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Ponto de Fuga
O país do homem cordial
A dificuldade dos jovens artistas para mostrar o que fazem é enorme: estão fora do mercado, encontram poucos lugares para expor, para debater com outros artistas e com a crítica
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Chave de ouro: a Bienal do
Vazio encontrou um fim
condigno. Caroline Pivetta da Mota, de 23 anos, entrou no prédio do Ibirapuera
com um grupo e pichou paredes [em 26/10].
Foi posta na cadeia. Uma
moça de 23 anos foi mandada
para aquilo que se chama cadeia no Brasil porque pichou
parede. O argumento jurídico,
destruição de patrimônio cultural, aplicado àqueles traços
facilmente eliminados com
uma ou duas demãos de pintura, é um despautério.
Pena prevista: dois ou três
anos na prisão.
Caroline tem argumentos
mais inteligentes para defender seu ato do que os curadores
para responder sobre o "conceito" que presidiu a Bienal de
2008. Diz ela: "Estava me manifestando contra os desfavorecidos, os que não têm acesso
àquela coisa toda".
A dificuldade dos jovens artistas para mostrar o que fazem
é enorme. Estão fora do mercado das artes, circuito que se assanha só por valores artísticos
lucrativos. Encontram poucos
lugares para expor, para debater com outros artistas e com a
crítica. Aí, a Bienal exibe acintosamente um enorme espaço
vazio, sem falar no pequeno
conjunto mal alinhavado de
obras do primeiro andar, várias
bem pífias.
Tem razão Caroline: alguém
precisa manifestar pelos desfavorecidos da arte, os excluídos
da turminha artística que manda, desmanda, mói e remói.
Ela explica bem: "Tanto grafite quanto "picho" são underground, coisa do fundão. Não
são feitos para exposição em
galeria. A parada que eu faço é
na rua, é para o povo olhar e
não gostar. Uma agressão visual".
Muros
Pichação e grafite são transgressores. Brotam de uma cultura socialmente bem marcada.
São arte, coisa que muitos já
perceberam. A galeria Triângulo, em São Paulo, deu abrigo a
essa vibração enérgica que os
pichadores manifestaram no
Ibirapuera.
A Bienal, porém, não sabe
disso: enfrenta um problema
da cultura com boletim de
ocorrência.
Nádegas
"A Bienal dizia ser um espaço
interativo. Rolou de algumas
pessoas entrarem lá para discutir arte contemporânea. O cara
que ficou pelado (Maurício Ianês) estava integrado com o sistema, para a gente não é assim.
A arte tem que ser livre". A frase do pichador Rafael Augustaitiz denuncia o caráter oficial e
convencional das vanguardas.
As vanguardas se institucionalizaram e afastaram qualquer liberdade não autorizada,
que não caiba em sua ordem
autoritária e arbitrária.
Há tempos, Gerald Thomas
sofreu um patético processo
porque mostrou a bunda no
Municipal do Rio, ao ser vaiado
por uma excelente montagem.
Se sua bunda tivesse aparecido durante o espetáculo, antes
de a cortina baixar, seria artística e livre de perseguições judiciárias.
Onde fica mesmo?
Ainda bem que a Bienal não é
em Mato Grosso do Sul.
Se fosse, haveria fortes chances para que os pichadores levassem bala.
O governador Puccinelli fez
declarações durante a cerimônia "Feliz Cidade" (sic), em que
distribuiu 1.500 pistolas calibre
40 a policiais militares.
"Os policiais estão autorizados a atirar no peito de quem
tem passagem."
Não precisam cumprir
"100% dos dizeres dos direitos
humanos".
"A ordem é atirar."
Seu secretário da Justiça alega com candor: "Ele (governador) pensa como médico, como
cidadão. Não entende as questões técnicas".
Bom. Matar os outros é uma
questão técnica, pensamento
de médico, de cidadão, de governador? No inferno talvez seja. O pior é que o velho lugar-comum está cada vez mais certo: o inferno é aqui.
jorgecoli@uol.com.br
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