São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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A pornografia da opinião

Saturação de informações, ausência de visão totalizadora e dependência das velhas mídias põem em xeque expansão dos blogs nos EUA

TREVOR BUTTERWORTH

Numa manhã fria do ano passado -era outono, mas o clima era de inverno-, antes de as folhas das árvores se animarem a queimar e cair, os bárbaros penetraram pelo portão. Quatro jovens escritores ousados, conhecidos por milhões de leitores apenas por seus apelidos de blogueiros -Gawker, Gizmodo, Wonkette e Defamer- se reuniram em um estúdio elegante do distrito nova-iorquino de Chelsea para serem fotografados para a edição de fevereiro deste ano da "Vanity Fair".
Representavam a nata da Gawker Media [www.gawker.com], um miniimpério de blogs inteligentes, movidos a fofocas, criado em 2003 por Nick Denton, ex-repórter do "Financial Times". Mas também eram emissários das hordas de blogueiros, um exército irregular de jornalistas cidadãos determinados a derrubar a velha-guarda da mídia americana. A ironia era aguda: a Gawker supostamente zombaria desse tipo de ostentação de pessoas se mostrando como partes do establishment.
Mas a vitória era mais doce ainda: era um momento ímpar, uma bênção dada por uma revista que, mais do que qualquer outra, se tornou a cronista elegante do establishment das celebridades.
Como disse a "Vanity Fair" no artigo que acompanhou o ensaio fotográfico, "com uma combinação de redação inteligente e irreverente e de temas de baixo nível, tudo isso reunido em sites de design enxuto, a turma da Gawker está injetando um pouco de humor e diversão maliciosa em uma década na qual o humor faz falta". A impressão que se tinha era que a imprensa irreverente do século 21 de fato aparecera em cena.
A Gawker se tornou conhecida logo após surgir, quando sua primeira editora, a ex-analista de ações Elizabeth Spiers, publicou uma entrevista franca com uma jovem que trabalhava em Wall Street e que falou sem constrangimentos sobre a ética lamentável dos traficantes de cocaína em matéria de atendimento ao consumidor -aparentemente um problema sério para os escravos do mundo das altas finanças, obrigados a passar noites em claro trabalhando na época da entrega dos impostos.


Uma das convenções que funcionou em favor dos blogs foi o modo como a mídia costuma tomar conheci-mento de uma nova tendência e descrevê-la como revolução


"O vendedor perfeito de pó seria como um paizão", disse a entrevistada -um imigrante tendo que pagar colégio e faculdade para seus seis filhos, por exemplo, alguém que não se daria ao luxo de destratar seus fregueses. Era o tipo de informação que você dificilmente encontraria no "New York Times".

Minoria crescente
A representante da Gawker em Washington, Wonkette, conseguiu um furo ainda maior quando sua editora, Ana Marie Cox, escreveu sobre "Washingtonienne", uma funcionária republicana de 26 anos que, escrevendo sob pseudônimo, publicava um blog sobre seus relacionamentos sexuais, incluindo um com um funcionário da administração Bush, casado, que demonstrou sua gratidão dando a ela um envelope cheio de dinheiro em espécie.
Os leitores não demoraram a deduzir com quem a blogueira, Jessica Cutler, estava dormindo, ajudados pelo fato de que Cutler -que em vários momentos mencionou seu QI supostamente superior a 140- se referia a seus amantes por suas iniciais verdadeiras.
A sociedade bem-comportada de Washington, D.C., ficou horrorizada. Cutler foi demitida por fazer uso impróprio do computador em seu escritório, mas imediatamente conseguiu um contrato para publicar um livro (por uma cifra de seis algarismos) e um convite (que aceitou) para posar para a "Playboy" em tempo para a eleição de 2004.
Ela disse ao diário "Washington Post", em comentário memorável: "Todo mundo deveria ter um blog. É a coisa mais democrática que existe". De fato, ter um blog parecia constituir o caminho mais rápido para a fama, num país obcecado pela fortuna. Com a Gawker Media, os EUA pareciam ter ganho os tablóides que mereciam.
Neste momento, é possível que você esteja se perguntando o que diabos é um blog. Ao que tudo indica, até mesmo nos EUA, a superpotência da blogosfera, a maioria dos usuários da internet -62%, segundo pesquisa da Pew Internet e do Projeto Vida Americana- não sabe responder a essa pergunta.
Assim, para o caso de você integrar essa maioria, um blog costuma receber a definição um tanto quanto confusa de diário online -ou "weblog". Uma descrição mais precisa seria dizer que um blog é a maneira mais simples e barata de publicar um tipo de site cuja estrutura incentiva as anotações diárias, em estilo diário. A idéia decolou em 1996, com o "webring" -ou seqüência de sites interligados- da Open Pages.
Mas foi apenas quando sites como o Blogger (www.blogger.com), criado em San Francisco pela Pyra Labs, em 1999, ofereceram aos internautas espaço livre nos servidores e ferramentas para criar seus próprios sites que teve início o fenômeno muito mais difundido do "blogging" em escala generalizada.
É muito provável que você já tenha topado com um blog quando fez uma busca por algum tema específico na web, mas, para quem quer encontrar blogs que tratem de assuntos específicos, a blogosfera possui sua versão própria do Google sob a forma do Technorati (www.technorati.com), uma máquina de busca que rastreia blogs. Ou, então, você pode procurar o The Truth Laid Bear (www.truthlaidbear.com), que rastreia as visitas aos blogs mais populares. Outra alternativa é clicar em cima de um blog -por exemplo, o Instapundit (www.instapundit.com), se você tiver tendências conservadoras, ou o Daily Kos (www.dailykos.com), se você preferir os valores liberais-, o que o conduzirá a uma lista de links para blogs de pessoas de pensamento semelhante ao seu.
No final de 2002, existiam cerca de 15 mil blogs. Em 2005, 56 blogs novos eram lançados por minuto.

