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+ cultura
Chinatowns
O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim discute o modelo de desenvolvimento de Pequim e Xangai e seus desafios imediatos, como poluição e desigualdade social
Nas principais cidades chinesas, o trato das áreas verdes é impecável: longas avenidas ladeadas por belas árvores
Andrew Wong - 26.set.2003/Reuters
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Mulher fotografa obras da Bienal de Arte de Pequim, em 2003 |
JORGE WILHEIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao visitar a China, é
preciso levar em
conta três premissas básicas: o seu
espaço continental,
definindo a escala de todas as
intervenções humanas; o tempo dessa cultura, que se distribui por cinco milênios repletos
de inovações; e a população,
cujo número (1,3 bilhão) estabelece desafios próprios.
Com isso em mente, entrei
na grande praça Tiananmen,
em frente à Cidade Proibida,
símbolo histórico do poder chinês, ao lado de boa parte dos 12
milhões de turistas chineses
que aproveitavam os dez dias
de férias oficiais.
Pequim foi fundada pelos
mongóis no século 13. Ocupa
uma vasta planície e ainda obedece aos eixos principais em
cujo centro está a Cidade Proibida. Dentro do quadriculado
de suas amplas e imponentes
avenidas, recentemente alargadas, se situava a trama habitacional de estreitas vielas ("hutongs") sobre as quais abriam-se as portas de acesso a pequenas casas, cujas dependências
rodeavam diminutos pátios arborizados.
Essa encantadora estrutura
doméstica, contida pelas vastas
avenidas, está sendo substituída, atendendo à demanda decorrente do programa de reforma e abertura introduzido em
1978 pelo líder Deng Xiaoping.
Antigos hutongs dão lugar a
edifícios destinados a escritórios, hotéis e apartamentos.
Olimpíada urbana
A demanda foi acrescida pela
preparação dos Jogos Olímpicos de 2008, cujo inteligente
planejamento distribui seus
pavilhões pela cidade, sendo
que boa parte dos ginásios novos pertencerão a universidades e outras instalações e estão
em amplos parques rodeados
por habitações.
É inevitável a comparação:
quando da postulação olímpica
de São Paulo em 2002, derrotada pela cartolagem esportiva
sediada no Rio, quando também se propunha uma Olimpíada urbana, de modo a deixar
um bom legado à cidade.
Havia estado em Beijing em
1995 e ficara impressionado
com o fluxo intenso de bicicletas; hoje elas foram em boa parte motorizadas ou substituídas
por motonetas, e a elas se somou um crescente número de
automóveis. Duas conseqüências: as avenidas foram alargadas para acolherem sete pistas
em cada sentido e gerou-se
uma grande poluição, agravada
pela queima de carvão na produção de energia.
Essa poluição não chega a ser
atenuada pelos bem-cuidados
parques, como o Back Lakes
[Hou Hai, Lagos dos Fundos],
que visitei em um dia ensolarado: famílias divertiam-se nos
pedalinhos de seu grande lago,
comiam e jogavam cartas, exercitavam-se com petecas e cintas coloridas, riam bastante ou
cantavam, enquanto numerosos casais, alguns idosos, dançavam com elaborados floreios.
Antes de visitar outras cidades, como Xian, convém lembrar que, há 15 anos, houve uma
importante alteração na distribuição dos centros de poder; no
tempo de Mao Tse-tung (1893-1986), estes eram constituídos
pelas unidades de produção, fábricas ou cooperativas agrícolas, em torno das quais se estruturavam os empregos, a habitação, as finanças.
Os centros geradores passaram a ser as regiões e cidades,
as quais possuem razoável autonomia na captação de recursos e na disposição dos gastos.
Essa medida de descentralização é democratizante; porém,
em muitos casos, as lideranças
locais do Partido Comunista
Chinês acabam centralizando
despoticamente as decisões.
Legado histórico
A arte chinesa desenvolveu-se por milênios, como pudemos
apreciar no Museu Histórico de
Xian. Começa no neolítico
(3600-2000 a.C.), com a fabricação de instrumentos de jade,
e com a idade do bronze, cujas
grandes bacias decoradas e objetos da vida cotidiana caracterizaram a arte chinesa até 800
a.C. A esse período se seguiu o
da terracota (seguido pelas
obras em ourivesaria, baixo-relevos e gravuras), bem representado não apenas no museu
como no mausoléu de Qin Shi-huang (259-210 a.C.), que hoje
constitui a principal atração turística de Xian.
Esse notável imperador,
além de unir os sete reinos de
então, unificou a moeda, os pesos e medidas e a estrutura viária do imenso território, iniciando a construção da Grande
Muralha, que objetivava defender o Império do Meio dos
mongóis.
Depois de tantos feitos, era
compreensível que se preparasse para ser acompanhado no
além pela procissão de vasto
exército de 6.000 soldados, oficiais e dignitários, todos esculpidos em terracota em tamanho natural, "desfilando" sob
uma estrutura a ser coberta por
terra e grama, descoberta acidentalmente em 1974.
Ao visitar Xangai, é necessário ter em mente que o programa de "reforma e abertura" iniciado em 1990 reintroduziu na
China o regime capitalista, sob
a justificativa retórica da "maximização das forças produtivas". Para tanto, criaram-se 14
zonas em que se privilegia a
modernização e a exportação e
nas quais o direito de uso do solo é facilmente obtido.
Essas zonas se agrupam em
três grandes regiões urbanizadas: o conjunto Pequim-Tianjin, a região de Xangai e suas cidades-satélite e, mais ao sul, a
região de Hong Kong-Shenzen-Guangzhou. Cada uma dessas
regiões está no estuário de um
dos grandes rios e é dotada de
importante porto. Uma quarta
região de concentração, não litorânea, é Chongqing.
