São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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"BLOGS TRANSFORMARAM A COMUNICAÇÃO'

Para a pesquisadora brasileira Lucia Leão, da PUC-SP, diários na web não são mais vistos como "mentirinha" e oferecem canal alternativo à grande mídia

ERNANE GUIMARÃES NETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os blogs representam uma alternativa confiável aos meios de comunicação de massa, defende Lucia Leão, professora de comunicação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e artista multidisciplinar. "É mais fácil ficar bem-informado navegando por esses atalhos do que esperar a notícia sair. Isso é uma grande transformação nas formas de comunicação", defende a professora, freqüentadora de blogs e que os utiliza em sala de aula.
Em entrevista à Folha, a organizadora de "O Chip e o Caleidoscópio -Reflexões sobre as Novas Mídias" (ed. Senac) aponta as características específicas que fazem do blog uma forma independente de comunicação e apresenta tendências da comunidade blogueira no Brasil.

 

Folha - Os blogs não são apenas uma mania passageira?
Lucia Leão -
Não, acho que está sendo o caminho que a web achou; é uma evolução, uma transformação da web.

Folha - Eles se constituem uma forma autônoma de comunicação?
Leão -
É isso mesmo. Se pegarmos a história do jornal, é interessante recordar. O jornal também tinha essa cara. O editor, o chefe do jornal, é hoje o editor desses blogs. Os jornais não eram tão grandes. Há um pouco dessa volta às origens, de ouvir a voz do autor, seus valores.

Folha - O ambiente "etéreo" da internet não compromete a credibilidade do trabalho?
Leão -
Não, porque a credibilidade está relacionada com o que a gente chama de reputação, a confiança que se dá a um blog, e não a outros. Tem a ver com ética: você confia naquele cara, e se estiver errado alguém vai falar. O blog também tem "erramos". Chamo isso de regulação que emerge, pois a própria web regula. Quando você visita esses sites, em geral tem indicações. Por exemplo o site Turbulence, que existe há muito tempo e agora faz um blog com notícias (www.turbulence.org/blog). Você sabe quem são aquelas pessoas. Elas existem.
Tenho insistido nisto: durante muito tempo, as pessoas achavam que o ciberespaço é "mentirinha", um mundo de faz-de-conta, de fantasia. Hoje a gente saiu dessa fase.
Estamos na fase em que o ciberespaço é apenas um prolongamento da cultura. É lógico que há lugares em que as pessoas podem usar o alter ego para se sentir à vontade -o que também há no mundo real.
Não há nada no ciberespaço que não corresponda ao mundo real. Quando comecei a insistir nisso, as pessoas me olhavam como se fosse um extraterrestre. Quando se faz uma transferência de dinheiro na sua conta, aquilo ocorre de fato. Quando você publica alguma coisa com seu nome, tem que responder por aquilo.

Folha - A cultura e o mercado do Brasil têm capacidade para absorver mais os blogs, como ocorre nos EUA?
Leão -
Sim, claro. O que acho interessante são os blogs que acabam criando comunidades. O blog está lá, faz divulgação e você que se interessa por aquele assunto começa a entrar lá para estar bem-informado. Ainda tem pouca gente fazendo isso, em comparação com a Europa. Eu mesma sou professora e não dou conta: às vezes meu blog fica sem ser atualizado.
Uso muito para aula, ponho o que está acontecendo na aula no blog, mas gostaria de ter um blog mais organizado. Acabo não tendo tempo. Alguns pesquisadores de fora mantêm regularidade. O pesquisador Mark Bernstein, por exemplo, dá a isso o nome de "web viva": você sabe que vai entrar lá e sempre tem alguma coisa nova.

Folha - É o que faz as pessoas optarem por criar um blog, e não um site?
Leão -
Com certeza. É mais prático, tem recursos de envio por celular. Para fazer sites, há aqueles "templates" [modelos para facilitar a construção], mas isso acabou atendendo a outro tipo de usuário. O usuário do blog quer realmente agilidade, mobilidade para trocar informações rapidamente.

Folha - Isso cria uma forma de comunicação específica?
Leão -
Sim. A troca de atalhos é bem legal. Especialmente na área de software livre: com os links, você vai navegando de um site para outro e vendo muita notícia interessante. É mais fácil ficar bem-informado navegando por esses atalhos do que esperando a notícia sair. Essa é uma grande transformação nas formas de comunicação. Ninguém está muito preocupado com a forma, mas sim com a notícia.

Folha - No Brasil, os blogs têm se apoiado muito no Orkut?
Leão -
Bem observado. O Orkut acaba sendo uma maneira fácil de atrair pessoas para um site, até melhor, por exemplo, do que o Google. É uma tática de comunicação mais pontual. Tive uma aluna de pós-graduação cujo trabalho era sobre design e jornalismo. Ela fez um blog e ninguém visitava, ela enviava e-mails e ninguém entrava [no blog]. Ela pôs no Orkut e num dia teve 200 visitas. Atingiu mais pessoas interessadas no tema.

Folha - Notícias na mídia ajudaram a fazer crescer o movimento dos blogs?
Leão -
Acho que é independente. Não digo que não haja alcance, há gente que entra num blog porque viu na mídia impressa, mas em geral é coisa que acaba acontecendo no ato de navegar ou por e-mail.
E as revistas, como a "NovaE", listam blogs e acabam criando uma "gangue" de blogs. A comunidade tem o poder de divulgar novos blogs.

Folha - E os jornalistas que são pagos para fazer blogs? Isso vai funcionar no Brasil?
Leão -
Acho que sim. Há vários blogs muito bons, como o de Hermano Vianna (www.overmundo.com.br).

Folha - Que comunidades estão prósperas na elaboração de blogs no Brasil?
Leão -
As mais antigas são justamente as que estão à margem das mídias oficiais. Por exemplo, no Canal Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br), que é uma espécie de blog da arte contemporânea, não vai estar ali quem está nas grandes exposições.
Com softwares livres é a mesma coisa: as pessoas estão ali buscando um canal para se desenvolver. Também as questões ecológicas e de solidariedade funcionam muito bem. É sempre sobre aquilo que os meios de comunicação de massa não oferecem.

Folha - Que pesquisas há sobre blogs no Brasil?
Leão -
Houve um encontro sobre blogs no ano passado, em SP. A mania de fazer fotos, chamada de escopofilia, é um fenômeno que está ocorrendo. Quem viaja publica no fotolog -as pessoas estão vivendo mais em razão de tirar fotos do que de ter experiências. Isso se tornou um fenômeno grande entre os jovens.

Folha - Blog e fotolog são coisas distintas? Têm objetivos diferentes?
Leão -
Sim, o fotolog tem a idéia de mostrar. É misto de paixão pela imagem e exibicionismo. No Brasil não se chegou a isso, mas há uns cinco anos, na febre das webcams, as pessoas deixavam a câmera no quarto on-line 24 horas. Era generalizado.

Folha - Há fidelidade às comunidades blogueiras?
Leão -
Se você está interessado no assunto e descobre um blog bom, você volta a ele.


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