A conquista da credibilidade
Mesmo assim, o "blogging" não teria passado muito de uma receita para ainda mais tédio na internet se não tivesse sido visto nos EUA como ameaça direta à grande imprensa e às convenções pelas quais esta controla as notícias. E uma das convenções que, por acaso, funcionou em favor dos blogs foi a maneira como a mídia costuma tomar conhecimento de uma nova tendência e descrevê-la como revolução.
O aumento do "hype" em relação ao "blogging" foi ajudado pelo fato de muitos dos blogueiros mais conhecidos serem pessoas de destaque no establishment da mídia -gente como Andrew Sullivan, ex-editor da revista "The New Republic", ou Mickey Kaus, da "Slate", a revista on-line que a Microsoft vendeu à empresa The Washington Post Company há pouco mais de um ano.
O fato de jornalistas tão respeitados terem aderido aos blogs conferiu à revolução uma dose de credibilidade que ela talvez não tivesse se estivesse nas mãos de verdadeiros "outsiders". E então, logo antes da eleição presidencial de 2004, o "blogging" passou por seu momento "Encouraçado Potemkin", quando multidões de blogueiros partidários surgiram para derrubar o leviatã da CBS, Dan Rather, por este ter divulgado memorandos supostamente falsos sobre o serviço militar prestado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, na Guarda Nacional.
Isso pareceu comprovar uma das maiores afirmações feitas em favor dos blogs: que a inteligência coletiva do público da imprensa era maior que a inteligência coletiva de qualquer jornal ou programa de notícias.

Onda irreprimível
O incidente também mostrou que a onda dos blogs era irreprimível, que o poder estava passando dos guardiões das portas da mídia tradicional para as mãos de uma sociedade de informação mais aberta e fluida, o que teria alegrado o coração do filósofo Karl Popper (1902-94). E solidificou a crença dos conservadores de que escrever blogs seria uma maneira de derrubar seus adversários de longa data na imprensa liberal, antes uma fortaleza inexpugnável.
Como escreveu em agosto passado no conservador "Weekly Standard" o professor de direito e apresentador de rádio Hugh Hewitt: "Seria difícil exagerar a rapidez com que avança a reforma da informação ou superestimar seu impacto sobre a política e a cultura. A grande imprensa tornou-se uma casca oca daquilo que já foi, em termos de influência, e, quando os anunciantes se derem conta de quem está lendo os blogs, a velha imprensa vai ver sua base de anunciantes fugir -e não será um processo demorado".



