nós não... você sabe."
Claro, eu compreendo, garanto a ele.
Pergunto como sua mulher
enfrenta não as infidelidades,
mas o grande número de fãs
mulheres que ele tem. "Ela é
muito feliz. Estamos casados
há 30 anos. Nada é tão importante em minha vida."
Ela é muito religiosa?
"Muito religiosa. Foi graças a
ela que voltei ao cristianismo."
Pergunto o que a mulher dele
pensa sobre o papa. "Não sei o
que ela pensa, mas sei o que eu
penso sobre o papa."
E o que você pensa? "Ele se
preocupa muito mais com política do que com religião... Existe um monge brasileiro, um
franciscano, que estava pregando para ajudar aos pobres."
"Ratzinger forçou esse monge a realizar um voto de silêncio
por um ano [em 1985, o cardeal
Ratzinger, então prefeito da
Congregação para a Doutrina
da Fé, impôs a pena ao frei Leonardo Boff]. Ele causa verdadeiro estrago. Grandes estragos
são causados pelo fundamentalismo. No cristianismo. No islamismo."
E prossegue: "Mas, assim como os EUA sobreviveram a
George W. Bush, e a Inglaterra
sobreviveu a Tony Blair, a igreja sobreviverá a esse papa."
Mais uma risada ruidosa.
Além de propiciar sabedoria
às massas, Coelho fez muito de
bom por sua cidade, o Rio. Pergunto sobre sua instituição de
caridade, o Instituto Paulo
Coelho, que banca uma escola
para crianças pobres.
"Você deve saber, como disse
um de seus sábios pregadores
no Reino Unido, que homem
nenhum é uma ilha."
John Donne, eu digo.
Falsa teoria
"Por isso eu disse [a mim
mesmo] que, se não sou uma
ilha, poderia mudar minha rua.
No final da rua onde moro existe uma favela. As condições são
terríveis. E procurei duas mulheres que estavam fazendo um
trabalho maravilhoso. Elas
acreditavam que podiam tomar
conta das crianças e que as
crianças não deveriam dormir
na escola, e sim voltar para suas
casas e mudar toda a família
com a energia positiva que carregavam. Terminamos indo
bem além do projeto inicial e
agora temos 430 crianças."
"Aquelas mulheres são santas. Estou aqui comendo neste
belo restaurante, contemplando esse belo lago, e elas estão
trabalhando arduamente pelas
crianças pobres do Brasil."
Sinto-me um pouco culpado
ao consumir os últimos traços
do molho amanteigado que
acompanhava a porção ínfima
de peixe. Coelho já acabou seu
ovo cozido. Obviamente não vai
haver sobremesa, mas ele aceita um café.
"Sabe de uma coisa?", diz.
"Você não me perguntou o que
todos os jornalistas sempre me
perguntam -qual é o segredo
de meu sucesso. Se eu soubesse
o segredo, estragaria tudo."
Menciono minha teoria de
que o segredo de seu sucesso é a
ideia de que todos somos capazes de mudar nossos destinos.
Digo o quanto acredito que
isso seja falso. Imagine ser um
operário de 40 anos em uma fábrica, e que você tenha filhos.
Não há como simplesmente escapar ou mudar de vida.
Ele parece magoado e desaparece no banheiro masculino
para ponderar sobre minha heresia. Ao sair, quando nos despedimos nos gramados municipais, ele uma vez mais aperta
minha mão com força. E o que
me diz faz com que eu perceba
que existe um outro país -a
Terra do Best-Seller-, no qual
os sonhos se realizam.
"Você tem uma escolha", ele
sorri. "Siga seu caminho. Se você trabalha em uma fábrica,
precisa se adaptar, como Scarlett O'Hara. Ela faz das cortinas
um lindo vestido. Agindo assim, você terá feito o seu melhor. E se tornará o rei de seu
reino pessoal."
Eu o acompanho com os
olhos enquanto vai embora,
mas o perco de vista por um
instante, atrás de um arbusto.
De repente, percebo que saiu
correndo.
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Paulo Migliacci.
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