Xangai já era cidade dinâmica e importante em meados do
século 19, quando a China foi
derrotada na Guerra do Ópio,
travada principalmente pela
Inglaterra, objetivando forçar a
China a conceder facilidades
comerciais para as potências
européias.
A última e decadente dinastia, além de abrir os portos ao
comércio exterior, concedeu
territórios aos cidadãos e empresas da França, Inglaterra e
dos EUA.
Essas concessões se ampliaram após a Guerra dos Boxers
(1900), revolta nacionalista gerada por um grupo de lutadores
de kung fu. A imperatriz regente Cixi, mestra das intrigas, viu-se obrigada a ceder mais, levando à desmoralização final do
sistema dinástico (1911).
Paris do Oriente
Assim, enquanto ao longo do
rio Huangpu, no longo cais denominado Bund, se instalaram
as firmas exportadoras, em um
bairro central localizou-se uma
concessão francesa, cujos residentes obedeciam a leis francesas e pagavam impostos exclusivos. Essa colonização atípica
resultou em forte imigração e
no caráter cosmopolita da cidade. Este se consolidou no século 20, e Xangai passou a ser
considerada a "Paris do Oriente", até que a invasão japonesa
(1931) a paralisa.
A partir de 1980, Xangai retomou sua importância; seu prefeito propôs a abertura de uma
expansão do outro lado do rio,
na região rural de Pudong.
Porém só em 1990 Xiaoping
autorizou sua implantação, e o
governo investiu nela, dessa
data até 2000, US$ 22 bilhões.
Por outro lado, dos US$ 570 bilhões de investimentos estrangeiros na China, hoje focalizando o setor imobiliário, boa parte foi feita nessa região.
A região urbanizada de Xangai tem mais de 16 milhões de
habitantes (São Paulo aproxima-se de 19 milhões), em 6.377
km2 (contra os 8.051 km2 da
Grande São Paulo), e constitui
a principal área urbanizada da
China. Tem uma renda per capita de US$ 4.505 (em São Paulo, segundo a Empresa Paulista
de Planejamento Metropolitano, essa renda era de US$
4.918, em 2004). É menos poluída do que Pequim e especialmente que Chongqing, onde a
poluição do ar é 2,9 maior que a
de São Paulo.
Para compreender a velocidade com que Pudong e as demais transformações urbanas
estão sendo realizadas é preciso apontar duas características
da China de hoje: o solo pertence ao Estado, o qual concede o
seu uso por meio de transferências, arrendamento, associações, de forma semelhante
ao que seria no Brasil o direito
de superfície.
Tal fato permitiu deslocar da
área central de Xangai cerca de
12 mil unidades de trabalho e
400 mil habitações.
Crescem rapidamente as atividades do setor imobiliário à
medida que a transferência de
fábricas para a periferia da cidade e para outras cidades de
sua região libera espaços para
habitações e escritórios.
Enquanto as margens do rio
Huangpu estão planejadas com
parques, em Pudong edifícios
altíssimos (a torre Jin Mao, onde o hotel Hyatt se instalou do
50º andar até o 88º, deixará de
ser o edifício mais alto, ao se
concluir o prédio vizinho) obedecem ao planejamento produzido em equipe por quatro renomados arquitetos: Massimiliano Fuksas, Toyo Ito, Dominique Perrault e Richard Rogers. Nessa região os investidores estrangeiros que obedeçam
ao planejado têm seus projetos
aprovados em menos de dez
dias úteis.
Cresce também a taxa de
motorização, e, para acolhê-la,
viadutos e vias elevadas cruzam a cidade. Das 11 linhas de
metrô planejadas, duas já existem e por elas chega-se a Pudong, a qual, aliás, liga-se ao lado oeste do rio também por
três pontes e dois túneis.
Nas principais cidades chinesas, o trato das áreas verdes é
impecável: longas avenidas ladeadas por belas árvores recentemente plantadas e com intermináveis canteiros de flores,
sempre com jardineiros atarefados em sua manutenção. E
sem anúncios, embora esses
proliferem nas empenas e nos
topos iluminados de prédios.
Problemas atuais
Esse crescimento frenético
cria demanda de mão-de-obra
para a construção civil, à qual se
acrescenta a de empregos no
setor terciário. Resultado: a
imigração de 3 milhões de trabalhadores temporários, sem
licença de residência urbana;
donde sem direito à gratuidade
da educação, subsídios para
moradia, atendimento em saúde e pensões.
A situação tende a gerar uma
economia informal, uma categoria de pobres urbanos, com
trabalho, porém sem garantias,
aumentando o distanciamento
social.
A China enfrenta algumas
questões cruciais e substantivas para alcançar o "desenvolvimento socialista harmonioso" propugnado pelo presidente Hu Jintao, sem que neste artigo haja espaço para desenvolver o tema:
Produzir energia sem poluir
o ambiente, colocando em sua
matriz energética outras fontes
além do carvão; regular o uso da
água, recurso escasso; o envelhecimento da população ativa
e a carência de mulheres; a diminuição da eqüidade social
acarretada pelo regime neoliberal implantado; a necessidade de modelos rurais-urbanos
que evitem a migração desmesurada para as metrópoles; as
restrições à democracia, no
partido e no regime; e o desafio
teórico de uma reconceituação
do socialismo (liberdade e
eqüidade no século 21).
JORGE WILHEIM é arquiteto e urbanista, ex-secretário de Panejamento Urbano do município de
São Paulo (2001-2004). É autor de "Cidades - O
Substantivo e o Adjetivo" (ed. Perspectiva).
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