"Há o consenso de que é bom contar com o "New York Times" porque precisamos saber que essa é a versão dominante da história, hoje"


Michael S. Malone, que já foi descrito como "o Boswell do vale do Silício" [James Boswell, biógrafo escocês do século 18], disse que estamos assistindo à "aurora da mídia dominada pela blogosfera". "Daqui a cinco anos, a blogosfera terá se transformado num motor econômico poderoso, que terá praticamente relegado os jornais ao esquecimento, os quais (graças aos celulares que filmam) terá se metamorfoseado numa mídia de vídeo que concorre com o jornalismo televisivo e que terá criado um novo grupo de superestrelas e grandes empresas de mídia. Bilhões de dólares serão ganhos por quem tiver presciência suficiente para embarcar nesse bonde ou investir nessas empresas."
Mesmo um dos principais intelectuais públicos americanos, Richard Posner, que leciona direito na Universidade de Chicago e foi juiz superior de apelações dos EUA, afirmou que o "blogging" representa "o mais recente e possivelmente o mais grave desafio ao establishment jornalístico" (se bem que é digno de nota o fato de Posner ter optado por publicar sua reflexão no "The New York Times Book Review", e não em seu próprio blog).
Entretanto, como acontece com qualquer revolução, devemos nos indagar se estão nos vendendo um imperador nu. Será que o "blogging" é de fato uma revolução da informação? Será que ele está prestes a relegar ao esquecimento a grande mídia noticiosa? Ou não passa de mais um pote de ouro virtual -um equivalente espúrio àquelas espalhafatosas companhias novas abertas na internet alguns anos atrás, que supostamente iam erguer uma admirável "economia nova"?
Será que não devemos encarar com um pouquinho de ceticismo mais uma revolução da informação que chega tão pouco tempo após a última -especialmente porque, desta vez, ninguém está nem sequer fazendo de conta que está enriquecendo com ela? O problema da mídia hoje não é que mal temos tempo para ler um jornal? O que dirá passear pelos pensamentos de 1 milhão de blogueiros?

O poder dos dinossauros
Desconfio que sim e por várias razões, das quais não é a menor a capacidade surpreendente que possuem os "dinossauros" da velha economia de absorverem, adaptarem-se e evoluírem. Já estamos começando a ver blogs deitando raízes em jornais bem estabelecidos dos dois lados do Atlântico -embora poucos até agora tenham chegado ao ponto a que chegou o "News & Record", de Greensboro, Carolina do Norte, no qual, no ano passado, o editor, John Robinson, mandou seus repórteres se converterem em blogueiros.
Ele também convidou os leitores a fazerem as vezes de repórteres, eles próprios, arquivando suas próprias matérias, e ele mesmo escreveu seu próprio blog.
Alguns experimentos deram errado. Quando, no ano passado, o "Los Angeles Times" decidiu tentar deixar os leitores inserirem suas próprias idéias em seus editoriais online, o experimento terminou dias depois de imagens obscenas terem sido incluídas em seu site.
Mas, enquanto a velha mídia se esforça para apreender o significado da onda dos blogs, ouvir alguns dos heróis dessa "revolução" falarem hoje de sua insignificância é algo que, inevitavelmente, induz à reflexão. No final do ano passado, fui até o East Village, ao bagunçado apartamento de Choire Sicha, editor do "The New York Observer", um jornal semanal vibrante que cobre os ricos e poderosos de Manhattan.
Vestindo jeans e camisa cor-de-rosa e com a barba tão por fazer que parecia um dos Bee Gees na juventude, Sicha não nutre ilusões sobre o "blogging", embora seja isso que tenha ajudado a colocar a Gawker Media e ele próprio no mapa da mídia.
"A palavra blogosfera não tem sentido", disse ele. "Não existe esfera. Essas pessoas não estão interligadas. Elas não têm nada a ver umas com a outras." Ele explica que a promessa democrática dos blogs resultou em apenas mais fragmentação e mais segregação, numa época em que, pode-se afirmar, é muito mais importante enxergar a totalidade das coisas -justamente o ponto forte do que faz a velha imprensa.
Se a badalação em torno do "blogging" soa familiar é apenas porque, na verdade, você já ouviu tudo isso antes. Em Washington, a ruiva flamejante responsável pelo blog Wonkette, Ana Marie Cox, achou profundamente "déjà vu" a idéia das ameaças graves e das promessas grandiosas do "blogging". "As pessoas diziam o mesmo sobre os (fan)zines", ela falou. "Diziam isso também sobre a web de maneira geral. Devem ter dito o mesmo sobre o CD-ROM."
Se alguém deve acreditar verdadeiramente na revolução dos blogs, é Cox -mas ela não acredita. "Sempre vai existir um "New York Times". Nós, como cultura, gostamos de ter uma narrativa sobre a qual temos uma espécie de consenso. Você pode achar que isso é propaganda da elite liberal ou pode considerar que é a hegemonia conservadora das grandes empresas. Mas existe o consenso de que é bom contar com o "New York Times" porque precisamos saber que essa é a versão dominante da história, hoje. O jornalismo da TV a cabo cumpre a mesma função. Acho que a idéia deve ser de que alguém em Jacarta [capital da Indonésia] vai poder digitar no seu computador uma matéria sobre o que está acontecendo em Jacarta neste momento. Mas, sabe de uma coisa, acho que eu quero que haja um repórter profissional fazendo isso, também."
Sob muitos aspectos, foi a própria mídia americana, em todo seu isolamento farisaico, que provocou o surgimento do "blogging". Em 1993, Martin Walker, na época diretor da sucursal do "Guardian" em Washington, fez a observação cáustica e perceptiva de que era preciso ser velho para ser autorizado a ter uma opinião na imprensa de papel americana. Contrastando com a mídia européia, que teve sua origem no Iluminismo e na crença de que o jornalismo constitui um fórum de debates e discussões -até mesmo de filosofia, segundo David Hume-, a imprensa americana é uma criação do século 19 animada pela busca de informações factuais.
Espero que me perdoem a filosofia de botequim, mas o fato é que os blogs levaram o Iluminismo europeu aos EUA. Cada blogueiro era sua própria gráfica, exercendo espontaneamente sua liberdade de crítica. Isso é ótimo. Mas, em algum ponto do caminho, a opinião virou a nova pornografia na web.

