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"BLOGS
TRANSFORMARAM A COMUNICAÇÃO'
Para a pesquisadora brasileira Lucia Leão, da PUC-SP, diários na web não são mais vistos como "mentirinha" e oferecem
canal alternativo à grande mídia
ERNANE GUIMARÃES NETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os blogs representam uma
alternativa confiável aos
meios de comunicação de
massa, defende Lucia Leão,
professora de comunicação na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e artista multidisciplinar. "É
mais fácil ficar bem-informado navegando por esses atalhos do que esperar a notícia sair. Isso é uma grande
transformação nas formas de comunicação", defende a professora, freqüentadora de blogs e que os utiliza
em sala de aula.
Em entrevista à Folha, a organizadora de "O Chip e o Caleidoscópio -Reflexões sobre as Novas Mídias"
(ed. Senac) aponta as características
específicas que fazem do blog uma
forma independente de comunicação
e apresenta tendências da comunidade blogueira no Brasil.
Folha - Os blogs não são apenas uma
mania passageira?
Lucia Leão - Não, acho que está sendo o caminho que a web achou; é
uma evolução, uma transformação
da web.
Folha - Eles se constituem uma forma
autônoma de comunicação?
Leão - É isso mesmo. Se pegarmos a
história do jornal, é interessante recordar. O jornal também tinha essa
cara. O editor, o chefe do jornal, é hoje o editor desses blogs. Os jornais
não eram tão grandes. Há um pouco
dessa volta às origens, de ouvir a voz
do autor, seus valores.
Folha - O ambiente "etéreo" da internet não compromete a credibilidade
do trabalho?
Leão - Não, porque a credibilidade
está relacionada com o que a gente
chama de reputação, a confiança que
se dá a um blog, e não a outros. Tem a
ver com ética: você confia naquele cara, e se estiver errado alguém vai falar.
O blog também tem "erramos". Chamo isso de regulação que emerge,
pois a própria web regula. Quando
você visita esses sites, em geral tem
indicações. Por exemplo o site Turbulence, que existe há muito tempo e
agora faz um blog com notícias
(www.turbulence.org/blog). Você sabe quem são
aquelas pessoas. Elas existem.
Tenho insistido nisto: durante muito tempo, as pessoas achavam que o
ciberespaço é "mentirinha", um
mundo de faz-de-conta, de fantasia.
Hoje a gente saiu dessa fase.
Estamos na fase em que o ciberespaço é apenas um prolongamento da
cultura. É lógico que há lugares em
que as pessoas podem usar o alter ego
para se sentir à vontade -o que também há no mundo real.
Não há nada no ciberespaço que
não corresponda ao mundo real.
Quando comecei a insistir nisso, as
pessoas me olhavam como se fosse
um extraterrestre. Quando se faz uma
transferência de dinheiro na sua conta, aquilo ocorre de fato. Quando você publica alguma coisa com seu nome, tem que responder por aquilo.
Folha - A cultura e o mercado do Brasil têm capacidade para absorver mais
os blogs, como ocorre nos EUA?
Leão - Sim, claro. O que acho interessante são os blogs que acabam
criando comunidades. O blog está lá,
faz divulgação e você que se interessa
por aquele assunto começa a entrar lá
para estar bem-informado. Ainda
tem pouca gente fazendo isso, em
comparação com a Europa. Eu mesma sou professora e não dou conta: às
vezes meu blog fica sem ser atualizado.
Uso muito para aula, ponho o que
está acontecendo na aula no blog,
mas gostaria de ter um blog mais organizado. Acabo não tendo tempo.
Alguns pesquisadores de fora mantêm regularidade. O pesquisador
Mark Bernstein, por exemplo, dá a isso o nome de "web viva": você sabe
que vai entrar lá e sempre tem alguma
coisa nova.
Folha - É o que faz as pessoas optarem por criar um blog, e não um site?
Leão - Com certeza. É mais prático,
tem recursos de envio por celular. Para fazer sites, há aqueles "templates"
[modelos para facilitar a construção],
mas isso acabou atendendo a outro tipo de usuário. O usuário do blog quer
realmente agilidade, mobilidade para
trocar informações rapidamente.
Folha - Isso cria uma forma de comunicação específica?
Leão - Sim. A troca de atalhos é bem
legal. Especialmente na área de software livre: com os links, você vai navegando de um site para outro e vendo muita notícia interessante. É mais
fácil ficar bem-informado navegando
por esses atalhos do que esperando a
notícia sair. Essa é uma grande transformação nas formas de comunicação. Ninguém está muito preocupado
com a forma, mas sim com a notícia.
Folha - No Brasil, os blogs têm se
apoiado muito no Orkut?
Leão - Bem observado. O Orkut acaba sendo uma maneira fácil de atrair
pessoas para um site, até melhor, por
exemplo, do que o Google. É uma tática de comunicação mais pontual.
Tive uma aluna de pós-graduação cujo trabalho era sobre design e jornalismo. Ela fez um blog e ninguém visitava, ela enviava e-mails e ninguém
entrava [no blog]. Ela pôs no Orkut e
num dia teve 200 visitas. Atingiu mais
pessoas interessadas no tema.
Folha - Notícias na mídia ajudaram a
fazer crescer o movimento dos blogs?
Leão - Acho que é independente.
Não digo que não haja alcance, há
gente que entra num blog porque viu
na mídia impressa, mas em geral é
coisa que acaba acontecendo no ato
de navegar ou por e-mail.
E as revistas, como a "NovaE", listam blogs e acabam criando uma
"gangue" de blogs. A comunidade
tem o poder de divulgar novos blogs.
Folha - E os jornalistas que são pagos
para fazer blogs? Isso vai funcionar no
Brasil?
Leão - Acho que sim. Há vários
blogs muito bons, como o de Hermano Vianna (www.overmundo.com.br).
Folha - Que comunidades estão prósperas na elaboração de blogs no Brasil?
Leão - As mais antigas são justamente as que estão à margem das mídias oficiais. Por exemplo, no Canal
Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br), que é uma
espécie de blog da arte contemporânea, não vai estar ali quem está nas
grandes exposições.
Com softwares livres é a mesma coisa: as pessoas estão ali buscando um
canal para se desenvolver. Também
as questões ecológicas e de solidariedade funcionam muito bem. É sempre sobre aquilo que os meios de comunicação de massa não oferecem.
Folha - Que pesquisas há sobre blogs
no Brasil?
Leão - Houve um encontro sobre
blogs no ano passado, em SP. A mania de fazer fotos, chamada de escopofilia, é um fenômeno que está ocorrendo. Quem viaja publica no fotolog
-as pessoas estão vivendo mais em
razão de tirar fotos do que de ter experiências. Isso se tornou um fenômeno grande entre os jovens.
Folha - Blog e fotolog são coisas distintas? Têm objetivos diferentes?
Leão - Sim, o fotolog tem a idéia de
mostrar. É misto de paixão pela imagem e exibicionismo. No Brasil não se
chegou a isso, mas há uns cinco anos,
na febre das webcams, as pessoas deixavam a câmera no quarto on-line 24
horas. Era generalizado.
Folha - Há fidelidade às comunidades
blogueiras?
Leão - Se você está interessado no
assunto e descobre um blog bom, você volta a ele.
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