Parasitismo
A lição histórica a ser tirada disso diz respeito à cíclica rebelião contra a mídia norte-americana por ser séria demais, enfadonha e fechada às transformações. De fato, a imprensa underground dos anos 1960 era descrita em termos quase idênticos aos usados hoje para referir-se ao "blogging". A rodada atual de demolição pode ter uma sensação de algo excitante e radicalmente novo, mas o "blogging" nos EUA não é reflexo do tipo de profunda transformação social e política subjacente à imprensa alternativa nos anos 1960.
Em lugar disso, o fato de os blogs dependerem da velha mídia para seus materiais traz à mente as pulgas de Jonathan Swift [escritor anglo-irlandês, autor de "As Viagens de Gulliver"] sugando outras pulgas "ad infinitum": para que o processo de alimentação possa ter início, é preciso que haja um hospedeiro em algum lugar. A idéia de que algum dia os blogs vão reinar no mundo da mídia representa o triunfo do otimismo sobre o parasitismo.
Está claro que esse não é o caso em outras partes do mundo. "Num mercado como os EUA, os blogs são superabundantes e muitas vezes irrelevantes, porque sofremos de um excesso de informação e já perdemos de vista as normas para a criação de hierarquias de informação", postulou Anne Nelson, consultora de mídia e professora adjunta na Faculdade Columbia de Assuntos Internacionais e Públicos.
"Em sociedades autoritárias, como a Síria ou a China, a situação é inversa -faltam informações independentes, e as pessoas podem questionar a hierarquia imposta.
Na verdade, como diz Nasrin Alavi em seu livro recente, "We Are Iran" (Nós Somos o Irã, Soft Skull Press, US$ 15,95, R$ 33), os blogs estão criando uma revolução da informação no país onde o regime teve sucesso espantoso no fechamento de jornais (41 fechados nos últimos dez anos). "Graças ao anonimato e à liberdade dos weblogs, os iranianos estão finalmente encontrando sua voz e discutindo questões nunca antes tratadas publicamente na mídia nacional", escreveu Alavi na revista "FT" em novembro passado.
"Recentemente, o chefe do Judiciário iraniano, aiatolá Sharoudi, descreveu a Internet como "cavalo de Tróia que carrega soldados inimigos em seu ventre". Ele tem razão. A blogosfera iraniana fervilha de oposição à revolução islâmica."
Sem dúvida o "blogging" sempre terá espaço como mídia alternativa em sociedades fechadas. Mas, para aqueles no Ocidente que tentam abrir caminho para negócios viáveis por meio de blogs, o aspecto econômico da equação é desanimador.
O problema inerente a esse fenômeno é o fato de que a marca do blog reside em indivíduos. Se esses indivíduos são ótimos escritores, é provável que alguém os atraia para fora de seus blogs com um salário melhor e a oportunidade de fazer um trabalho mais significativo. Se o escritor se cansa de seu trabalho e perde o pique, a marca pode desabar, juntamente com ele.
Para enfrentar a roda-viva exaustiva dos acréscimos intermináveis nos blogs, tanto o Gawker quanto o Wonkette hoje têm dois editores cada. Mas a economia de escala é tão grande que um segundo editor não vai modificar a produção a ponto de fazer dobrar o número de leitores ou a receita publicitária dos blogs. O segundo editor garante a segurança: checa a veracidade de boatos que, de outro modo, poderiam conduzir a processos judiciais capazes de acabar com o blog.
Quanto à receita publicitária, ninguém parece estar enriquecendo com o "blogging". De acordo com a "Advertising Age", Markos Moulitsas, fundador do Daily Kos, um dos blogs mais lidos no mundo, estava ganhando cerca de US$ 20 mil [R$ 43 mil] mensais pouco antes da última eleição presidencial [2004]. Quando perguntei a ele, por e-mail, quanto ele está ganhando agora, ele se recusou a responder: "Isso não é da conta de ninguém. Não sou uma empresa pública", falou.
Do mesmo modo, a Gawker Media e a Pajamas Media (um serviço de notícias em blog que inclui o site do professor de direito Glenn Reynolds, Instapundit, que recebe tráfego intenso) ou se recusaram a responder ou não forneceram cifras.
"Digamos apenas que ganhamos mais do que um engradado de cervejas, mas não o suficiente para podermos abandonar nossos empregos", disseram Heather Cocks e Jessica Morgan, as escritoras por trás do sarcástico e criativo Go Fug Yourself (www.gofugyourself.com), que aponta celebridades que apareceram usando roupas "assustadoramente feias". O blog atrai regularmente mais de 100 mil visitantes por dia, o que faz dele um dos blogs mais visitados na internet.
Um blogueiro que concordou em revelar suas finanças sugere que nem mesmo os sites com freqüência acima da média vêm rendendo fortunas. Andrew Lienhard ganhou US$ 1.100 no ano passado ao utilizar o serviço de anúncios do Google em seu blog, JazzHouston (www.jazzhouston.com), que está no ar desde 1996 e recebe cerca de 12 mil visitas diárias.
Depois de conversar com várias pessoas do mundo da nova mídia, foi possível estimar uma receita publicitária de US$ 1.000 a US$ 2.000 mensais para um blog típico que receba 10 mil visitas por dia e atraia um público nacional com temas populares, tais como política.
O problema é que poucos blogs têm tráfego tão intenso quanto isso. De acordo com um monitoramento conduzido pelo The Truth Laid Bear, apenas dois blogs recebem mais de 1 milhão de visitantes por dia e, depois deles, os números descrevem uma queda acelerada: o blog situado em décimo lugar em termos de hits recebe cerca de 120 mil visitas por dia, o 50º, 28 mil, o centésimo, 9.700, o 500º, apenas 1.400, e o milésimo, menos de 600.
Em contraste, a edição on-line do "New York Times" teve uma média de 1,7 milhão de visitantes por dia útil em novembro passado, de acordo com o índice Nielsen, e o jornal de papel alcançou 5 milhões de pessoas por dia útil, segundo pesquisa da Scarborough. Essa é uma razão pela qual os anunciantes continuam fiéis à grande imprensa.

O risco do tédio
A outra razão está ligada à própria razão de ser dos blogs. "Existe uma certa perda de controle quando se trata de anunciar em blogs", disse Mark Wnek, presidente do conselho e executivo criativo chefe da [agência de publicidade] Lowe, em Nova York. "O vínculo que a maioria dos jornalistas e cidadãos cultiva com seus leitores se dá por meio da liberdade de expressão franca, não-censurada, e isso pode constituir território bastante incômodo para um anunciante tradicional."
Os números fracos em matéria de acesso também apontam para outro segredinho comercial da blogosfera, algo que passa despercebido do juiz Posner e outros blog-evangelistas quando eles difundem a idéia de que o "blogging" cria condições para o florescimento de milhares de Tom Paines [1737-1809; usou a distribuição de panfletos como meio para apoiar a Independência dos EUA].
Como diz Cox: "Quando as pessoas falam da libertação da mídia de pijama e poltrona, elas tendem a desconsiderar o fato de que as vozes de mais alto volume na blogosfera pertencem a pessoas que têm experiência em escrever. Essas pessoas não precisam necessariamente ser jornalistas experientes, mas escrevem. Parte de sua vida profissional consiste em comunicar-se com clareza por meio da palavra escrita".
E nem todo blogueiro pode ser um Tom Paine. "As pessoas podem querer uma mídia democrática, mas não querem se entediar", diz Cox.
"Elas também querem se divertir e sentir que aprenderam alguma coisa. Querem idéias que sejam expressas com algum grau de clareza." E isso nos leva ao fantasma que assombra a blogosfera: o tédio. Se a pornografia da opinião não faz você ansiar pelo erotismo do fato, a imensa paisagem devastada da verborréia produzida pela natureza constante e implacável dos blogs constitui o maior impedimento a sua seriedade como meio de comunicação.
Para ilustrar esse ponto, perguntei a vários blogueiros se achavam que Karl Marx ou George Orwell, dois escritores políticos tremendamente potentes que também foram jornalistas, teriam escrito blogs, se houvesse essa possibilidade. E, em quase todos os casos, a resposta foi "é claro que sim, isso lhes teria proporcionado o maior público e o maior impacto possíveis".
Mas é claro que a pergunta foi uma armação. O grande crítico e editor Cyril Connolly caía em desespero diante da prolixidade dos escritos de Orwell durante a Segunda Guerra: "Pelo fato de ser Orwell, nada do que ele escreveu é inteiramente destituído de valor, e algumas jóias inesperadas aparecem a toda hora. Mas ó, tédio da argumentação sem ação, da política sem poder!".

Questão de tempo
Connolly era o oposto fundamental de Orwell: uma inteligência espirituosa e arguta dada à preguiça, um bon vivant barrigudo que desperdiçou sua genialidade.
Mas, na prática, ele reconheceu como Orwell teria sido terrível como blogueiro, como ele teria caído na espécie de refugo literário exemplificado por "In Defense of English Cooking" (ed. Penguin) do escritor: "Eis algumas das coisas que eu mesmo já procurei em países estrangeiros e não consegui encontrar. Para começar, arenques defumados, pudim de Yorkshire, creme de Devonshire, "muffins" e "crumpets". Depois, uma lista de pudins que, se eu a expusesse por inteiro, seria interminável -vou selecionar para menção especial o pudim de Natal, a torta de melado e os bolinhos fervidos de maçã. Em seguida, uma lista igualmente longa de bolos: por exemplo, o bolo de ameixas escuras".
O importante aqui é que qualquer escritor de talento precisa de tempo e calma para produzir trabalhos que tenham alguma chance de perdurar. Connolly garantiu essas condições a Orwell com a influente revista literária da qual era co-editor, a "Horizon", que proporcionou a Orwell a oportunidade de escrever alguns de seus ensaios mais memoráveis.
Quanto a Marx, o jornalismo era um ato de necessidade econômica, que, num primeiro momento, exigiu que Engels se encarregasse de toda a redação dos dois. Mas Marx era alguém que aprendia rápido e possuía humor inteligente. Em sua biografia rápida sobre ele ("Karl Marx", Record), Francis Wheen aventa a hipótese de que, "se tivesse tido tempo e mundo suficiente, Marx poderia ter se feito conhecer como o mais aguçado jornalista polêmico do século 19. Mas, às suas costas, ele sempre ouvia a voz causticante da consciência lhe sussurrando "é magnífico, mas não é a guerra'".
Para Marx e Engels, o jornalismo era trivial -um impedimento ao trabalho sério, memorável e, sobretudo, influente. "Escritos meramente pelo dinheiro", escreveu Engels, falando dos mais de 500 artigos que ele e Marx redigiram para o "The New York Daily Tribune". "Se eles nunca forem relidos, não tem importância nenhuma."
E é esse, em última análise, o destino triste do "blogging": ele torna o mundo ainda mais fugidio do que faz o jornalismo. Atrelado ao ciclo interminável das notícias e à necessidade de acrescentar texto a seus blogs quatro ou cinco vezes por dia, cinco dias por semana, o "blogging" se torna o que a cultura literária já teve de mais próximo da obsolescência instantânea.
Nunca haverá uma edição Modern Library dos grandes polemistas da blogosfera a amarelar sobre as estantes; nada, a não ser um túmulo virtual, aguarda 1 bilhão de mensagens divulgadas nos blogs -o coral dos blogueiros fartos da palavra, marinheiros solitários eternamente divulgando mensagens no mar de notícias que jamais adormece.

Trevor Butterworth é pesquisador do Centro de Mídia e Assuntos Públicos, em Washington, e ex-editor do site de monitoramento da mídia www.newswatch.org
Este texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.


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